Pacote fiscal frustrou expectativas e não muda relação dívida-PIB, dizem economistas

Para analistas, anúncio da isenção do Imposto de Renda de quem recebe até R$ 5 mil, de forma concomitante com as medidas de corte de gastos, passou sinal ruim para o mercado, enfraquecendo o pacote

Fábio Matos

Fernando Haddad, ministro da Fazenda (Foto: Diogo Zacarias/MF)
Fernando Haddad, ministro da Fazenda (Foto: Diogo Zacarias/MF)

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O pacote fiscal detalhado pelos ministros Fernando Haddad, da Fazenda, e Simone Tebet, do Planejamento e Orçamento, tem méritos, mas está aquém das expectativas dos agentes econômicos e não tem capacidade de diminuir significativamente a dívida pública bruta do Brasil em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). 

Esta é a avaliação de economistas ouvidos pela reportagem do InfoMoney na manhã desta quinta-feira (28), pouco depois da entrevista coletiva de Haddad, Tebet, Rui Costa (ministro da Casa Civil) e dos técnicos dos ministérios da Fazenda e do Planejamento, em Brasília (DF), com o detalhamento das principais medidas anunciadas

Ainda segundo economistas consultados pela reportagem, a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de anunciar a isenção do Imposto de Renda (IR) dos contribuintes que recebem até R$ 5 mil mensais, de forma concomitante com as medidas de corte de gastos, passou um sinal ruim para o mercado, enfraquecendo o próprio pacote. 

“Ficou bastante aquém do esperado. Apesar de entregar os R$ 70 bilhões no próximo biênio, a composição do pacote frustrou. O governo reciclou o pente-fino de R$ 26 bilhões que já havia sido anunciado e não vinha sendo entregue, mas não fez isso formalmente. Não criou uma caixinha ‘pente-fino’ no pacote. Na tabela que eles divulgam, claramente o pente-fino compõe as medidas de Bolsa Família, BPC e biometria. Ele faz parte do pacote anunciado, e isso vai contra as expectativas do mercado, que esperava que o pacote fosse adicional ao pente-fino”, aponta Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos. 

“Além disso, outras medidas não representam economia efetiva. A DRU [Desvinculação de Receitas da União] não é economia efetiva. Ela entrega uma flexibilidade orçamentária para o governo, mas está longe de ser uma economia grande de recursos. Não dá para considerar isso ganho fiscal”, prossegue o economista. 

“Infelizmente, a chamada ‘matemágica’ está de volta. A economia efetiva é muito pequena. O que vai na direção correta são o abono salarial e o salário mínimo. Só que o abono salarial vai demorar uma década para, de fato, ele ser o que deveria já ser agora, no curto prazo”, observa Barros. 

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Segundo o economista-chefe da ARX, “o pacote não resolve a grande preocupação do mercado, que é a dinâmica da dívida”. “É um pacote para tentar manter o arcabouço de pé, mas está longe de encaminhar uma tentativa de contribuir com a estabilização da dívida”, afirma.

Barros também critica o anúncio da isenção de IR para até R$ 5 mil, a partir de 2026 – que, segundo ele, “neutraliza todo o sinal que o governo tentou passar de que faria algum corte”.

“O ‘timing’ para esse anúncio foi totalmente inconveniente, o pior possível. O mercado já tinha na cabeça que, em algum momento, a isenção do IR viria. Não agora, mas possivelmente em fevereiro ou março do ano que vem. Terem enviado agora, junto do pacote, foi uma tentativa do governo de dar uma notícia boa em meio a notícias ruins, na percepção do governo”, aponta o economista. 

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“Para o mercado, o fato disso ter ido junto revela que o Haddad, de fato, perdeu o debate dentro do governo. E isso é uma preocupação adicional porque indica que o ministro pode estar saindo enfraquecido desse processo. Não está conseguindo convencer o presidente da agenda que precisa ser adotada”, completa Barros.

Também ouvido pelo InfoMoney, Benito Salomão, professor de Macroeconomia no IERI-UFU, especialista em finanças públicas e doutor em economia pelo PPGE-UFU, tem uma visão mais otimista sobre as medidas anunciadas pela equipe econômica.

“Não acho que ficou aquém do esperado. Um esforço fiscal muito superior a isso, politicamente, é complicado de empreender. Em política fiscal, as decisões políticas importam e nem sempre o ideal é o viável de se fazer”, afirma. 

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“Em princípio, o plano é bom. Ele coloca a regra de reajuste de salário mínimo dentro dos limites do arcabouço. Este é um ponto que tende a melhorar um pouco essa dinâmica”, continua Salomão. “Quando o governo estabelece que o salário mínimo deve flutuar dentro dos limites do arcabouço, ele está dizendo que essas despesas estarão submetidas às regras.” 

Outro ponto destacado como positivo pelo economista é a destinação de 50% das emendas de comissão para a saúde, com crescimento abaixo do limite de gastos das emendas globais. 

“As emendas parlamentares também passaram a estar dentro do arcabouço, e isso é bom. Não adianta esse esforço fiscal vir só do Executivo. O volume de emendas nos últimos dez anos cresceu de forma considerável, e é importante o Legislativo contribuir com isso”, afirma. 

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Para Salomão, outra medida salutar é a mudança na aposentadoria militar, com a instituição de uma idade mínima e limitação na transferência de pensões. “A questão da previdência dos militares já deveria ter sido feita lá em 2019, com a reforma da Previdência, e por decisões políticas não saiu”, observa.

Apesar dos pontos positivos, Benito Salomão corrobora a afirmação de que o pacote “não estabiliza a relação dívida-PIB”. “Ela vai continuar crescendo. Esse pacote teve o intuito de preservar os parâmetros do arcabouço fiscal, para que ele não morresse logo nos dois primeiros anos de governo”, diz. 

Medidas insuficientes e “timing” errado

A economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória, também avalia que “as medidas anunciadas são insuficientes para zerar o déficit”. “O corte estimado de apenas R$ 30 bilhões em 2025 e R$ 70 bilhões até 2026 é baixo, considerando o crescimento de gastos de mais de R$ 400 bilhões entre 2024 e 2025, e mostra a dificuldade política do governo em enfrentar a necessidade de revisão mais ampla dos gastos, incluindo programas sociais que tiveram crescimento acelerado e pró-cíclicos nos últimos dois anos”, aponta. 

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“Do lado positivo, algumas medidas vão na direção correta, ainda que insuficientes. A revisão do abono e a limitação do reajuste do salário mínimo vão na linha correta, assim como o uso de emendas para cumprir o piso de gastos da saúde, o que deve limitar o crescimento mais acelerado dessas despesas, mas com impacto tímido pelas regras anunciadas”, prossegue Rafaela. “Por outro lado, o anúncio da isenção de IR traz mais incerteza para a trajetória fiscal em 2026 e indica que o governo deve ter nova expansão fiscal no próximo ano eleitoral.”

Segundo Maykon Douglas, economista da Highpar, o “timing” para o anúncio da isenção do IR realmente não foi “adequado”. “As medidas-chave citadas para equalizar o impacto do aumento da faixa de isenção do IR envolvem aumento da tributação, algo que parte do Congresso não digeriu tão bem em eventos passados. Ou seja, o governo precisará de alternativas em caso de nova desidratação”, afirma.  

“Dado o contexto de estresses de mercado e o tempo apertado para resolver outras pautas, como o Orçamento e a reforma tributária, a parte ‘pró-superávit’ desse arsenal de medidas poderia estar 100% explícita antes de o governo lançar no debate uma intenção de sentido contrário. Isso evitaria novas especulações indevidas. Agora, são mais novas perguntas para se responder.”

Fábio Matos

Jornalista formado pela Cásper Líbero, é pós-graduado em marketing político e propaganda eleitoral pela USP. Trabalhou no site da ESPN, pelo qual foi à China para cobrir a Olimpíada de Pequim, em 2008. Teve passagens por Metrópoles, O Antagonista, iG e Terra, cobrindo política e economia. Como assessor de imprensa, atuou na Câmara dos Deputados e no Ministério da Cultura. É autor dos livros “Dias: a Vida do Maior Jogador do São Paulo nos Anos 1960” e “20 Jogos Eternos do São Paulo”