Sem aprovação da MP do corte de gastos as contas não fecham, diz relator

Carlos Zarattini espera ser oficializado como relator na próxima semana e aposta que discussão do IOF não interfere na tramitação da MP

Marina Mota Silva

O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) discursa durante sessão no plenário (Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)
O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) discursa durante sessão no plenário (Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

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O deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) espera ser oficializado como relator da medida provisória do corte de gastos na próxima semana. Inicialmente, ele seria o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), mas o presidente da Câmara Hugo Mota passou a relatoria para o deputado Gervásio Maia (PSB-PB) e garantiu a Zarattini a relatoria da MP mais importante para o governo Lula, atualmente.

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Mesmo com a judicialização do IOF, Zarattini espera não ter atraso na instalação da comissão especial da medida provisória. “O decreto é um tema, um assunto, trata especificamente do IOF. Já essa medida provisória trata, principalmente, de imposto de renda de aplicações financeiras e pessoas jurídicas. Então, são dois temas diferentes”, afirmou ao InfoMoney.

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Sem a aprovação da MP, o deputado diz que o governo não tem como fechar as contas e teria que fazer contingenciamento, inclusive, das emendas parlamentares. Por isso, ele aposta num acordo para aprovação. Mas sabe que vai sofrer pressão, principalmente de setores com forte pode de influência no Congresso, como o da agropecuária.

Sobre o clima ruim entre governo e Congresso, ele acredita que não é uma coisa permanente. “Acho que no fim das contas, vão voltar a se conversar e a coisa vai retomar. Um dos motivos da grande reclamação é o pagamento de emenda”, avalia o petista.

O deputado também acredita que a base no Congresso vai seguir com o governo, independentemente, das eleições do ano que vem. “O acordo do Presidente Lula com os partidos era da governabilidade, não foi feito acordo eleitoral, foi feito acordo de governabilidade. Então, ninguém ali foi para o governo para garantir a eleição de 2026, foi para garantir a governabilidade”, explica.

Confira a entrevista completa do deputado federal Carlos Zarattini ao InfoMoney:

InfoMoney
– Com a judicialização do IOF, o senhor acredita que a medida provisória (MP) do corte de gastos vai ficar para segundo plano e deve demorar mais para começar a tramitar?

Carlos Zarattini – Não, a nossa ideia, se o Davi Alcolumbre (União-AP) indicar logo o presidente, seria a gente tentar instalar a comissão na semana que vem e fazer logo o plano de trabalho. A ideia é trabalhar neste plano já no mês de agosto, fazer audiências públicas, ouvir a opinião dos vários setores e depois trabalhar em setembro o relatório, as votações.

IM – Mas o senhor não acha que uma coisa interfere na outra? Enquanto não sair uma decisão sobre o IOF no Supremo, fica mais difícil a MP andar?

CZ – Bom, difícil tudo é. Mas vamos dizer assim: não vai ser nem mais nem menos difícil, porque o decreto é um tema, um assunto, trata especificamente do IOF. Já essa medida provisória trata, principalmente, de imposto de renda de aplicações financeiras e pessoas jurídicas. Então, são dois temas diferentes. E vem um terceiro projeto que é dos benefícios tributários, que ainda não chegou. Inclusive, já tem um projeto do senador Esperidião Amin (PP-SC), que trata disso também e pode ser aproveitado. O relator que for designado, pode incluir no projeto o que o governo pretende fazer.

IM – O senhor citou três propostas necessárias para o governo fechar as contas. Caso uma dessas medidas não seja aprovada, o que o governo pode fazer para fechar esse ano no azul?

CZ – Se não tiver essas aprovações ou caso alguma delas não seja 100% aprovada, o governo vai ter que fazer contingenciamento. Vai fechar do jeito que der, porque senão, comete uma irregularidade. O que todo mundo aqui tem que saber é que se tiver contingenciamento afetará saúde, educação e as emendas também. E isso vale para todo mundo. Por exemplo, caso o IOF caia, são R$ 3 bilhões de emendas que já vão para o ralo. Vai ter que ser compensado de alguma forma. Pode ser uma outra forma de compensação, mas ninguém tem nada em vista além do que já está aí.

IM – O que dá para negociar dentro da MP? Onde o senhor acha que é possível ceder e o que não dá para abrir mão de jeito nenhum? 
 


CZ – A gente vai fazer levantamento agora daquilo que tem potencial de arrecadação de cada uma das sete medidas da MP. Qual é o potencial de cada uma. Então, a partir desse potencial, vamos calcular onde é mais sensível e onde é menos. Por exemplo, se tem uma medida que arrecada muito, nós não podemos mexer muito nela. Vai depender disso, em primeiro lugar. Segundo, também da pressão dos diversos setores, da força política de cada um, para fazer uma negociação. O nosso objetivo é aprovar a medida provisória na sua essência, naquilo que é o principal. Nunca se aprova 100%, mas as mudanças têm que estar dentro desse escopo da arrecadação.

IM – Setores como o agronegócio e a construção civil são afetados e devem trabalhar contra a MP. De onde o senhor espera mais pressão?

CZ – O pessoal do agro, politicamente, é muito forte aqui na Câmara. O que a gente tem que ver é que desse dinheiro nem tudo vai para agro, só 30% chegam lá. Tem letras que são emitidas por uma grande rede de lanchonetes, por exemplo, que não planta uma alface. Tem letras de crédito imobiliário que são lançadas por banco e lastreada em prédio de agência. Então, não é tudo que vai para o agro, nem tudo que vai para o imobiliário. Vamos mostrar isso tudo.

IM – O relator da MP do imposto de renda, deputado Arthur Lira, estaria buscando uma forma para isentar a faixa de renda, que iria de R$ 50 a R$ 150 mil. Esta compensação pode gerar algum conflito com a MP do corte de gastos?

CZ – A MP do imposto de renda isenta quem ganha até R$ 5 mil e passa a cobrar de quem ganha acima de R$ 50 mil. A ideia é ser equilibrado, quer dizer, não é arrecadar mais, é perder de um lado e ganhar do outro. E no caso, nós estamos mexendo em outra coisa que é imposto de renda de pessoa jurídica e de aplicações: são coisas diferentes. Aqui o objetivo é você aumentar a arrecadação e não equilibrar. O objetivo do outro projeto, do imposto de renda da pessoa física, é isentar a classe média e aumentar a tributação dos ricos, que pagam pouco imposto.

IM – O senhor acredita que hoje tem clima para aprovar a MP na Congresso? Ou isso vai ter que ser trabalhado ainda ao longo dos meses?

CZ – Não, eu acho que vai ter que ser trabalhado. Temos que discutir muito, mostrar a importância de cada medida e da medida provisória como um todo. O Congresso não tem interesse de que o orçamento desande, que a economia desande, que a máquina pública pare em determinados pontos. O ministro da Defesa, José Múcio, por exemplo, está reclamando que não tem dinheiro para botar os aviões para voar. Ninguém quer que isso aconteça. Queremos a normalidade. Para isso precisa ter recurso.

IM – A gente sabe que cada dia é um dia, que se trabalha, se negocia, mas hoje a relação do governo azedou aqui com o Congresso. O senhor concorda?

CZ – Sim, mas não acho que é permanente. No fim das contas, haverá conversas. Uma das grandes reclamações são sobre o pagamento de emendas. Poucas pessoas falam, mas o que está pegando aqui, na verdade, é a questão de pagamento de emendas parlamentares e outros compromissos do governo que, às vezes, demora para sair.

IM – O senhor acredita que há uma antecipação de 2026 e, por isso, parte da base já pulou fora e está trabalhando para a campanha?

CZ – Não acho que este seja o motivo. Muitas pessoas já deixaram claro que vão marchar com outro candidato, mas continuam fazendo parte da base e tem Ministérios. Por que alguém que tenha Ministério vai trabalhar para não ter recurso para o governo? Não tem sentido porque é possível permanecer nesse Ministério até a véspera da eleição. E, relembrando: não foi feito acordo eleitoral, mas de governabilidade. Então, ninguém ali foi para o governo para garantir a eleição de 2026, foi para garantir a governabilidade.

IM – Se essa MP não for aprovada, como o governo vai fechar a conta e cumprir com os compromissos?

CZ – Na verdade, a conta sempre vai fechar, mas porque vai ter contingenciamento. O problema não é fechar a conta, o problema é você parar a máquina, parar as atividades do governo — e isso ninguém quer. É um custo pesado para fora, porque a população vai reclamar da paralisia, de atrasos, de problemas e é um custo para dentro, já que nenhuma força política quer deixar de fazer o que tinha planejado.