Câmara aprova texto-base da PEC dos Precatórios em segundo turno, por 323 votos a 172

Medida abre espaço de mais de R$ 90 bilhões no Orçamento de 2022, com a limitação do pagamento de precatórios e mudanças na metodologia do teto de gastos

Marcos Mortari

O plenário da Câmara dos Deputados (Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados)

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SÃO PAULO – O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, na noite desta terça-feira (9), por 323 votos a 172 e uma abstenção, o texto-base da PEC dos Precatórios (PEC 23/2021) em segundo turno.

O resultado é uma demonstração de força do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), após desconfiança gerada com a aprovação por placar apertado (apenas 4 votos) em primeiro turno de tramitação, e pode reduzir o ímpeto de discussões de um “plano B” para a abertura de espaço fiscal no Orçamento.

A aprovação da matéria também ocorre em um momento de escalada de tensão entre os Três Poderes, após o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) formar maioria para manter decisão da ministra Rosa Weber que suspendeu os repasses de emendas do relator-geral do Orçamento – identificadas tecnicamente pela rubrica “RP9” e conhecidas popularmente como “orçamento secreto”.

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A Proposta de Emenda à Constituição dos Precatórios pode liberar espaço de mais de R$ 90 bilhões no Orçamento de 2022, a partir da limitação para o pagamento anual de precatórios (que são dívidas judiciais do poder público sem possibilidade de novos recursos) e mudanças na metodologia do teto de gastos.

A medida é tida pelo governo como fundamental para viabilizar o pagamento do Auxílio Brasil – novo programa social que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenta tirar do papel para substituir o Bolsa Família – e liberar recursos para outras despesas demandadas pelo mundo político a menos de um ano das próximas eleições.

A ideia do governo é aplicar um reajuste de 20%, de forma permanente, sobre os valores repassados a todas as faixas de famílias atendidas pelo programa social, que passarão de 14,6 milhões para cerca de 17 milhões até o fim do ano.

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Outro objetivo é garantir, de forma provisória, que nenhuma das famílias receba menos de R$ 400,00 mensais até dezembro de 2022. Para isso, o programa será somado a uma espécie de “benefício transitório”, que depende da aprovação da PEC ou de um “plano B” que supere os obstáculos impostos pelas regras fiscais em vigor. Hoje, o Bolsa Família paga um benefício médio de R$ 189,00.

O texto agora segue para o Senado Federal, onde também precisa de apoio de 3/5 (ou seja, 49 dos 81 votos) em dois turnos de votação no plenário para prosperar.

Por se tratar de PEC, as duas casas legislativas precisam aprovar o mesmo texto no mérito para que ele seja promulgado. Enquanto houver modificações, a proposta vai de uma casa para a outra (o chamado pingue-pongue) até que seja votada sem diferenças.

Os deputados federais passaram boa parte da tarde e da noite desta terça-feira votando 11 destaques de bancada referentes ao primeiro turno de tramitação da PEC.

Os dispositivos que representavam mais risco de flexibilização do substitutivo aprovado uma semana atrás pelo plenário foram derrubados ao longo da sessão.

Apenas um destaque, de autoria do Novo, foi aprovado. O partido pedia votação em separado de trecho do substitutivo que flexibilizava a “regra de ouro” – dispositivo constitucional que prevê que o governo não pode se endividar para bancar gastos correntes.

Hoje a “regra de ouro” somente pode ser contornada com a autorização pelo Congresso Nacional a pedido encaminhado pelo Poder Executivo por meio de créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa.

O trecho rejeitado pelos parlamentares abria a possibilidade de realização de receitas de operações de créditos que excedam as despesas de capital mediante simples autorização pela Lei Orçamentária Anual (LOA) – o que daria mais liberdade para o governo federal no “drible” à regra fiscal.

Foram 303 contrários ao destaque apresentado e 167 contrários. Mas, como se tratava de emenda supressiva, cabia aos contrários ao dispositivo a necessidade de atingir a marca mínima de 308 votos.

Durante a análise de segundo turno da matéria, foram 5 destaques apresentados pelas bancadas – todos rejeitados pelos deputados.

O que muda com a aprovação da PEC dos Precatórios?

De um lado, a PEC 23/2021 revoga dispositivo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal e antecipa a revisão da metodologia do teto de gastos ‒ inicialmente prevista apenas para 2026, quando a regra fiscal completaria dez anos de vigência.

Hoje, o teto de gastos permite a atualização dos gastos públicos pela inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), acumulada em 12 meses até junho do ano anterior.

Ou seja, se a regra fosse mantida, a correção de 2022 levaria em conta a alta dos preços entre julho de 2020 e junho de 2021. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o indicador teve variação positiva de 8,35% no período. O que faria com que o limite para as despesas fosse para R$ 1,609 trilhão no ano que vem.

O novo texto em discussão, por sua vez, muda o período de aferição da inflação que ajusta a regra fiscal. Pela versão aprovada em primeiro turno, a janela observada passaria a ser de 12 meses encerrados em dezembro do ano anterior ao exercício. E ainda: os novos valores seriam determinados por ajuste retroativo de toda a regra desde sua criação, em 2016.

Na prática, isso faria com que o teto de gastos saltasse de R$ 1,609 trilhão para cerca de R$ 1,644 trilhão (diferença de R$ 35 bilhões) em 2022, considerando as projeções mais recentes da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia para a inflação. Conforme divulgado no Boletim Macrofiscal de setembro, a pasta estima que o IPCA encerre o ano com alta acumulada de 7,90%.

O número, porém, é muito abaixo do que estimam casas de análise do mercado financeiro ‒ o que pode tornar a folga no Orçamento ainda maior. Considerando as projeções que constam no último Relatório Focus divulgado pelo Banco Central, que indicaram IPCA a 9,17% ao final de 2021, o governo poderia ter um “fôlego” de R$ 54,147 bilhões no teto de gastos.

O novo “teto light” e as limitações para o pagamento de precatórios podem abrir um espaço fiscal superior a R$ 90 bilhões em 2022. O que pode garantir recursos não apenas para o Auxílio Brasil, mas para outras despesas solicitadas pelos parlamentares em ano eleitoral, como as emendas do relator da peça orçamentária, aumento do fundo eleitoral, vale gás e a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos.

Do lado dos precatórios, o substitutivo limita os pagamentos de determinado exercício a uma correção anual pela inflação do valor pago em 2016. Na prática, é a mesma lógica do teto de gastos, desta vez usada para restringir o pagamento de dívidas que a própria Justiça determina que o poder público deve pagar.

O limite para a expedição de precatórios corresponderá, em cada exercício, ao limite estabelecido pela atualização da regra fiscal, reduzido da despesa com o pagamento de requisições de pequeno valor, que terão prioridade no pagamento.

O texto determina que precatórios que não forem expedidos, em razão da restrição de despesas aplicada, tenham prioridade nos exercícios seguintes. O cálculo do limite não considera um possível “encontro de contas” entre os entes e atualização monetária.

Pelo substitutivo, os credores não contemplados poderiam optar pelo recebimento dos recursos em parcela única, até o final do exercício seguinte, mediante acordos diretos perante Juízos Auxiliares de Conciliação de Pagamento de Condenações Judiciais contra a Fazenda Pública Federal, desde que com renúncia de 40% dos valores. A norma seria regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Os precatórios pagos com desconto não serão incluídos no limite anual dessa despesa no orçamento e ficarão de fora do teto de gastos. Essas exclusões se aplicam ainda àqueles precatórios para os quais a Constituição determina o parcelamento automático se seu valor for maior que 15% do total previsto para essa despesa no orçamento.

De igual forma, o texto introduz a possibilidade de o ente devedor utilizar empréstimos como instrumento específico de liquidação de precatórios, mediante acordo direto com os credores.

O novo substitutivo também torna possível a utilização dos precatórios para:

I) Quitação de débitos parcelados ou débitos inscritos em dívida ativa do ente devedor, inclusive em transação resolutiva de litígio, e, subsidiariamente, débitos com a administração autárquica e fundacional do mesmo ente;

II) Compra de imóveis públicos de propriedade do mesmo ente;

III) Pagamento de outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial promovidas pelo mesmo ente;

IV) Aquisição, inclusive minoritária, de participação societária do respectivo ente federado;

V) Compra de direitos do respectivo ente federado, inclusive, no caso da União, da antecipação de valores a serem recebidos a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo.

Nestes casos, as despesas também ficarão de fora do teto e do limite os precatórios. A versão original encaminhada pela equipe econômica do governo federal apenas previa as situações de compra de imóveis públicos ou aquisição de participação societária, mas os demais pontos foram incluídos durante a tramitação da matéria na Câmara dos Deputados.

O relator Hugo Motta manteve no texto a possibilidade do chamado “encontro de contas” entre a União e os entes federativos, inclusive com a possibilidade de dedução dos valores eventualmente devidos por estados de recursos estipulados para repasse pelos fundos de participação, tal qual previa a proposta original.

Estão previstos no texto quatro tipos de compensação, fora do limite anual da regra fiscal, de despesas com precatórios usados pela União e demais entes federativos:

I) Contratos de refinanciamento;

II) Quitação de garantia executada se concedida a outro ente federativo;

III) Parcelamentos de tributos ou contribuições sociais;

IV) Obrigações decorrentes do descumprimento de prestação de contas ou de desvio de recursos.

Essas compensações são direcionadas principalmente a estados e municípios que têm dívidas refinanciadas perante a União e participam de programas de recuperação fiscal cujos contratos exigem a observância do teto de gastos. No entanto, somente podem ocorrer se for aceito por ambas as partes.

Quando incidirem sobre parcelas a vencer, haverá redução uniforme no valor de cada parcela, mantida a duração original do respectivo contrato ou parcelamento.

Adicionalmente, o texto especifica que os contratos de parcelamentos ou renegociações de débitos firmados pela União com os entes federativos deverão conter cláusulas para autorizar que os valores devidos serão deduzidos dos repasses aos fundos de participação (FPM ou FPE) ou dos precatórios federais a pagar.

Entre as contrapartidas exigidas, o substitutivo lista medidas de ajuste fiscal, como a adoção de regras de elegibilidade, cálculo e reajustamento dos benefícios que contemplem regras assemelhadas às aplicáveis aos servidores públicos do RPPS da União, a adequação da alíquota de contribuição devida pelos servidores e a instituição do regime de previdência complementar.

O texto aprovado pelos deputados também estabelece que os precatórios para o pagamento de dívidas da União relativas ao antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) deverão ser quitados com prioridade em três anos: 40% no primeiro ano e 30% em cada um dos dois anos seguintes. Essa prioridade não valerá apenas contra os pagamentos para idosos, pessoas com deficiência e portadores de doença grave.

A inclusão dos precatórios do Fundef foi um movimento fundamental para a quebra de resistências entre parte da bancada da Educação, parlamentares do Nordeste (região com Estados com os maiores créditos a receber nesta modalidade) e até uma parcela da oposição – como as bancadas de PDT e PSB, que entregaram, respectivamente, 15 e 10 votos favoráveis à PEC no primeiro turno.

A modificação do substitutivo em plenário, no entanto, foi considerada por muitos parlamentares manobra regimental irregular do presidente Arthur Lira. O movimento está sob contestação no Supremo Tribunal Federal.

De acordo com a Consultoria de Orçamento da Câmara, do total de precatórios previstos para pagamento em 2022, 26% (R$ 16,2 bilhões) se referem a causas ganhas por quatro estados (Bahia, Ceará, Pernambuco e Amazonas) contra a União relativas a cálculos do antigo Fundef. Parte dos recursos deve custear abonos a professores, conforme disciplina o PL 10.880/21, aprovado também nesta terça-feira pela Câmara.

Quanto ao credor privado, a proposta tenta resolver um ponto considerado inconstitucional nas versões anteriores de compensação dos precatórios com dívidas tributárias perante o Fisco. Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) deu sobrevida até 2020 à norma considerada inconstitucional que previa a compensação de ofício pela Fazenda Pública.

O substitutivo propõe que o governo deverá depositar o valor equivalente aos débitos inscritos em dívida ativa na conta do juízo em que está a ação de cobrança do Fisco contra o credor do precatório. Dessa forma, não haveria compensação automática e o juiz decidiria sobre isso conforme procedimento definido em lei própria.

Outra mudança na regra geral de pagamento de precatórios é o uso da taxa básica de juros, a Selic (atualmente em 7,75% ao ano em tendência de alta), para atualizar os valores de qualquer tipo de precatório a título de atualização monetária, remuneração do capital e compensação de mora.

Quando do julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em 2015, que a Selic poderia ser usada apenas em precatórios tributários. Os demais deveriam ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), que repõe a inflação.

À época, a Corte considerou que o índice da poupança imposto pela Emenda Constitucional 62/09 não mantinha o poder de compra do dinheiro ganho na causa. Como juros de mora, impôs 0,5% ao mês calculados até o momento da expedição do precatório e incidentes também a partir do momento em que houver atraso na quitação. Em 2021, por exemplo, o IPCA-E acumulado está em 7% (até setembro).

(com Agência Câmara)

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.