Reforma tributária: novo parecer tem ‘cesta básica nacional’ e nova regra de transição; veja o que mudou

Parecer pode ser votado nesta quinta-feira no plenário da Câmara dos Deputados, mas ainda deve passar por novos ajustes, segundo o relator

Marcos Mortari

O deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) lê parecer na tribuna do plenário da Câmara (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

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O relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata da reforma tributária dos impostos sobre o consumo, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), apresentou, na noite de quarta-feira (6), um novo parecer sobre o tema no plenário da Câmara dos Deputados.

O movimento ocorre após uma nova rodada de conversas e negociações com governadores, prefeitos, representantes de setores da economia e bancadas no parlamento, em um esforço para construção do apoio necessário para o avanço da matéria.

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Com a evolução das negociações, o presidente da casa legislativa, o deputado Arthur Lira (PP-AL), trabalha para que a votação do substitutivo ocorra ainda nesta quinta-feira (6).

Por se tratar de PEC, o texto precisa do apoio mínimo de 3/5 dos deputados (ou seja, 308 dos 513) em dois turnos de votação para poder avançar. Uma vez aprovada pelos deputados, a proposta ainda precisa ser apreciada pelo Senado Federal, com a mesma exigência de quórum proporcional.

Ontem, os parlamentares chegaram a votar requerimento de retirada de pauta da matéria. O pedido foi rejeitado por 302 votos a 148 ‒ o que indica que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode estar próximo de construir o apoio necessário para aprovar a matéria em plenário.

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O que está em jogo

O novo parecer lido em plenário manteve apenas três alíquotas para o futuro Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) dual, composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) ‒ que substituirá três tributos federais: a Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) ‒ e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) ‒ que substituirá o estadual Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e o municipal Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).

O modelo busca estabelecer uma definição ampla para o fato gerador do novo tributo, sem diferenciação entre produtos e serviços, e garantir a não cumulatividade plena (ou seja, acabar com o chamado “efeito cascata” de impostos incidindo sobre tributos cobrados em etapas anteriores da cadeia produtiva), com dedução do tributo que incide sobre as operações anteriores, mesmo que indiretamente relacionado à atividade produtiva, em um sistema de crédito financeiro. Também fica estabelecido o regime de cobrança “por fora”, no destino das operações com bens e serviços.

No novo sistema, o IVA dual contará com uma alíquota padrão, outra diferenciada (com redução de 50% em relação à primeira) e uma terceira zerada. Mas não há indicação sobre qual tende a ser o patamar necessário de cobrança no início do funcionamento pleno do novo regime ‒ o que deve ficar para definição apenas na discussão de projeto de lei complementar sobre o assunto.

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A maioria dos bens e serviços enquadrados no segundo grupo já haviam sido antecipados no documento com diretrizes para a reforma tributária, elaborado pelo Grupo de Trabalho que se debruçou sobre o assunto na Câmara dos Deputados. São eles:

1) Serviços de educação;

2) Serviços de saúde;

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3) Dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência;

4) Medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual;

5) Serviços de transporte coletivo rodoviário, ferroviário e hidroviário, de caráter urbano, semiurbano, metropolitano, intermunicipal e interestadual;

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6) Produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura;

7) Insumos agropecuários, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal; e

8) Atividades artísticas e culturais nacionais.

Já na faixa de isenção estariam alguns medicamentos (como aqueles destinados ao tratamento de doenças como câncer) e serviços de educação de Ensino Superior ‒ caso do Prouni (Programa Universidade Para Todos).

Também podem ser enquadrados nessa hipótese os produtores rurais pessoas físicas ou jurídicas que obtiverem receita anual inferior a R$ 3,6 milhões, atualizada anualmente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e produtores integrados que optarem por ingressar no novo modelo.

Pela lei mencionada pela proposta, está enquadrado no segundo grupo o produtor agrossilvipastoril, pessoa física ou jurídica, que, individualmente ou de forma associativa, com ou sem a cooperação laboral de empregados, se vincula ao integrador por meio de contrato de integração vertical, recebendo bens ou serviços para a produção e para o fornecimento de matéria-prima, bens intermediários ou bens de consumo final.

O substitutivo também abre a possibilidade para que lei complementar zere, até 28 de fevereiro de 2027, a alíquota do IVA incidente sobre serviços beneficiados pelo Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse).

Há, ainda, uma especificação de setores que contarão com regimes diferenciados de tributação, por terem atividades não-conciliáveis ao modelo do IVA. São eles:

1) Combustíveis e lubrificantes: monofasia, com alíquotas uniformes e possibilidade de concessão de crédito para o contribuinte do imposto;

2) Serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos: alterações nas alíquotas, nas regras de creditamento e na base de cálculo; e tributação com base na receita ou no faturamento;

3) Compras governamentais: não incidência de IBS e CBS, admitida a manutenção dos créditos relativos às operações anteriores; e destinação integral do produto da arrecadação do IBS e da CBS recolhida ao ente federativo contratante, mediante redução a zero das alíquotas dos demais entes e elevação em idêntico montante da alíquota do ente contratante;

4) Sociedades cooperativas: não incidência do imposto sobre as operações realizadas entre a sociedade
cooperativa e seus cooperados. E os créditos do imposto serão transferidos entre os cooperados e a sociedade cooperativa.

O texto manteve dois regimes tributários favorecidos estabelecidos na Constituição Federal. São eles: a Zona Franca de Manaus (ZFM) e o Simples Nacional. A manutenção do segundo regime, segundo o relator, preserva 90% das empresas do setor de serviços das mudanças no sistema tributário.

No novo parecer lido pelo relator, foi mantida previsão para a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) e do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiros-fiscais, voltado aos entes subnacionais.

Já entre as principais mudanças no novo substitutivo está a criação de uma chamada “cesta básica nacional”, com desoneração completa de tributos sobre os produtos desta categoria. A definição da lista de produtos ficaria para lei complementar posterior.

Na proposta inicial, os produtos da cesta básica, que hoje são isentos de tributos federais, estariam sujeitos à tributação diferenciada, com alíquota de 50% da adotada como referência. Com o novo texto, alguns desses produtos continuariam desonerados para toda a população.

O texto também inclui dispositivo que prevê que a transição dos IVAs nacional (CBS) e subnacional (IBS) começará ao mesmo tempo, em 2026. Na versão anterior, o segundo iniciaria apenas em 2033.

A transição para o contribuinte também muda. Na versão inicial, o IVA federal começaria em 2026 com alíquota teste de 1%. Agora, os dois IVAs entram em vigor a partir de 2026, com alíquotas de 0,9% no caso do tributo federal e de 0,1% no imposto subnacional.

Os valores arrecadados com o IBS neste primeiro momento serão utilizados para custear o Conselho Federativo, órgão responsável por administrar o tributo de governos estaduais e prefeituras, além de compor o fundo para compensar perdas com o fim de benefícios do ICMS.

No segundo ano, a CBS substituiria totalmente os impostos indiretos federais, enquanto o IBS permaneceria com alíquota teste até 2028, de modo a garantir o financiamento do Conselho Federativo e do Fundo de Compensação de benefícios fiscais. No período entre 2029 e 2032, o IVA subnacional seria introduzido à proporção de 1/10 por ano. E a partir de 2033, os tributos indiretos de estados e municípios seriam totalmente substituídos pelo novo imposto.

O texto apresentado também avançou sobre matérias que vão além dos chamados impostos indiretos e trouxe determinação de que a segunda etapa da reforma, que tratará dos impostos sobre a renda, seja encaminhada ao Congresso Nacional em até 180 dias da promulgação da Emenda Constitucional e que o aumento de arrecadação obtida com ela seja utilizado para reduzir a tributação incidente sobre a folha de pagamentos e sobre o consumo de bens e serviços.

O substitutivo prevê a cobrança de Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) sobre veículos aquáticos e aéreos e a possibilidade de o tributo ser progressivo de acordo com o impacto ambiental. No caso do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), estabelece regra de progressividade em razão do valor de transmissão, incluiu a possibilidade de cobrança sobre heranças no exterior e transferiu a competência do imposto sobre bens móveis, títulos e créditos ao Estado onde tiver domicílio o de cujus.

Atendendo a uma demanda de prefeitos, o texto incluiu dispositivo que autoriza que o Poder Executivo local atualize a base de cálculo do imposto por meio de decreto a partir de critérios gerais previstos em lei municipal, sem necessidade de deliberação por Câmara de Vereadores.

Outros ajustes

Durante a leitura do novo parecer ontem em plenário, o relator Aguinaldo Ribeiro afirmou que o texto ainda não traz todos os pontos negociados com governadores e prefeitos e que a negociação deverá ser aprimorada. Ele informou que deverá conversar nesta quinta-feira (6) com os prefeitos do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), e do Recife, João Campos (PSB), em busca de um acordo federativo.

“Estamos nesta reta final de ajustes, e alguns pontos ainda não constam desta versão apresentada porque ainda estamos finalizando os ajustes”, disse.

O Conselho Federativo, segundo ele, será aprimorado a partir de sugestões dos governadores. O objetivo é garantir transparência e governança ao novo órgão.

Também serão alterados nesta quinta-feira os critérios de distribuição do Fundo de Desenvolvimento Regional; a distribuição automática aos municípios da parte do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS); e as questões referentes à Zona Franca de Manaus.

O texto apresentado por Aguinaldo Ribeiro propõe a substituição de dois tributos federais (PIS e Cofins) por uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), gerida pela União; e de outros dois tributos (ICMS e ISS) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), gerido por estados e municípios. Já o IPI vai virar um imposto seletivo.

A arrecadação do IBS será centralizada e organizada pelo Conselho Federativo. Também serão criados fundos para compensar as perdas de entes federativos e para incentivar o desenvolvimento regional e o combate à pobreza.

(com Agência Câmara)

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.