Senado aprova MP dos ministérios no limite do prazo e evita derrota para Lula no Congresso

Senadores mantêm versão aprovada ontem pela Câmara dos Deputados, com apenas um ajuste de redação e sem mudanças de mérito; texto vai à sanção

Marcos Mortari

O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), durante sessão plenária (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

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O plenário do Senado Federal aprovou, nesta quinta-feira (1º), o projeto de lei de conversão para a medida provisória que trata da organização básica da Presidência da República e dos ministérios do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (MPV 1.154/2023).

O texto encaminhado pela Câmara dos Deputados foi aprovado pelos senadores por 51 votos favoráveis, 19 contrários e 1 abstenção. Ele sofreu um ajuste de redação, mas que não altera o mérito da matéria – o que evita que ele tenha que retornar para análise da casa iniciadora.

A aprovação ocorre a pouco mais de 10 horas do prazo limite para a Medida Provisória “caducar” (ou seja, perder validade) e após um dia de esforço concentrado do governo para mobilizar parlamentares e evitar uma derrota expressiva em meio a um ambiente negativo para o Palácio do Planalto no Congresso Nacional. Agora o texto segue para sanção presidencial.

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Ontem (31), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisou entrar pessoalmente nas negociações para reverter quadro desfavorável na Câmara dos Deputados. Logo pela manhã, ele realizou uma reunião de emergência com os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e com o líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE).

Lula telefonou para o presidente da casa legislativa, Arthur Lira (PP-AL), que disse ter deixado clara mais uma vez a insatisfação dos deputados com o Palácio do Planalto. Para destravar a votação, o governo também acelerou a liberação de R$ 1,7 bilhão em emendas parlamentares – a maior quantia liberada em um único dia na atual gestão.

Os esforços garantiram a aprovação do texto, mas lideranças da casa legislativa avaliam que o resultado não marca uma virada favorável ao governo na relação com o parlamento e que serão necessárias ações adicionais para o êxito de outras pautas, como a reforma tributária – prioridade do Ministério da Fazenda após a conclusão da tramitação do novo arcabouço fiscal (PLP 93/2023).

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Caso a medida provisória da reestruturação administrativa do governo não tivesse sido aprovada pelas duas casas legislativas até hoje, a Esplanada dos Ministérios voltaria ao desenho vigente na gestão de Jair Bolsonaro (PL). Na prática, a estrutura de 37 pastas formada por Lula em seu terceiro mandato passaria a contar com as 23 da gestão anterior – derrota que seria inédita para o atual presidente.

Isso implicaria na extinção dos ministérios dos Povos Indígenas, do Desenvolvimento Agrário, das Mulheres e dos Direitos Humanos.

No campo econômico, os ministérios da Fazenda, do Planejamento e Orçamento, da Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços − comandados respectivamente por Fernando Haddad (PT), Simone Tebet (MDB), Esther Dweck e Geraldo Alckmin (PSB) − voltariam a ser uma coisa só.

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O texto aprovado pelos congressistas tem diferenças em relação à versão original editada por Lula. As mais significativas envolvem uma diminuição nas atribuições do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, comandado por Marina Silva (Rede), e do Ministério dos Povos Indígenas, sob o comando de Sonia Guajajara (PSOL).

Incomodado com as alterações promovidas durante a tramitação da matéria em comissão mista, o governo ensaiou uma contraofensiva, mas logo mudou de ideia em meio à falta de tempo para a aprovação do texto nas duas casas legislativas e ao risco de caducidade.

Como fica a estrutura do governo?

A MPV estabelece 31 ministérios no atual governo, ante os 17 da gestão de Bolsonaro, e 6 órgãos com status de ministério ligados à Presidência da República. Desses 37 atuais, 13 já existiam; 19 surgiram de desmembramentos; 2 foram renomeados; e 3, criados.

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O substitutivo do relator Isnaldo Bulhões Jr. trouxe, contudo, mudanças importantes em relação à versão encaminhada pelo Poder Executivo ao parlamento, com derrotas sobretudo para as ministras Marina Silva, da pasta do Meio Ambiente e Mudança Climática, e Sonia Guajajara, dos Povos Indígenas.

Pelo texto, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, atualmente comandado por Flávio Dino (PSB), voltará a responder pelo reconhecimento e pela demarcação de terras indígenas. A gestão Lula havia alocado essas atribuições no Ministério dos Povos Indígenas, criado em janeiro, ao qual caberá sugerir novas áreas destinadas a povos tradicionais.

A nova pasta terá a competência de defender e gerir as terras e os territórios indígenas, além de tratar da política indigenista. E um dos órgãos subordinadas a ela, a Fundação Nacional do Índio (Funai), passará a se chamar Fundação Nacional dos Povos Indígenas.

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Com a versão aprovada pelos deputados, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima perde a Política Nacional de Recursos Hídricos e a gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) em âmbito federal.

Em razão das mudanças, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional permanece, como no governo anterior, com os recursos hídricos, contando em sua estrutura com o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) e a Agência Nacional de Águas (ANA), que passa a cuidar ainda do saneamento básico.

O Desenvolvimento Regional ficará também com a parte da compensação pelo uso dos recursos hídricos para a produção energética, devida pelas usinas hidrelétricas aos governos municipais, estaduais e federal.

Já o gerenciamento de sistemas de saneamento básico, resíduos sólidos e recursos hídricos, hoje no Meio Ambiente, vai para o Ministério das Cidades, que, no saneamento, atuará inclusive em terras indígenas.

O CAR ficará com o Ministério de Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.

No caso da gestão de florestas, o Ministério do Meio Ambiente continua com aquelas públicas concedidas para a produção sustentável. Já a gestão de florestas plantadas continua com o Ministério da Agricultura, mas em articulação com o Meio Ambiente.

Segundo o texto aprovado, as políticas sobre proteção, recuperação da vegetação nativa e programas ambientais passam a englobar também outros biomas além da Amazônia.

Na elaboração do zoneamento ecológico-econômico (ZEE) e de outros instrumentos de ordenamento territorial será abordado o planejamento espacial marinho em articulação com outros ministérios competentes (como da Pesca).

Uma das novidades do texto original da MP em relação às estruturas anteriores é a criação, pela primeira vez, de um Ministério dos Povos Indígenas.

Entretanto, pelo texto aprovado, a atribuição inicialmente dada pela MP de realizar o reconhecimento e a demarcação de terras indígenas não ficará mais com a pasta, voltando ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.

O novo ministério continuará com a competência de defender e gerir as terras e os territórios indígenas, além de tratar da política indigenista.

Um dos órgãos subordinados, a Fundação Nacional do Índio (Funai), passou a se chamar Fundação Nacional dos Povos Indígenas.

Outro ministério recriado pela MP é o do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, que cuidará também da identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação de terras de comunidades quilombolas, observadas as competências do Ministério da Igualdade Racial.

O relatório de Isnaldo Bulhões inclui outras competências para esse ministério:

A versão final do texto aprovado determina ainda a transferência de algumas atribuições relacionadas à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) ao Ministério do Desenvolvimento Agrário.

A Conab continua com o Ministério da Agricultura e Pecuária, mas a garantia de preços mínimos de produtos da sociobiodiversidade ficará com o Desenvolvimento Agrário, assim como os estoques reguladores e estratégicos de produtos agropecuários.

Dessa forma, a Agricultura cuidará da garantia de preços mínimos, do abastecimento e da comercialização, exceto desses produtos da agricultura familiar.

O texto especifica que caberá ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional cuidar das normas de repasse de recursos dos fundos constitucionais de financiamento para entidades autorizadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego a operar o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO).

O Ministério das Mulheres cuidará da formulação, coordenação e execução de políticas e diretrizes de garantia dos direitos das mulheres. Outras ações são especificadas no texto, como a articulação intersetorial e transversal com órgãos e entidades, públicos e privados, e com organizações da sociedade civil; e a elaboração e implementação de campanhas educativas e antidiscriminatórias de abrangência nacional.

Caberá à pasta ainda o acompanhamento da implementação da legislação sobre ações afirmativas e a definição de ações para o cumprimento de acordos, convenções e planos de ação sobre a garantia da igualdade de gênero e do combate à discriminação.

Um dos principais desmembramentos foi do antigo Ministério da Economia, que se subdividiu em: Fazenda; Planejamento e Orçamento; Gestão e Inovação dos Serviços Públicos; e Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Tema da MP 1158/23, que perde a vigência em 1º de junho, o destino do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) não foi incorporado pelo relator no texto da Medida Provisória 1154/23.

Com o fim da vigência da MP, o Coaf, que teria sido transferido para a Fazenda, retornará ao Banco Central. O Coaf é uma unidade de inteligência para prevenção e combate à lavagem de dinheiro e à corrupção.

Por outro lado, Bulhões incorporou ao texto o conteúdo da MP 1161/23, que transfere à Presidência da República a definição dos integrantes do Conselho do Programa de Parcerias de Investimento (PPI).

O relator chegou a incluir em seu parecer a autorização para o Poder Executivo tomar medidas para a extinção da Fundação Nacional da Saúde (Funasa), já prevista na MPV 1.156/2023, cuja validade também expira na quinta-feira (1º). Durante a análise dos destaques de bancada em plenário, contudo, os parlamentares fizeram um acordo e retiraram o dispositivo do texto.

O governo recria ainda o chamado Conselhão, o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, com a função de assessorar o presidente da República na formulação de políticas e diretrizes específicas destinadas ao desenvolvimento econômico social sustentável; bem como propor leis, políticas e acordos de procedimento que visem ao desenvolvimento econômico social sustentável.

Entre os órgãos de assessoramento da Presidência da República volta a constar o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

Na Controladoria-Geral da União (CGU), a MP 1154/23 inclui a atribuição de analisar a evolução patrimonial dos agentes públicos federais e instaurar sindicância patrimonial ou, conforme ocaso, processo administrativo disciplinar, caso haja fundado indício de enriquecimento ilícito ou de evolução patrimonial incompatível com os recursos e as disponibilidades informados na declaração patrimonial.

Veja a lista das pastas da nova estrutura:

Os órgãos com status de ministério são:

(com agências)

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.