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SÃO PAULO – Após um ano de dificuldades para o avanço da agenda de reformas econômicas e de uma significativa deterioração das contas públicas para o enfrentamento à pandemia de Covid-19, novas oportunidades e desafios surgem para uma das pautas de maior interesse do mercado em 2021: a reforma administrativa.
Embora o impacto fiscal da medida seja mais tímido em comparação com outras propostas em discussão no Congresso Nacional, como da reforma tributária ou mesmo a PEC Emergencial, agentes econômicos veem na mudança de regras para o funcionalismo público um movimento estrutural importante para o país.
Coordenador da Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa, o deputado federal Tiago Mitraud (Novo-MG) sustenta que o debate é urgente, está maduro e precisa ser priorizado pelos congressistas. “Estamos naquele ponto do país em que tudo é urgente. Não podemos ter o luxo de escolher qual vai ser o tema que vai ser deixado de lado e o que vai ser priorizado”, argumenta.
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Em entrevista concedida ao InfoMoney no final de dezembro, o deputado disse acreditar em um ambiente político mais favorável em 2021. “Por conta de questão eleitoral, [muitos deputados] não queriam debater tema complicado. Depois, [vieram] disputas internas na Câmara. A política pequena, de busca por espaço de poder, fez com que não se priorizassem as pautas importantes para o país”, pontua.
“Em 2021, com parte disso resolvida com a eleição para a Mesa Diretora da Câmara e o fim da eleição municipal, esperando que tenhamos um governo um pouco mais organizado para construir suas pautas na casa, acho que vamos ter um ambiente um pouco mais favorável para que a resistência dos partidos de oposição possa ser vencida com a organização dos demais”, avalia.
Para o parlamentar, é fundamental a participação do Poder Executivo em discussões estruturais sobre o funcionalismo público para a aprovação das propostas. Mas outras pautas relacionadas poderiam avançar mesmo sem o empenho do Palácio do Planalto. É o caso dos projetos que tratam dos supersalários e da modernização de concursos públicos, que já tramitam na Câmara dos Deputados.
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Em outubro, a Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa, sob a liderança de Mitraud, apresentou quatro eixos principais para o debate da reforma administrativa:
1) Redução de distorções entre determinadas carreiras do funcionalismo, por meio da PEC 32/20 e emendas e projeto dos supersalários;
2) Modernização da gestão de pessoas e concursos, com a criação de um órgão central de gestão de pessoas no governo, para blindar interesses privados e corporativismo;
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3) Segurança jurídica para dar maior suporte à tomada de decisões por servidores públicos;
4) Modernização da gestão por resultados de governos brasileiros.
Embora veja melhores condições políticas para a reforma administrativa em 2021, Mitraud manifesta preocupação com o impacto que o resultado das eleições para a presidência da casa legislativa pode trazer sobre a tramitação das propostas relacionadas ao assunto. Para ele, há riscos tanto no caso de uma vitória de Arthur Lira (PP-AL) quanto de Baleia Rossi (MDB-SP) – os dois atuais favoritos na disputa.
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Em eventual vitória de Baleia Rossi, representante do bloco liderado pelo atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a aproximação feita com partidos da oposição preocupa o coordenador da frente. O candidato emedebista conta com um bloco de apoio formado por 11 siglas, dentre elas PT, PSB, PDT e Rede.
“O que me preocupa é que não sei quais outros acordos foram feitos para a composição deste bloco, eventualmente a PEC 32 pode estar no pacote”, diz Mitraud.
Já uma possível vitória de Arthur Lira, líder do chamado “centrão”, poderia aumentar de forma significativa os custos para a conquista de apoio necessário para a aprovação da reforma administrativa, acredita o deputado. “Tudo que o governo quer avançar tem um preço para eles”, afirma.
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“Na [reforma da] Previdência, precisou ter emenda extra para aprovar a proposta. Na reforma administrativa, imagino que também haverá um preço”, complementa.
Confira os principais pontos da entrevista:
InfoMoney – Como o senhor avalia o saldo das discussões sobre reforma administrativa em um ano tão tumultuado como foi 2020?
Tiago Mitraud – A reforma administrativa não avançou na velocidade que precisávamos. O governo teve suas dificuldades, desde 2019, para conseguir montar uma proposta e enviá-la [ao Congresso Nacional]. O próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não é muito convicto em relação à necessidade da reforma administrativa. A proposta, que tinha sido prometida para outubro de 2019, só foi enviada em setembro de 2020.
A expectativa sobre o que seria a proposta do governo fez com que nós não tivéssemos uma discussão ganhando corpo ao longo do ano. Como não tínhamos o menor controle sobre quando o governo enviaria sua proposta, resolvemos, na frente parlamentar, construir um caminho independente e, quando o texto fosse enviado, uniríamos esforços.
Mapeamos inúmeros projetos necessários para uma ampla reforma administrativa e começamos a colocar o debate na mesa desde o primeiro semestre. A saída de Paulo Uebel (secretário de Desburocratização, Gestão e Governo Digital) e Salim Mattar (secretário especial de Desestatização e Privatização) serviu de alerta para o governo de que poderiam perder a equipe econômica se continuassem segurando [a proposta].
A proposta mexe com interesses estabelecidos e gera preocupações de servidores. De lá para cá, essa parte se mobilizou bastante, desde discussões mais técnicas e preocupações válidas até a turma que busca distorcer a reforma para ganhar o debate público e inviabilizar seu avanço.
De setembro para cá, passei boa parte do meu tempo conversando com servidores, sindicatos. Preocupações foram colocadas, estamos trabalhando dentro da frente para endereçar as questões técnicas que achamos que a PEC 32 merece, podendo, tão logo as atividades retomem, fazermos com que ela realmente tramite.
Nas últimas semanas [de 2020], vimos lideranças do governo se manifestando publicamente de forma mais favorável à reforma administrativa. Espero que consigamos construir um caminho.
IM – Apesar dos esforços em incluir o assunto em pauta, muitos observaram que, assim como na reforma tributária, a ausência do governo gerava um impacto muito grande. O senhor acredita haver possibilidade de avançar mesmo se não houver um envolvimento claro do Palácio do Planalto?
TM – Essa reforma envolve muitas mudanças na legislação. Não estamos falando, como no caso da tributária ou da previdenciária, que a discussão se resumia a uma PEC. São inúmeros projetos de lei, algumas PECs e projetos de lei complementar. O envolvimento do governo é essencial naquelas questões estruturantes, como o que foi apresentado na PEC 32/2020.
O Congresso até poderia ter apresentado uma PEC por iniciativa própria, agora seria impensado politicamente propormos uma mudança significativa na estrutura do governo sem ter o governo no barco.
Também é importante contar com o governo em questões com vício de iniciativa. A legislação prevê que só o Poder Executivo pode enviar ao Congresso projetos de determinados assuntos, como a revisão do estatuto do servidor e reestruturações de carreiras.
Nosso poder, portanto, é mais limitado, mas há coisas que podem ser feitas. É o caso do PL dos supersalários. Não há mais necessidade de o Executivo se mover, é um projeto que já está na pauta do Congresso e depende de nós para avançar. Ou o projeto de modernização dos concursos públicos, que está na CCJ da Câmara dos Deputados há bastante tempo.
IM – O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem defendido a participação de Executivo e Judiciário no debate sobre reforma administrativa. Segundo ele, tratar de mudanças na estrutura de outros Poderes pode gerar “dúvidas jurídicas”. Qual é sua avaliação?
TM – A Constituição já teve quatro textos diferentes sobre o assunto, mas sempre se criou subterfúgios para furar o teto salarial. Só precisamos aprovar um projeto de lei complementar que já está pronto para ser votado no plenário da Câmara. Neste caso, precisamos que a sociedade continue se mobilizando e que o Judiciário pare de se mobilizar para tentar travar o projeto. O Judiciário tem, de longe, o maior volume de supersalários no Brasil. Eles têm feito, não abertamente, campanhas e contatos com lideranças partidárias para travar o projeto. Isso acaba fazendo com que ele não entre em votação.
IM – Durante boa parte de 2020, a Câmara realizou sessões remotas e ainda não há clareza sobre a extensão desta situação excepcional. Como seria a tramitação de temas relacionados à reforma administrativa nesse contexto?
TM – Precisamos retomar as comissões. Não há justificativa para elas estarem paradas, temos tecnologia suficiente para fazer com que o trabalho siga de forma remota. O que se alega é que não haveria condições de voltar com todas as comissões, que demandaria uma estrutura de monitoramento inviável. Mas não precisamos voltar com todas, voltamos com as principais: a CCJ, a CFT, algumas comissões temporárias, como a da PEC 32. Mas não houve acordo político para isso. Espero que o próximo presidente da Câmara consiga criar um ambiente, junto com o apoio do governo, para que se tenha um acordo para retomar as comissões remotas. Enquanto não tivermos vacinação em massa, vai ser difícil retomar os trabalhos como antes. Não acho que precisamos esperar isso. Há inúmeras assembleias legislativas e câmaras de vereadores que estão realizando reuniões de suas comissões normalmente durante a pandemia, não precisa ser diferente no caso da Câmara dos Deputados.
IM – No fim do ano passado, o presidente Rodrigo Maia dizia que a PEC 32 poderia ser apensada a outra proposta aprovada na CCJ e começar a tramitar direto em comissão especial. Isso segue nos planos?
TM – Essa era uma das possibilidades, mas não foi aprovado o projeto de resolução permitindo a retomada das comissões especiais. Então, mesmo que se tivesse o apensamento, sem a autorização para a retomada das comissões especiais, seria inútil. Precisa que seja autorizada a retomada das comissões especiais.
IM – Haveria receptividade dos parlamentares a um acordo nesse sentido?
TM – Como alguns não gostariam de ver a PEC avançar, certamente haveria alguma objeção. Agora, não tivemos nem por parte daqueles que são favoráveis à proposta um esforço muito grande para isso acontecer neste ano. Por conta de questão eleitoral, não queriam debater tema complicado. Depois, [vieram] disputas internas na Câmara. A política pequena de busca por espaço de poder acabou fazendo com que não se priorizassem as pautas importantes para o país neste ano.
Em 2021, com parte disso resolvida com a eleição para a Mesa Diretora da Câmara e o fim da eleição municipal, esperando que tenhamos um governo um pouco mais organizado para construir suas pautas na casa, acho que vamos ter um ambiente um pouco mais favorável para que a resistência dos partidos de oposição possa ser vencida com a organização dos demais.
IM – As eleições para a presidência da Câmara têm mobilizado os parlamentares há bastante tempo, influenciando a pauta de votações e o andamento dos trabalhos. O senhor vê diferenças de ambiente político para a reforma administrativa dependendo do grupo que vencer essa disputa?
TM – Vejo preocupações em relação a ambos os lados. O grupo de Maia, por ter se aliado à oposição, não sei quais foram os compromissos que foram feitos. Pode ser que um dos compromissos seja a inviabilização da reforma. Vimos isso na votação do Fundeb, onde abertamente os partidos preferiram o texto do Senado e não o da Câmara, em parte significativa por conta da votação dos acordos que foram feitos para a construção desse bloco. É uma amostra do que os partidos do centro de Maia tiveram que abrir mão para ter o apoio da esquerda. O que me preocupa é que não sei quais outros acordos foram feitos para a composição deste bloco, eventualmente a PEC 32 pode estar no pacote.
Em relação ao grupo de Arthur Lira, tudo que o governo quer avançar tem um preço para eles. Vimos a votação de um PLN no Congresso para realocação de orçamento, feito para atender com emendas parlamentares extras os partidos que já declararam apoio à candidatura dele. Na Previdência, precisou ter emenda extra para aprovar a proposta. Na reforma administrativa, imagino que também haverá um preço.
Com Arthur Lira eventualmente na presidência da Câmara, o jogo de trocas vai ficar ainda mais aberto. É por isso que estamos buscando construir uma terceira via. Já são 35 parlamentares que apoiaram uma carta compromisso nossa para o próximo presidente da Casa com as bases do que acreditamos ser prioridade na próxima gestão. Também vamos buscar construir um nome para tentar colocar um presidente que não tenha nenhum desses vícios dirigindo a casa.
IM – Há uma série de proposições tidas como prioritárias pela equipe econômica e que não avançaram no ano passado. É o caso das PECs Emergencial e do Pacto Federativo. A reforma administrativa pode perder espaço neste momento de urgência das pautas com maior impacto fiscal?
TM – Estamos naquele ponto do país em que tudo é urgente. Não podemos ter o luxo de escolher qual vai ser o tema que vai ser deixado de lado e o que vai ser priorizado. Temos tantos parlamentares no Congresso justamente para que se possa dividir e debater os diferentes temas em paralelo. Na reforma administrativa, tem um grupo que está discutindo ao longo do ano todo. Na reforma tributária, há um grupo que tratou disso no ano inteiro. O Pacto Federativo está no Senado.
É claro que, em determinados momentos, um assunto ganha mais apelo do que outro, mas, longe dos holofotes, trabalhamos para a construção dos entendimentos e aprimoramento dos textos. Da mesma forma que vimos ao longo de 2020 alguns temas ganhando mais força, como a administrativa em agosto e setembro e a tributária em outros momentos, essa janela vai surgir novamente ao longo de 2021, e temos que estar com o time em campo e organizado para poder aproveitar a oportunidade.
IM – O senhor espera chegar em algum entendimento mínimo com os membros das frentes parlamentares em defesa do serviço público? É possível avançar ao menos em pautas como a dos supersalários?
TM – Temos dialogado com eles ao longo do ano todo, e vemos que há alguns pontos de entendimento. No caso dos supersalários, eles dizem que são favoráveis ao fim. Também são favoráveis à avaliação de desempenho e a alguma restruturação de carreiras. Mas não a propostas mais estruturantes, que tirariam alguns benefícios atuais.
Temos encontrado pontos de convergência, e naqueles em que há divergência é importante ouvir as razões que eles têm para ver se é possível um entendimento – se não for, vamos para o voto. Não podemos, na ideia de convergência completa, achar que não está na hora de fazer o projeto avançar. Conseguimos avançar com a Previdência mesmo com divergências que permaneceram até o fim. Na administrativa, em algum momento vamos precisar abrir mão de achar que haverá um texto que agrade a todos e ir para o voto.
IM – A Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa listou quatro eixos principais para mudanças no funcionalismo público. Se o senhor pudesse definir um cronograma para essas medidas, com base em chance de aprovação e momento político, como isso poderia ser organizado?
TM – É difícil definir. São projetos distintos, cada um tem inúmeros pontos, e muito disso depende de oportunidade e momento. Mas o item que acredito que tem mais convergência é o que trata de privilégios e distorções [no serviço público], com os supersalários.