Trump x Biden: um debate caótico, rasteiro e sem ganhadores

Interrupções e falta de conteúdo levaram eleitor a abandonar a transmissão, que perdeu um terço da audiência, fato raro em campanhas presidenciais

Roberta Paduan

Donald Trump e Joe Biden em debate presidencial (Foto: Mario Tama/Getty Images)

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Caótico, rasteiro e sem vencedores. Assim pode ser resumido o primeiro debate da corrida presidencial à Casa Branca entre o republicano Donald Trump e o candidato democrata Joe Biden, ocorrido na noite dessa terça-feira (29), em Cleveland, no estado de Ohio.

Foram noventa minutos repletos de interrupções, a maioria de Trump durante as falas de Biden, que chegou a mandar o presidente calar a boca, chamá-lo de palhaço e mentiroso. O republicano interrompeu não só o oponente, mas também o moderador Chris Wallace, que teve dificuldade de concluir as perguntas diversas vezes.

As interrupções constantes do presidente Trump durante as falas de Biden travaram o debate e derrubaram a audiência ao longo dos noventa minutos do evento.

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“Uma a cada três pessoas que começaram a assistir abandonou o debate antes do final em seis estados considerados chave para a eleição (Florida, Ohio, Michigan, Wisconsin, Arizona e Pensilvânia)”, afirma Maurício Moura, pesquisador da Universidade George Washington e CEO da Ideia Big Data, instituto de pesquisa especializado em opinião pública. Segundo Moura, a perda de audiência é incomum nesse tipo de debate, que costuma reter o expectador até o final.

O ponto mais baixo do duelo partiu de Trump, quando o republicano afirmou que um dos filhos do Democrata, o advogado Hunter Biden, usava cocaína.

Biden respondeu ao ataque reconhecendo que o filho vem superando o problema com drogas e álcool e que tem muito orgulho dele. Antes disso, Trump já havia afirmado que Hunter ganhou fortunas de uma empresa ucraniana, sugerindo irregularidades que podem envolver o ex-vice-presidente de Barack Obama. Biden afirmou que o filho não fez nada errado e chamou Trump de palhaço, ao ser interrompido pelo republicano enquanto dava sua resposta.

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Costuma-se dizer que um candidato ganhou um debate quando ele consegue capturar o voto de um número maior de eleitores indecisos ou mudar os votos de seus oponentes. Nessa terça, porém, tanto o democrata, quanto o republicano falaram apenas para seus apoiadores.

Os indecisos devem permanecer sem candidato, já que o debate não serviu para jogar luz sobre as propostas dos candidatos. “Não foi um debate, foi um conflito”, afirmou Michael Lopez Stewart, sócio da Arko Advice, consultoria de análise e estratégia política. “Infelizmente, o debate refletiu a situação da sociedade americana: todo mundo fala ao mesmo tempo e ninguém escuta o outro”, afirmou Lopez Stewart, que é cidadão americano.

A polarização política nos Estados Unidos transformou a campanha deste ano em uma espécie de disputa de torcidas organizadas. A parcela de indecisos é muito baixa, entre 7% e 10%. Além disso, boa parte dos indecisos é formada por aqueles que menos se interessam por política e que têm grandes chances não votar em 3 de novembro.

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O grande desafio de ambos os candidatos é mobilizar suas bases, fazendo com que todos os que os apoiam votem (já que o voto não é obrigatório nos Estados Unidos).

Apesar da retórica pouco vibrante e incisiva, Biden conseguiu tirar certa vantagem ao explorar a gestão de Trump no combate à pandemia do coronavírus, destacando o número de mortos no país, que é recordista mundial, com 200 mil óbitos. O democrata lembrou que Trump já sabia da real gravidade da epidemia desde fevereiro, mas continuou subestimando a situação sem adotar medidas de combate, o que foi revelado recentemente em livro do jornalista Bob Woodward.

O ponto alto do Biden ocorreu na discussão sobre meio ambiente. Conseguiu articular ideias com mais clareza e mostrar que tem um plano, o que falta a Trump. O democrata afirmou que, se eleito, voltará ao Acordo de Paris, abandonado por Trump, e que a economia americana será capaz de criar novos postos de trabalho com investimento em energias renováveis e a conversão das frotas do governo em veículos elétricos, por exemplo. Em meio às críticas à política ambiental do republicano, Biden mencionou o Brasil. Afirmou que pretende juntar US$ 20 bilhões para ajudar na preservação da Amazônia. E ameaçou: se o governo brasileiro não frear a destruição da floresta, deve sofrer sanções econômicas pesadas.

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Como era esperado, Trump tentou levar as discussões para o terreno ideológico, tentando atrelar Biden ao que o republicano chama de extrema esquerda do partido Democrata, simbolizada pelo senador Bernie Sanders. Biden conseguiu neutralizar a investida de Trump, ao dizer que derrotou Sanders nas primárias e que, agora, é ele que dá as diretrizes ao partido e que a sigla está unida em torno de sua candidatura.

Uma das estratégias de Trump foi explorar os ganhos que a economia americana vinha tendo até fevereiro e colocar toda a crise econômica na conta da pandemia.

Trump usou e abusou das interrupções para tentar desconcentrar Biden, no que foi parcialmente bem-sucedido. O democrata, que não tem a mesma desenvoltura que o ex-apresentador de O Aprendiz, gaguejou algumas vezes e deixou de arrematar raciocínios que poderiam colocá-lo em vantagem no debate.

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O presidente, porém, também estava nervoso e claramente menos confortável que nos debates travados com Hillary Clinton, em 2016. “Antes, ele era o outsider, o franco atirador, quem só tinha de cobrar. Agora, é ele que tem de se explicar”, afirma Lopez Stewart.

Um dos pontos desperdiçados por Biden no debate foi o escândalo do imposto de renda de Donald Trump recém-revelado pelo jornal The New York Times. Segundo reportagem publicada no domingo (27) o atual presidente americano pagou US$ 750 de imposto de renda em 2016 e outros US$ 750 em 2017, um valor ínfimo, se comparado a qualquer americano de classe média e mais ainda a bilionários de seu calibre, que chegam a pagar centenas de milhões de dólares ao Leão americano.

O jornal revela ainda que Trump não pagou nem um centavo ao fisco durante dez dos 15 anos anteriores à sua eleição. Pior que isso, o ex-apresentador do programa Aprendiz recebeu uma restituição de US$ 72 milhões, operação que é alvo de auditoria por suspeita de fraude fiscal.

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Biden tocou no assunto, acusou Trump de fazer uma reforma tributária que beneficiou apenas os americanos mais ricos, mas não conseguiu colocar o republicano nas cordas. Indagado pelo moderador sobre quanto ele pagou de imposto de renda em 2016 e 2017, o presidente tentou fugir do assunto, afirmou que mostraria suas declarações ao Leão quando acabarem as auditorias (a mesma resposta que deu a Hillary Clinton no primeiro debate de 2016).

Após a insistência de Wallace, sobre quanto pagou de imposto nos anos de 2016 e 2017, o republicano respondeu “milhões de dólares”. A façanha de pagar menos impostos que um trabalhador que ganha salário-mínimo foi conseguida, segundo as informações obtidas pelo New York Times, porque as empresas de Trump vêm apresentando mais prejuízos do que lucro.

Biden tentou sensibilizar a classe trabalhadora, dizendo que Trump pagou menos impostos do que professores, mas perdeu a oportunidade de desconstruir a imagem de empresário brilhante e super bem-sucedido, sobre a qual o republicano se elegeu.

Na discussão sobre racismo e violência nas cidades, Trump tergiversou ao ser perguntado por Wallace se condenaria grupos radicais armados e supremacistas brancos por atos violentos ocorridos recentemente em resposta a manifestações antirracistas. O presidente tentou se esquivar, mas diante da insistência do moderador, pediu calma aos Proud Boys (milícia armada de ultradireita). Em seguida, porém, afirmou que não vê a violência entre os grupos de direita, mas, sim, entre os de esquerda, como o Antifa (antifascistas).

O presidente Trump não se comprometeu a aceitar o resultado das eleições, último tema tratado no debate. “Se for uma eleição justa, estarei dentro 100%”, afirmou, sem, no entanto, dizer o que considera justa e como saberia se foi justa ou não.

O republicano vem levantando dúvidas sobre fraudes na votação pelos correios, que deve bater recorde este ano por causa da pandemia (muitos eleitores devem optar pela votação a distância para evitar aglomeração), o que atrasará o resultado da eleição, já que a contagem é feita voto a voto.

O problema, para Trump, é que as pesquisas mostram que há muito mais democratas que pretendem votar pelo correio do que republicanos. Dez entre dez analistas apostam que Trump vai tumultuar o processo, apelando, inclusive, à Suprema Corte, para apressar o resultado. O moderador Chris Wallace chegou a ser específico com Trump, perguntando se ele garantiria que não vai declarar vitória antes do final da apuração. Trump não garantiu. Sinal de que este ano a eleição terá doses adicionais de emoção.

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Roberta Paduan

Jornalista colaboradora do InfoMoney