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Dois anos após a decisão que garantiu o direito à terra aos indígenas, o Marco Temporal volta ao plenário do Supremo Tribunal Federal para votação nesta quarta-feira (10). O julgamento havia sido marcado para começar na última sexta-feira (5) em plenário virtual, mas, após receber críticas sobre o empobrecimento do debate, o ministro Gilmar Mendes, relator das ações, decidiu levar a discussão para o plenário físico.
O primeiro dia será reservado exclusivamente para a leitura do relatório e apresentação das sustentações orais dos advogados e terceiros de interessados. Nos bastidores, a expectativa é de que, devido ao número de sustentações e possibilidade de um longo voto do relator, o desfecho do julgamento ocorra somente em 2026.
O caso foi liberado para julgamento por decisão monocrática do ministro decano Gilmar Mendes, relator do conjunto de ações sobre o tema. No plenário virtual, os ministros vão analisar uma proposta da Comissão Especial formada na Corte, após 23 audiências na tentativa de criar um “meio termo” entre a decisão do STF e o projeto aprovado pelo Congresso sobre o assunto.
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A comissão foi criada após o ingresso de diversas ações na Corte, tanto contrárias quanto favoráveis à derrubada da tese pelo Supremo e à lei elaborada como anteprojeto à decisão.
Escrita como um anteprojeto à decisão do Supremo, a tese do Marco Temporal, aprovada na Lei 14.701/2023, foi considerada inconstitucional pelo STF em setembro de 2023.
A tese jurídica
A tese do Marco Temporal surgiu em 2005, quando o STF decidiu a favor da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Na ocasião, a Corte entendeu que os indígenas teriam direito às terras que já ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
A decisão pró-Marco Temporal deu razão aos indígenas, mas contrariou o artigo 231 da Constituição, que reconhece os direitos dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam, sem estipular uma data específica. Em 2007, esse entendimento da Corte foi desmembrado e transformado em um Projeto de Lei, de autoria do ex-deputado Homero Pereira (PR-MT).
Paralelamente, a tese jurídica começou a ser aplicada por juízes em todo o Brasil. Em 2011, a Funai recorreu para reverter uma decisão em Santa Catarina que reintegrava a posse de parte da Reserva Ecológica Estadual do Sassafrás, ocupada por indígenas em 2009 — território que não ocupavam na data da Constituição. O recurso chegou ao STF, dando início, em 2021, ao julgamento.
Em resposta ao julgamento, parlamentares retomaram o texto em tramitação na Câmara desde 2007 e o colocaram para apreciação após requerimento de urgência.
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O que diz o PL do Marco Temporal

Reciclado com poucas alterações, o projeto estabelece que, para serem consideradas terras tradicionalmente ocupadas, os indígenas precisariam comprovar que as áreas eram habitadas de forma permanente e usadas para atividades produtivas na data da promulgação da Constituição.
As alterações previstas incluíam, entre outros pontos, a proibição da ampliação de terras indígenas já demarcadas e a adequação dos processos administrativos de homologação ainda não concluídos à nova regra.
Parlamentares da bancada ruralista, favoráveis à aprovação do projeto, argumentaram que o texto daria maior segurança jurídica contra a desapropriação de propriedades e para o agronegócio.
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Fim do julgamento e a disputa política
Por 9 votos a 2, a Suprema Corte declarou, em outubro de 2023, a inconstitucionalidade da tese jurídica do Marco Temporal. Com repercussão geral, a decisão do Supremo serviria como guia para juízes de todo o país ao decidirem casos envolvendo a disputa pela legalidade de terras indígenas.
O relator do projeto no Congresso, senador Marcos Rogério (PL-RO), minimizou a decisão, alegando que ela não afetava a tramitação de projetos de lei nas Casas. O STF, contudo, reforçou que apenas ele pode tomar decisões que alteram a interpretação da Constituição.
Com aprovação na Câmara e no Senado, o anteprojeto foi sancionado, também em outubro, com vetos pelo presidente Lula (PT). Dois meses depois, o Congresso Nacional rejeitou os vetos e reincorporou os trechos à Lei do Marco Temporal.
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Tentativa de conciliação

O conflito entre decisão jurídica e lei reacendeu uma antiga disputa entre Supremo e Congresso: qual entendimento prevalece. O impasse resultou em cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) na Corte para tentar conter a medida aprovada pelo Congresso.
Na tentativa de encontrar um meio-termo e evitar inseguranças jurídicas, o ministro Gilmar Mendes, relator das cinco ADIs, promoveu uma mesa de conciliação reunindo representantes indígenas, parlamentares, a Procuradoria-Geral da República e o STF.
Entidades indígenas abandonaram a mesa após a segunda audiência, por entenderem que não há possibilidade de consenso diante de interesses tão divergentes.
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Após 23 encontros sem a presença dos indígenas, a mesa conciliadora foi encerrada após nove meses sem consenso, mas com a apresentação de uma proposta de lei alternativa redigida por Gilmar Mendes.
Na prática, o novo texto propõe alterações à Lei do Marco Temporal, definindo que estados e municípios participarão do processo demarcatório desde a primeira etapa, assim como as comunidades indígenas envolvidas.
Também amplia o conceito de terras indígenas, incluindo territórios adquiridos por compra, venda ou doação, que atendam ao regime de propriedade privada coletiva em casos em que a terra original não possa ser destituída para homologação. No entanto, a tese que usa a data da promulgação da Constituição como marco permanece inalterada.
O novo julgamento
A partir desta quarta-feira, os ministros deverão se reunir semanalmente para debater sobre o texto final aprovado pela comissão especial. Além disso, serão votadas todas as ações apensadas contra a Lei do Marco Temporal.