Obsessão de Lula, isenção do IR até R$ 5 mil pode ter impacto de R$ 35 bi a R$ 40 bi

A insistência do presidente na agenda, com a renovação do compromisso em sucessivas oportunidades em entrevistas e discursos, levou técnicos a estudarem caminhos para torná-la economicamente viável

Fábio Matos

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (Foto: Ricardo Stuckert / PR)
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

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A notícia de que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), anunciaria a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem recebe até R$ 5 mil mensais, no pronunciamento em rede nacional previsto para a noite desta quarta-feira (27), caiu como uma bomba no mercado e fez o dólar disparar, superando a marca de R$ 5,90

A visão predominante no mercado é a de que o anúncio da reforma do IR agora poderia lançar dúvidas sobre o futuro das contas públicas, justamente em um momento no qual o esforço do governo deveria ser para aumentar a credibilidade na área fiscal.

À noite, Haddad finalmente anunciou as principais medidas do pacote de corte de gastos do Executivo federal, que vinha sendo aguardado com um misto de tensão e expectativa pelo mercado. Segundo o ministro, a economia gerada pelo pacote fiscal deve chegar a R$ 70 bilhões nos próximos dois anos.

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Em um pronunciamento de 7 minutos e 18 segundos em rede nacional de TV, na noite desta quarta-feira (27), o chefe da equipe econômica anunciou as primeiras medidas do pacote fiscal e também confirmou que o governo vai isentar do Imposto de Renda (IR), a partir de 2026, os contribuintes que recebem até R$ 5 mil mensais. Atualmente, estão isentos aqueles que ganham até R$ 2.259,20 por mês.

Possível impacto

A elevação da faixa de isenção do IR é uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e, segundo interlocutores no Palácio do Planalto, se tornou quase uma “obsessão” do presidente da República desde que assumiu o terceiro mandato, em janeiro do ano passado. 

Desde que o tema começou a ser debatido internamente no governo, a medida foi vista como audaciosa demais por diversos atores políticos, em razão do elevado volume de renúncia de receitas gerado. O tema chegou a ser objeto de ceticismo até mesmo entre aliados mais próximos de Lula no Congresso Nacional.

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Mas a insistência do presidente na agenda, com a renovação do compromisso em sucessivas oportunidades em entrevistas e discursos (em outubro, Lula chegou a falar em levar a isenção para além dos R$ 5 mil), levou técnicos a estudarem caminhos para torná-la economicamente viável antes da próxima disputa ao Palácio do Planalto, em 2026. 

A ideia foi buscar um desenho com o mínimo de ruídos fiscais possível e evitar ficar a reboque de uma condução estritamente política da pauta.

No mercado financeiro, chegaram a circular cálculos de que, dependendo da formatação da regra, o impacto fiscal poderia chegar a até R$ 100 bilhões ─ o que exigiria um pacote robusto de medidas de compensação. Uma preocupação entre os agentes, inclusive, seria com o risco de tal renúncia não ser coberta por novas iniciativas, já que poderiam ser construídas soluções para “driblar” exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

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De acordo com uma fonte da equipe econômica do governo com conhecimento no assunto, no entanto, o impacto para as contas públicas deverá ser bem menor, girando entre R$ 35 bilhões e R$ 40 bilhões. O número pode sofrer variações significativas, dependendo do desenho final. A informação foi publicada pelo InfoMoney, em primeira-mão, no início de novembro

“Há duas mensagens muito claras que nós passamos e sempre reiteramos. A primeira é que estamos estudando o impacto fiscal dos R$ 5 mil e maneiras de mitigá-lo. E, segundo, estamos estudando as medidas de compensação de modo que a medida, em seu conjunto, seja neutra para fins de arrecadação”, disse a fonte.

“Não queremos, de forma alguma, gerar qualquer desequilíbrio fiscal em função desta medida”, frisou, sob condição de anonimato.

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“Rampa de saída”

Segundo a fonte ouvida pelo InfoMoney, a ideia “mais madura” da proposta é de gerar o máximo de focalização possível nos contribuintes com renda mensal de até R$ 5 mil ─ o que reduziria o peso sobre as contas públicas.

Além disso, seria criada uma espécie de “rampa de saída”, com a extensão parcial do benefício para aqueles que estão levemente acima desta faixa.

O movimento representa uma mudança importante em relação à lógica atual do IRPF. Isso porque o Imposto de Renda é progressivo, com o contribuinte não recolhendo o tributo correspondente ao rendimento até a faixa de isenção, e pagando o respectivo percentual sobre o montante que exceder o limite de cada faixa. Atualmente, são 5 grupos de alíquotas, que vão de 0% (até R$ R$ 2.259,20) a 27,5% (acima de R$ 4.664,68).

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Caso o aumento da faixa de isenção fosse associado ao compromisso de estender benefícios por toda a cadeia de contribuintes, o impacto fiscal se aproximaria dos R$ 100 bilhões estimado por economistas do mercado financeiro. “Cresceria muito o impacto fiscal”, observou a fonte. “Então, estamos construindo algo mais focalizado nos R$ 5 mil”.

Mas o movimento de limitar os impactos fiscais geraria um problema para aqueles que ganham pouco mais do que o novo limite de isenção ─ por exemplo, R$ 5,1 mil R$ 6 mil ou até R$ 7 mil. Isso porque eles entrariam na primeira faixa de alíquota sobre todo o rendimento, sem qualquer desconto. O que poderia implicar em ganhos líquidos abaixo da faixa de isenção, gerando uma distorção.

“Estamos tentando olhar para esse cidadão para ter algum impacto positivo para ele também”, explicou a fonte.

Semanas atrás, ganharam força no governo discussões sobre medidas para compensar a isenção de IRPF até R$ 5 mil. O debate atraiu a atenção do mercado financeiro, mas a equipe econômica vinha mobilizando esforços pela antecipação das conversas sobre a revisão de despesas e trabalhando para deixar o benefício do IR para outro momento.

O discurso era o de que o martelo sobre a formatação do desenho final do benefício prometido ainda não havia sido batido por Lula. Em setembro, o ministro Fernando Haddad afirmou que os cenários já haviam sido apresentados, mas que ao menos um deles foi considerado “promissor”, tanto do ponto de vista econômico quanto político.

Para a equipe econômica, é fundamental convencer que uma agenda fiscal robusta pode abrir caminhos estruturais para o cumprimento da promessa sem distanciar o governo do objetivo de recuperar o grau de investimento. Para esta ala, o ideal, no caso do IR, seria que o movimento ocorresse de forma gradual, de modo a deixar o impacto mais severo para as contas públicas para frente.

“Vou cumprir”

Em setembro deste ano, durante uma entrevista à Rádio Difusora, de Goiânia (GO), Lula reafirmou o seu compromisso de isentar de cobrança de IR os brasileiros que recebem até R$ 5 mil.

Segundo o presidente da República, trata-se de uma promessa de campanha que será cumprida até o fim do atual mandato, em dezembro de 2026.

“Vou cumprir essa promessa. Em 2026, na hora que for mandado o orçamento para o Congresso Nacional, estará lá a rubrica de que quem ganha até R$ 5.000 não pagará IR. Este é um compromisso que eu tenho ao longo da minha história”, afirmou Lula.

“Nós precisamos, aos poucos, fazer uma inversão. Hoje, proporcionalmente, a pessoa que ganha R$ 3 mil ou R$ 4 mil paga mais imposto do que o rico”, prosseguiu Lula.

O presidente criticou o que classificou como uma distorção do atual modelo tributário do país.

“Os acionistas da Petrobras, por exemplo, receberam R$ 45 bilhões de dividendos. Sabe quanto de imposto eles pagaram? Zero. Alguma coisa está errada”, afirmou.

“No Brasil, tem muita gente vivendo de dividendos. Essa gente não paga imposto”, concluiu Lula.

Na declaração do IR em 2024 (que se refere ao exercício de 2023), a faixa de isenção foi de R$ 2.640. O Orçamento para 2025, encaminhado na semana passada para o Congresso Nacional, não contempla a correção da tabela do IR de pessoas físicas.

Fábio Matos

Jornalista formado pela Cásper Líbero, é pós-graduado em marketing político e propaganda eleitoral pela USP. Trabalhou no site da ESPN, pelo qual foi à China para cobrir a Olimpíada de Pequim, em 2008. Teve passagens por Metrópoles, O Antagonista, iG e Terra, cobrindo política e economia. Como assessor de imprensa, atuou na Câmara dos Deputados e no Ministério da Cultura. É autor dos livros “Dias: a Vida do Maior Jogador do São Paulo nos Anos 1960” e “20 Jogos Eternos do São Paulo”