Senador defende alternativa para pagar Auxílio Brasil em 2022: “nova pandemia no Brasil é a fome”

Ao InfoMoney, Oriovisto Guimarães explica proposta que retira precatórios do teto de gastos em 2022 para pagar benefício de R$ 400 a 21 milhões de famílias

Marcos Mortari

O senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) em entrevista. (Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)

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SÃO PAULO – Uma semana após a Câmara dos Deputados aprovar a PEC dos Precatórios em segundo turno, o governo federal tem enfrentado dificuldades para fazer a proposta avançar no Senado Federal.

O texto abre espaço fiscal estimado em R$ 91,6 bilhões a partir da limitação do pagamento de dívidas judiciais da União em um exercício e de mudança na metodologia do teto de gastos, e é tido como fundamental para viabilizar o Auxílio Brasil no tamanho desejado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O Palácio do Planalto corre contra o relógio para garantir o apoio de 3/5 dos senadores para avançar com a matéria até o fim do mês, mas há fortes resistências na casa legislativa. No grupo dos críticos à PEC dos Precatórios está o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), que defende a conciliação da responsabilidade social com o respeito às regras fiscais e à segurança jurídica.

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Na semana passada, o parlamentar protocolou uma PEC com alternativas de financiamento ao programa substituto do Bolsa Família, mas garantindo o pagamento integral dos R$ 89,1 bilhões em precatórios previstos no Orçamento de 2022 e sem modificar o teto de gastos.

No texto, o senador defendia que metade dos recursos das emendas individuais de parlamentares e das emendas de bancada fossem destinados ao novo programa. E também sugeria uma redução drástica nas polêmicas emendas de relator (RP9), que não poderiam superar 0,5% da Receita Corrente Líquida estimada para o exercício. Precatórios de despesas excluídas do teto, caso do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), também estariam fora da regra fiscal.

Outras alternativas foram apresentadas pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e José Aníbal (PSDB-SP). Os parlamentares acreditam que a PEC dos Precatórios, da forma como está formatada, fere a credibilidade do país e abre espaço para despesas não relacionadas ao Auxílio Brasil, mesmo que o programa passe a pagar R$ 400,00 mensais a 17 milhões de famílias.

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Oriovisto, Aníbal e Vieira têm mantido conversas com o líder do governo no Senado Federal, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), que também é relator da PEC dos Precatórios. Eles tentam convencer o parlamentar a fazer adequações ao texto – o que forçaria a proposta a voltar para a Câmara dos Deputados posteriormente.

Em meio às conversas, os três senadores avançaram com uma emenda substitutiva à proposta defendida pelo governo em um texto que funde ideias presentes nas três PECs protocoladas na semana passada. O documento foi entregue ontem (17) a Bezerra e está sob análise do governo. Leia a íntegra clicando aqui.

O texto alternativo pretende abrir espaço fiscal de cerca de R$ 99 bilhões para assistência social exclusivamente no Orçamento de 2022 – montante que pode superar inclusive o calculado pelo governo para a atual versão da PEC dos Precatórios. Com isso, seria possível bancar um auxílio de R$ 400,00 por mês para 21 milhões de brasileiros.

Atualmente, 14,6 milhões de famílias são atendidas pelo programa permanente de transferência de renda e o objetivo inicial do governo Jair Bolsonaro era ampliar a base para 17 milhões com o “folego” gerado pela PEC dos Precatórios.

A emenda substitutiva propõe a retirada de todas as despesas com precatórios do teto de gastos excepcionalmente em 2022 (em um total de R$ 89,1 bilhões), mas estabelece que um mínimo de R$ 64 bilhões sejam somados aos valores já previstos no no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para o Bolsa Família e destinados ao Auxílio Brasil.

Os valores remanescentes poderiam ser alocados em despesas decorrentes de recomposição orçamentária ao pagamento de benefícios da Seguridade Social. O texto também propõe o fim das emendas de relator da forma como elas hoje são conhecidas, ficando restritas a ajustes de erros e omissões na peça orçamentária.

A proposta é considerada menos ortodoxa do que as alternativas antes apresentadas pelo trio. Em entrevista ao InfoMoney, Oriovisto Guimarães disse que o texto é resultado de quatro dias de negociações em que houve concessões, mas traz maior previsibilidade aos agentes econômicos.

“No ano passado, em plena pandemia, nós abrimos uma despesa extrateto de R$ 600 bilhões e estamos recuperando isso aos poucos. O mercado aceitou bem, porque era pandemia e precisava fazer. Nós estamos saindo da pandemia. A nova pandemia hoje no Brasil se chama fome, e não tem como não atender esses milhões de brasileiros que estão nas esquinas e estão passando fome, crianças que não comem. Não tem como”, argumentou.

“Eu acho que dos males o menor: pelo menos o mercado sabe que é um valor fixo, em função desta saída da pandemia, e ponto final. E que isso não vai se repetir. Agora, se você alterar a regra, isso vai no ano que vem, no outro, não tem fim”, disse.

Veja os destaques da entrevista:

InfoMoney – A emenda substitutiva reúne elementos de três PECs apresentadas na semana passada pelo senhor e pelos senadores Alessandro Vieira e José Aníbal. Qual foi o intuito da nova construção e como foi possível chegar a um impacto fiscal maior do que o proposto nos textos anteriores?

Oriovisto Guimarães – No ano passado, em plena pandemia, abrimos uma despesa extrateto de R$ 600 bilhões e estamos recuperando isso aos poucos. O mercado aceitou bem, porque era pandemia e precisava fazer. Nós estamos saindo da pandemia. A nova pandemia hoje no Brasil se chama fome, e não tem como não atender esses milhões de brasileiros que estão nas esquinas e estão passando fome, crianças que não comem. Não tem como.

O que resolvemos fazer? O mais simples: abrir um crédito extrateto para pagar os precatórios. Mas aí há uma série de condições. Em princípio, se abriu esses R$ 99 bilhões extrateto. Só vale para o ano de 2022, não vale para outros anos. Em contrapartida, queremos que seja mantida a regra do teto de gastos, sem mudar aquelas datas [de aferição da inflação para correção no limite das despesas em um exercício]. E não vai haver calote de precatório.

Nós garantimos a segurança jurídica e a âncora fiscal. E colocamos na Constituição que aquelas emendas de relator não existirão mais. Isso dá uma moralizada fantástica na política. Acaba aquela confusão toda.

Entregamos isso ao líder do governo, Fernando Bezerra. Ele ficou de analisar com o governo e nos dar uma resposta. Acho que, na verdade, ele está querendo ver se tem voto para poder nos enfrentar. Se tiver voto, vai atropelar, vai quebrar o teto, vai dar calote e fazer tudo que não deveria fazer. Se não tiver voto, vai vir para o acerto. Nós só vamos saber disso na quarta-feira da semana que vem.

IM – O texto faz referência a R$ 64 bilhões como mínimo aplicado em complementação às despesas inicialmente destinadas no PLOA 2022 ao programa permanente de transferência de renda. Como se chegou a este montante?

OG – O governo já tinha R$ 34 bilhões no Orçamento para pagar o Bolsa Família. Ele precisa de um recurso [adicional] para pagar esse auxílio de R$ 400,00, que se falava no início em 17 milhões [de famílias] e agora já estão falando em 21 milhões.

Então, se você multiplicar esses 21 milhões por 12 meses e por R$ 400,00, vai ter o total necessário para isso. Tirando os R$ 34 bilhões, uma boa parte será utilizada para pagar isso. Sobra muito pouca coisa para matar alguns déficits que o governo tem no Orçamento, que foi acertado com o Ministério da Economia – mas é coisa de R$ 10 bilhões ou R$ 15 bilhões. Isso resolveria os problemas todos.

IM – Uma discussão entre agentes econômicos durante a tramitação da PEC abordou qual seria o caminho menos prejudicial para a situação fiscal do país: a abertura de mais exceções ao teto de gastos ou uma antecipação da possibilidade de mudança na própria regra fiscal. Sua PEC inicial para tratar da questão não trazia flexibilizações ao teto e buscava abrir espaço limitando as próprias emendas parlamentares. A nova solução, ao retirar os precatórios do teto, mesmo que temporariamente, não pode fragilizar o arcabouço fiscal do país?

OG – Essa foi a solução mais simples que encontramos. Foi uma tentativa de negociação. A minha proposta era diferente, mas chega uma hora quando você está negociando… Estamos negociando há quatro dias…

Montamos a nova PEC inteira, com todos os detalhes. Está tudo amarrado ao social. Nós não deixamos nenhuma brecha para o governo fazer política, para pagar emendas, para fazer tratoraço, para dar aumento para o funcionalismo. Não há espaço para nada disso.

Do jeito que estava a PEC do governo, haveria um rombo bem maior. Aqui nós limitamos os valores dos precatórios, que é um valor para fazer um acordo com o governo – na minha opinião, deveria ser menor, mas acordo é acordo, você tem que ceder um pouco. Mesmo assim, o governo não aceitou. O governo está insistindo naquela que veio da Câmara, que acho um horror. Agora é esperar para ver no que dá.

Eu acho que dos males o menor: pelo menos o mercado sabe que é um valor fixo, em função desta saída da pandemia, e ponto final. E que isso não vai se repetir. Agora, se você alterar a regra, isso vai no ano que vem, no outro, não tem fim.

IM – Como está a construção com os demais parlamentares e outras bancadas? 

OG – Nós temos o Podemos, com 9 senadores, que está fechado com isso. Acredito que o PT pode vir conosco. O PSDB tem 7, mas 2 votam com o governo e 5 vem conosco. O Cidadania tem mais 3 que vêm conosco. Um pedaço do MDB… E há outros partidos menores que vêm conosco.

Acho que a coisa está bem dividida. Se o governo ganhar, vai ser por diferença de 1 ou 2 votos. Eles estão tentando achar esses votos.

IM – A discussão sobre a PEC dos Precatórios foi muito contaminada pelo debate eleitoral. Como evitar esse efeito? O senhor não teme que sua proposta vire munição para o presidente Jair Bolsonaro em seu projeto pela reeleição?

OG – Qual seria a maneira de fazer isso? Deixar as pessoas passando fome? Nós não temos saída. Nós temos um problema maior que são crianças que não estão comendo, gente que está nas esquinas com placa. Nós temos hoje uma pandemia da fome. Está acabando a Covid, mas está começando a pandemia da fome. Não dá para ficar indiferente a isso, temos que fazer alguma coisa.

Infelizmente, pode haver esse efeito colateral. Pode ser que isso beneficie Bolsonaro. Paciência, não há o que fazer. Mas é preciso explicar que esse dinheiro não é dele, é do povo brasileiro, dos impostos, que é o povo que está ajudando o povo e que o governo é mero intermediário. Esse é o discurso político para explicarmos para a população.

Mas que corre-se o risco de ser interpretado como sendo o salvador da pátria que está salvando os que têm fome, sem dúvida esse risco existe. Mas não sei o que fazer com ele. Tem um problema maior, não tem jeito. São aquelas situações éticas em que o capitão do navio se vê obrigado a jogar no mar uma série de valores para poder salvar a tripulação. Não tem jeito.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.