STF tem novo julgamento sobre “Uberização”; caso pode afetar milhares de processos

Ministros vão decidir, no plenário virtual da Corte, se tema é de repercussão geral; Edson Fachin é o relator de recurso do Uber

Lucas Sampaio

(Shutterstock)

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O Supremo Tribunal Federal (STF) vai começar a julgar nesta semana um outro processo sobre “Uberização” (quando se discute se há vínculo de emprego entre motoristas e entregadores de aplicativos com plataformas de serviços, como Uber, Rappi e iFood). O julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.446.336 está marcado para começar na sexta-feira (23) no plenário virtual e acabar em 1º de março.

Antes de julgar o mérito da ação em si, os ministros vão decidir se o tema é de repercussão geral (ou seja, se ele se aplica a todos os casos relacionados ao assunto em pauta). O primeiro a se manifestar é relator, Edson Fachin, e depois os demais ministros terão seis dias úteis para se posicionar no sistema eletrônico do tribunal.

Caso seja determinado que há repercussão geral para o tema, Fachin poderá suspender todos os processos do país que tratem do assunto, até que o Supremo tome uma decisão final — que deverá obrigatoriamente ser seguida pelas instâncias inferiores do Poder Judiciário.

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Há uma série de ações na Justiça, em diferentes instâncias, sobre a “Uberização”. Uma delas é a reclamação 64.018, que é relatada por Alexandre de Moraes no próprio Supremo e quase foi julgada no plenário físico antes do Carnaval. Ela estava na pauta da sessão do dia 8, mas não foi apreciada e ainda não há uma nova data para o julgamento.

O problema é que a reclamação é um tipo de processo cuja decisão se aplica ao caso específico. Ou seja: mesmo que o julgamento criasse um precedente, a decisão não seria vinculante e não teria de ser obrigatoriamente seguida pelas demais instâncias.

Seria a primeira vez que a Corte julgaria o tema em plenário, pois todos os outros processos foram analisados em turmas e em decisões monocráticas. A reclamação 64.018 é um recurso do Rappi, que contesta os acórdãos da 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3), que reconheceram vínculo de emprego de um trabalhador com o aplicativo.

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Em dezembro, a 1ª Turma do Supremo já decidiu não haver vínculo de emprego entre trabalhadores e empresas que operam plataformas, em outra ação relatada por Moraes. O colegiado reverteu uma decisão da Justiça do Trabalho de Minas Gerais, que havia reconhecido vínculo de um motorista com Cabify.

Moraes entendeu que a Constituição Federal admite outras relações de trabalho. “Aquele que faz parte da Cabify, da Uber, do iFood tem a liberdade de aceitar as corridas que quer. Ele tem a liberdade de fazer o seu horário e tem a liberdade de ter outros vínculos”, afirmou o ministro em seu voto, que foi seguido por Cristiano Zanin, Luiz Fux e Cármen Lucia. Ele destacou ainda, que a Justiça Trabalhista tem descumprido, reiteradamente, precedentes do Supremo sobre a inexistência de relação de emprego.

A discussão ocorre ao mesmo tempo em que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se debruça sobre a regulamentação do trabalho por aplicativos. Um grupo de trabalho foi criado pelo Ministério do Trabalho e Emprego com representantes do governo, dos trabalhadores e das plataformas e se reuniu por 5 meses. Havia a expectativa de que o texto de um projeto de lei fosse encaminhado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional ainda no ano passado — o que não aconteceu.

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O chefe da pasta, ministro Luiz Marinho (PT), diz que o objetivo com a nova legislação seria garantir condições decentes de trabalho para a categoria que tem crescido no mercado. Segundo ele, o acordo em construção com trabalhadores e empresas prevê garantia à previdência e remuneração pelo valor hora trabalhado, além do pagamento mensal de fatores como desgaste do veículo e reposição de peças.

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Pedido da PGR

O julgamento do RE 1.446.336 no plenário virtual pode se tornar o consolidador do entendimento do STF sobre o tema, o que padronizaria as decisões judiciais e daria segurança jurídica às empresas que funcionam como plataformas. No caso em questão, uma motorista de Uber pediu o reconhecimento do vínculo de trabalho e perdeu em primeira instância, mas conseguiu reverter a decisão no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1) e na 8ª Turma do TST.

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Fachin tem posicionamento favorável ao reconhecimento de vínculo entre trabalhadores e as plataformas, mas a maioria dos ministros do STF costuma votar favoravelmente aos aplicativos, assim como Moraes, por entenderem que a Constituição permite contratos de trabalho alternativos à CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas).

Foi a Procuradoria-Geral da República (PGR) que pediu, em 13 de dezembro, que fosse reconhecida a repercussão geral do caso. A Procuradoria defende que a uniformização é necessária, porque foram registrados mais de 780 mil processos na Justiça do Trabalho, entre o início de 2019 e junho de 2023, com pedido de reconhecimento de vínculo entre os trabalhadores e aplicativos de transporte e entrega, e cerca de 17 mil novos processos só nos últimos seis meses.

O documento foi assinado pela procuradora-geral da República em exercício na ocasião, Elizeta Maria de Paiva Ramos. “Importante, assim, que o Supremo Tribunal Federal, em sede de precedente vinculante e erga omnes, examine o tema e uniformize a questão quanto à natureza jurídica da relação travada entre motorista de aplicativo de prestação de serviços de transporte e empresa criadora e administradora da plataforma digital e os direitos aplicáveis à espécie, à luz da Constituição Federal”, escreveu a então PGR. “A matéria tem nítida densidade constitucional e apresenta relevância do ponto de vista político, social e jurídico”.

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Para Rafael Favetti, sócio e diretor de análise politica e jurídica da Fatto Inteligência Política, o julgamento é de extrema relevância não só para o mercado de trabalho. “É um divisor de águas, para mostrar se o Brasil é um ambiente hostil não só à inovação, mas também ao investimento de empresas internacionais no país. O número de trabalhadores nessas plataformas é imenso”.

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Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.