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Se governo cumprir objetivo de zerar o déficit em 2024, carga tributária vai subir muito, diz Rodrigo Maia

Ex-deputado diz que medidas sobre "offshores" e fundos exclusivos estão distantes de reforma tributária e alerta para mais impostos sobre grandes empresas

Marcos Mortari

(Marcelo Camargo/Ag. Brasil)

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O ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, acredita que as mudanças nas regras de tributação de investimentos mantidos por brasileiros no exterior (PL 4173/2023) e dos fundos fechados (MPV 1184/2023), apresentadas pelo governo federal, têm boas chances de aprovação no Congresso Nacional ainda em 2023, mas representarão um aumento na carga tributária do país, que corre o risco de ser aprofundado com a segunda etapa da reforma tributária.

Os dois textos foram encaminhados pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao parlamento com o objetivo de garantir o equilíbrio das contas públicas e cumprir a meta de zerar o déficit primário em 2024, conforme estabelecem as peças orçamentárias e o novo arcabouço fiscal, sancionado com vetos parciais duas semanas atrás. No caso dos fundos fechados, a edição da MPV também seguiu necessidade de apontar fonte de compensação para a renúncia de receitas com a aprovação da atualização da faixa de isenção do Imposto de Renda Pessoa Física.

Em evento promovido pelo Banco Daycoval em São Paulo, Maia, que hoje é presidente da Confederação Nacional das instituições Financeiras (CNF), disse que vê consenso nos termos das propostas apresentadas pelo Poder Executivo, que devem tramitar de forma conjunta no próprio texto do projeto de lei das “offshores”. Ele acredita que a matéria deve ser aprovada na Câmara dos Deputados até 15 de novembro, para que o Senado Federal tenha 30 dias para também deliberar sobre o assunto e viabilizar a sanção ainda em 2023 ‒ de modo a já produzir efeitos para o ano seguinte.

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Maia também elogiou a abertura ao diálogo por parte da equipe econômica do atual governo e disse que os dois textos em discussão contam com redação mais adequada do que versões anteriores de projetos que tratavam dos mesmos temas, debatidos em legislaturas anteriores, e que não prosperaram.

Mas disse que as medidas, que fazem parte do que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), trabalha como uma segunda etapa da reforma tributária, com foco maior sobre a cobrança de impostos sobre a renda, ainda estão distantes das mudanças necessárias no sistema tributário no âmbito das cobranças sobre ganhos de investimentos e salários.

“Os projetos apresentados olham de melhor forma os temas do que aqueles apresentados no passado – sobretudo a questão dos fundos fechados, em que não havia uma separação clara daqueles que de fato tinham ativos e investimentos na economia real e aqueles que estavam se aproveitando do diferimento para o não pagamento de impostos”, disse.

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“Mas o que foi apresentado até agora está muito longe de ser uma reforma tributária da renda. Uma reforma tributária da renda vai na linha de enfrentarmos o contencioso no Brasil”, ponderou.

Também participou do evento Daniel Loria, diretor de Programa da Secretaria Extraordinária de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, um dos principais responsáveis pela elaboração das duas proposições que começam a tramitar no Congresso Nacional.

Durante sua fala, Maia citou estudo feito pelo Insper que indica uma queda de 95% no contencioso dos impostos sobre o consumo caso a primeira fase da reforma tributária, agora em tramitação no Senado Federal, seja promulgada. E disse que a segunda etapa precisa caminhar na mesma direção. Segundo ele, 75% do contencioso tributário que o Brasil estaria relacionado aos temas ligados à renda.

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“Esses primeiros projetos não têm relação com uma reforma, eles têm relação com uma necessidade do governo de aumentar a arrecadação, carga tributária, para cobrir despesas contratadas, que são enormes”, afirmou.

No evento, Maia também explorou o dilema entre o orçamento profundamente engessado no Brasil, em que haveria apenas R$ 55 bilhões sob maior margem de manobra por parte do governo para decisões de alocação, e uma administração eleita com uma plataforma calcada no avanço de políticas públicas e maior participação do Estado na economia.

“Por um lado, um orçamento que todo mundo fala que tem que revisar, reavaliar, mas, quando você olha os números, percebe pouco espaço para cortar. Por outro lado, um governo expansionista, que tem um contrato com a sociedade – é legítimo, ganhou a eleição – para expandir despesas. Mas em um país em que a carga tributária é muito alta”, pontuou.

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“O grande desafio do governo vai ser conseguir cumprir essa meta de [resultado] primário zero, porque estamos em uma situação ruim. Se o governo conseguir cumprir seu objetivo, a carga tributária vai subir muito. Se ele não cumprir, vai ser a pressão e o desgaste, porque apresentou uma meta e não cumpriu”, avaliou Maia, que presidiu a Câmara dos Deputados de 2016 a 2021.

Para ele, um dos caminhos para ganhos de eficiência na gestão dos recursos público seria avançar com uma reforma administrativa ‒ tema em que o governo tem sido cobrado pelo atual presidente da casa legislativa, Arthur Lira (PP-AL).

Atualmente representando instituições financeiras, Maia está preocupado com o risco de uma cobrança ainda maior sobre as maiores empresas do país, que, na sua avaliação, já contribuem com alíquotas elevadas de Imposto de Renda em comparação com contribuintes de outros regimes.

“Tenho muito medo da reforma da renda, porque no fundo ela virá carregada em cima dos setores que de fato alavancam uma economia, que são sempre as empresas listadas na Bolsa, com lucro real”, disse.

“Com todo o respeito às microempresas, que são muito importantes, elas não serão nunca as empresas que vão alavancar uma economia. Precisamos que as grandes empresas invistam, que elas trarão as médias e pequenas empresas para seu crescimento. O Brasil precisa ter coragem de enfrentar esse debate. Se não, vamos ficar sempre nessa política de voo de galinha”, polemizou.

Para ele, uma oneração excessiva das grandes empresas pode ocorrer caso não seja bem calibrada a discussão sobre a instituição de uma cobrança de imposto sobre a distribuição de lucros e dividendos. “Temos que tomar cuidado para a reforma da renda não ser um aumento da carga tributária para as empresas de lucro real. O desafio da questão dos dividendos é que, para cada 1% que se reduz na PJ (pessoa jurídica), precisa de 3% na física. Não é muito simples a calibragem, senão vai dar perda de arrecadação para o Estado”, disse.

Como comparação, Maia lembrou de projeto que tratava do assunto aprovado pela Câmara dos Deputados na legislatura passada, mas que não avançou no Senado Federal. Na sua avaliação, o texto carregava de forma desproporcional a cobrança sobre empresas do lucro real, por não conseguir avançar sobre uma cobrança efetiva sobre declarantes do lucro presumido ou do Simples Nacional.

“O objetivo de uma reforma não está sendo atendido ainda. Eu sei que virá, mas deveríamos olhar com mais cuidado para o tema. Olhar de fato para uma reforma da renda, enfrentar o tema do Simples, enfrentar o tema do lucro presumido. Quando falamos que há muitos ricos que não pagam imposto no Brasil, as empresas de capital aberto pagam muito imposto no Brasil – e são seus acionistas que pagam”, argumentou.

“Fundo de pensão é acionista de empresa de capital aberto. Então, temos que tomar cuidado, se aumentar muito a carga tributária do lucro real, você está tributando também um aposentado, que está aplicando seu dinheiro através de um fundo de previdência”, prosseguiu.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.