“Populismo digital”: a primeira grande ameaça para a reforma da Previdência no Congresso

Estratégia que levou o governo à sua primeira vitória no Senado pode não se mostrar eficaz no caso da condução da agenda econômica, pouco apoiada nas redes sociais

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – As primeiras movimentações no Congresso Nacional indicam uma nova composição mais exposta às idas e vindas da opinião pública digital do que o que se observou em legislaturas anteriores. De um lado, a maior demanda por transparência e coerência é bem vista pelos analistas. De outro, há um alerta para os riscos do que pode ser classificado como “populismo digital”, com parlamentares guiando suas decisões quase exclusivamente em função das pressões advindas das redes sociais.

O tema foi debatido no programa Conexão Brasília da última sexta-feira (8), que recebeu Paulo Gama, analista político da XP Investimentos, e Manoel Fernandes, diretor da consultoria BITES (assista à íntegra pelo vídeo acima).

“Acreditamos que seja um novo mundo. Efetivamente há uma metabolização da importância da rede por esse Congresso, mas também há um risco de a gente sofrer um ‘populismo digital'”, observou Fernandes. Para ele, uma das primeiras vítimas deste movimento após as eleições foi Renan Calheiros (MDB-AL), derrotado na tentativa de ser escolhido presidente do Senado Federal pela quinta vez.

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“Davi Alcolumbre (DEM-AP) foi beneficiado por um movimento muito parecido com o que elegeu o presidente Bolsonaro. Existia alguém que deveria ser derrotado, no caso o senador Renan Calheiros, e a opinião carreou todo seu voto para aquilo. Para se ter uma ideia, discutiu-se mais sobre a eleição no Senado do que sobre a tragédia em Brumadinho”, pontuou.

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O especialista acredita que esse tipo de situação se tornará cada vez mais comum nesta legislatura. Ele entende que algumas das marcas das mudanças na política nacional serão a obsolescência dos antigos mapas de votação, o menor controle das lideranças sobre suas bancadas e um nível de volatilidade extremamente elevado.

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“Esse é um Congresso de transição”, sentenciou. “O Congresso anterior era extremamente analógico. A renovação foi de 50% na Câmara. E vai haver contaminação”. Analógicos e digitais, avalia, deverão se enfrentar nesta legislatura, como já se observou nas duas primeiras semanas de trabalhos nas casas.

Para Fernandes, os novos tempos também exigirão dos parlamentares um entendimento mais aprofundado do funcionamento das redes sociais e maior capacidade de interpretação dos dados, assim como habilidade para convencer os eleitores sobre determinadas pautas impopulares.

“O eleitorado que está na internet publicando, informando, pressionando, costuma ter uma visão muito de curto prazo, e pode não entender a complexidade do que está acontecendo na dinâmica da Casa”, exemplificou. “O pacote anticrime hoje é mais importante para as pessoas que estão fora do que a reforma da Previdência. E a reforma da Previdência é mais importante para o país do que o pacote anticrime, porque sem dinheiro não se conseguirá fazer nada. Esse conflito o Congresso vai ter que saber administrar, porque pode ser atropelado”.

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Para Paulo Gama, a estratégia que levou o governo à sua primeira vitória no Senado Federal pode não se mostrar eficaz no caso de uma briga pela aprovação da reforma da Previdência. “Teremos pela frente pautas que, se movimentam as redes, o fazem pelo lado de tentar impedir seu avanço. As pautas econômicas prioritárias da gestão Bolsonaro se chocam com as redes”, avaliou.

“Bolsonaro tinha muita ressonância em pautas ligadas a costumes, segurança pública, combate à corrupção, e nem tanto a pautas relacionadas à Previdência Social, à nova política de reajuste do salário mínimo e outras agendas que vão entrar em discussão. A não ser que haja uma reviravolta grande na opinião pública ou uma desarticulação de grupos de interesse, a pressão vai ser contra o avanço dessas pautas. Se os deputados forem ouvir a voz das redes, vão acabar indo em direção contrária ao que pretende o governo ou pelo menos sua equipe econômica”, complementou.

Os novos parlamentares, observa o analista político, respondem a outra lógica política, menos sensível à pressão de lideranças de bancadas em detrimento à força da opinião pública digital. “São deputados menos propensos à estrutura partidária, à orientação de liderança partidária, porque não dependeram do partido, do líder, de recursos da sigla para estarem lá como o Congresso analógico dependia no passado”.

“No Congresso, a prerrogativa regimental do líder continua valendo, com indicações para comissões e relatoria, mas essa falta de cultura e de vínculo partidário durante a eleição é um ponto interessante para mapear e entender votação e compromisso dos parlamentares”, disse Gama.

Outro desafio será dimensionar adequadamente e filtrar as opiniões disseminadas por eleitores, grupos de interesse e até robôs nas redes sociais. “Minorias organizadas podem fazer os parlamentares terem a sensação de que há uma opinião mais robusta contra do que propriamente o fluxo geral de informação”, exemplificou.

Mesmo em meio aos obstáculos, Manoel Fernandes acredita que o governo Bolsonaro tenha um ativo de pressão política interessante nas mãos, em se mantendo sua capacidade de mobilização das redes sociais. “Acredito que a opinião pública digital só vai atuar de maneira muito forte como atuou na eleição no Senado em momentos críticos. Ninguém vai ficar todo dia mandando mensagem para seu senador Talvez aí esteja a grande força do governo: entender que vai usar esse recurso para pressionar o Congresso nos momentos mais críticos. Se usar como instrumento do dia a dia, isso pode perder força”, pontuou.

Nesse sentido, o especialista também lembra: sozinha, a opinião pública não basta. Por isso, o governo precisará se esforçar para construir uma boa capacidade de articulação no parlamento e encaminhar sua agenda.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.