O hedge político do mercado para as eleições no Congresso

Diversas empresas doadoras fazem "hedge político" para as eleições no Congresso e mostram o quanto o poder político dos presidentes da Câmara e do Senado é reconhecido pelos atores do mercado

Marcos Mortari

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*Colaborador do InfoMoney por mais de um ano, Marcos Mortari atualmente trabalha como consultor político.

SÃO PAULO – Um dos momentos mais aguardados do novo ciclo político que se iniciou oficialmente com a posse e o discurso da presidente reeleita, Dilma Rousseff, no primeiro dia do ano, as eleições para a presidência e a composição das Mesas Diretoras na Câmara e no Senado ocorrem neste domingo (1) e devem indicar as tendências do Legislativo ao longo dos próximos anos. Tendo em vista a importância da ocasião para os rumos da política e da economia do País, a astúcia de investidores e grupos empresariais tem marcado forte presença em busca de decisões mais favoráveis a seus interesses desde a campanha eleitoral do ano passado.

Antes de observarmos com mais atenção a atuação do mercado nos bastidores do Congresso, cabe aqui um destaque para as atribuições de cada ocupante destes cargos. Ao presidente de cada Casa competem as responsabilidades de representar a câmara da qual faz parte em pronunciamentos coletivos, supervisionar os trabalhos, definir oficialmente a pauta do Plenário e presidir as sessões, dentre outras atribuições. O mandato de ambos é de dois anos, quando uma nova eleição é feita para decidir o sucessor para a segunda metade da legislatura.

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No caso do presidente da Câmara, conforme aponta a página oficial da casa, também figura como função oficial ouvir o Colégio de Líderes – grupo composto pelos líderes da maioria, minoria, partidos, blocos parlamentares e Governo – para definir as matérias que entrarão na pauta. Também são atribuições destacadas: designar relatores de medidas provisórias, propostas de emenda à Constituição e comissões especiais; avaliar fatos determinados para criação de CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) por requerimento; e decidir sobre dúvidas regimentais, questões de ordem e reclamações. Por fim, o ocupante deste cargo é o segundo na linha de sucessão do presidente da República, logo após seu vice.

Já o presidente do Senado é responsável pela definição da ordem do dia das sessões deliberativas tanto em sua própria casa, quanto no Congresso como um todo. Isso garante ao representante da Casa o amplo poder político de dominar as pautas das duas casas. A ele também cabe propor a transformação de uma sessão pública em secreta, além do direito de impugnar proposições que considere contrárias à Constituição e desempatar votações. Finalmente, o representante do Senado também é responsável por empossar o presidente da República (e substituí-lo em caso de ausência do vice e do presidente da Câmara) e pode convocar extraordinariamente o Congresso Nacional em caso de decretação de estado de Defesa Nacional ou de Intervenção Federal.

A importância das eleições no Congresso para o mercado
O poder político dos presidentes da Câmara e do Senado, além dos parlamentares que dividem as mesas diretoras, lideram as comissões, frentes parlamentares e bancadas, é reconhecido pelos grandes atores do mercado. Todos sabem que as decisões de Brasília podem e tendem a afetar sensivelmente seus negócios, viabilizando novas empreitadas ou atrapalhando as atividades já em execução. É por isso que se investe tantos esforços na prática do lobby, em detrimento a todos os seus estigmas por parte de imprensa e sociedade. Entrar no campo de atuação política representa, na ótica de empresários e investidores, antes de um engajamento pessoal, uma necessidade de amenizar riscos de decisões que podem custar caríssimo ou até mesmo uma oportunidade de influenciar na tramitação de projetos benéficos a seus negócios.

Na medida em que o mercado se torna cada vez mais competitivo, as companhias também passam a gastar tempo e dinheiro em uma série de procedimentos que vão desde o simples monitoramento das atividades parlamentares e envio de correspondências e documentos a políticos até a participação em audiências públicas nas comissões, realização de viagens e eventos institucionais e organização de coalizões de interesses. Para o bem ou para o mal, o rito do lobista já está mais do que incorporado ao cotidiano das principais empresas mundiais.

Mas não é só para os grandes grupos de interesse do mercado que o envolvimento com a política é interessante. Aos pequenos investidores também vale a pena observar as movimentações nas três esferas do poder para melhor antever oportunidades e poder se expor a investimentos de alta rentabilidade, mitigando também os efeitos do “desconhecido”, que, conforme costuma dizer Warren Buffet, assume a forma de riscos diversos. São muitos fatores que podem definir a doação por parte de uma empresa a um deputado. O setor no qual ele está habituado a atuar com mais força, seu poder de influência, seu histórico, etc.

Setor financeiro aposta em Eduardo Cunha na Câmara
Até o momento, tudo indica que quatro nomes deverão disputar a presidência da Câmara dos Deputados neste domingo: Arlindo Chinaglia (PT-SP), Chico Alencar (PSOL-RJ), Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Júlio Delgado (PSB-MG). É pouco provável que alguma outra candidatura surja de última hora, como é esperado para o Senado, onde Renan Calheiros (PMDB-AL) ainda não oficializou sua candidatura, mas deve fazer isso domingo – ele é o favorito na disputa pela direção da câmara alta. Também é difícil imaginar que o favoritismo do candidato peemedebista, que centraliza a disputa com o petista de São Paulo, não se confirmará.

Muito além do apoio de partidos nanicos como PP, PR e PRB, diversos parlamentares e bancadas em que tem bom trânsito e até deputados do PSDB (que, aos poucos, indicam que podem ter uma adesão bem menor do que o acordado apoio a Delgado), Eduardo Cunha conta com um time ainda mais forte nos bastidores. Entre os quatro candidatos, é ele quem arrecadou as maiores cifras de doações de campanha eleitoral. No total, foram R$ 6,8 milhões, contra R$ 4,8 milhões de Chinaglia.

Do lado de Cunha, figuram entre seus principais doadores: Ambev,Rima Industrial, Telemont, Mineração Corumbaense, Líder Táxi Aéreo, Iguatemi, Recofarma, Rio de Janeiro Refresco, Victor Hugo, além de companhias de peso do setor financeiro. Dentre elas, destaque para Bradesco, Safra, Santander e BTG Pactual. A imprensa atribui a ele uma das campanhas mais caras. A tabela abaixo oferece alguns detalhes com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral:

“INVESTIDORES” DE EDUARDO CUNHA

Empresa

Valor investido

CRBS (Ambev)

R$ 1 milhão

Rima Industrial

R$ 1 milhão

Telemont Engenharia Telecomunicações

R$ 900 mil

Líder Táxi Aéreo

R$ 700 mil

Mineração Corumbaense (Rio Tinto)

R$ 700 mil

Banco BTG Pactual

R$ 500 mil

Iguatemi Empresa de Shopping Centers

R$ 500 mil

Rio de Janeiro Refrescos

R$ 300 mil

Banco Santander Brasil

R$ 300 mil

Bradesco Saúde

R$ 250 mil

Bradesco Vida e Previdência

R$ 250 mil

Recofarma Indústria do Amazonas

R$ 250 mil

Victor Hugo Domelições

R$ 100 mil

Safra Leasing Arrendamento Mercantil

R$ 50 mil

Os únicos bancos a fugir da tendência e investir em Arlindo Chinaglia foram Itaú Unibanco e Safra, mas a aposta foi bem menor. A tabela abaixo mostra as principais companhias que doaram para a campanha do petista:

“INVESTIDORES” DE ARLINDO CHINAGLIA

Empresa

Valor investido

Guarani

R$ 500 mil

Hypermarcas

R$ 500 mil

Terra Forte Exp. e Imp. De Café Limitada

R$ 412,500 mil

Construtora Andrade Gutierrez

R$ 262,500 mil

Stockler Comercial Exportadora

R$ 250 mil

Contern Construtora e Comércio

R$ 237,500 mil

JBS

R$ 237,500 mil

Serveng Civilisan

R$ 237,500 mil

ECTX

R$ 200 mil

Vale Energia

R$ 200 mil

UTC Engenharia

R$ 150 mil

Unicafé Companhia de Comércio Exterior

R$ 137,500 mil

Spiral do Brasil

R$ 129,269 mil

Ache Laboratórios Farmacêuticos

R$ 123,500 mil

Copersucar

R$ 100 mil

Exportação de Café Guachupe

R$ 100 mil

Minerações Brasileiras Reunidas

R$ 100 mil

Mineração Corumbaense Reunida (Rio Tinto)

R$ 100 mil

Rima Industrial

R$ 100 mil

Volcafé

R$ 100 mil

Também investiram no candidato Embraer (R$ 600 mil), Acqua Mineral e Empreendimentos Imobiliários (R$ 50 mil), Brasil Kirin Industrial de Bebidas (R$ 50 mil), Itaú Unibanco (R$ 50 mil), Construtora Menin (R$ 40 mil), Safra Leasing Arrendamento Mercantil (R$ 28,500 mil), São Martinho (R$ 20 mil), Alesat Combustíveis (R$ 5 mil) e CRBS – Ambev (R$ 2,5 mil).

Já o pessebista Júlio Delgado conta com investimentos de Andrade Gutierrez (R$ 200 mil), Spal Indústria Brasileira de Bebidas (R$ 225 mil), Bradesco Saúde (R$ 180 mil), Banco Santander (R$ 100 mil), Cosan (R$ 80 mil), Odebrecht (R$ 80 mil), Arcelormittal (R$ 75 mil), CBMM (R$ 100 mil), Votorantim (R$ 50 mil), Queiroz Galvão (R$ 100 mil), Companhia Metalúrgia Prada (R$ 75 mil), dentre muitos outros.

Procuramos os dados de doações recebidas pelos dois principais nomes cotados para assumir a presidência do Senado, mas eles não estavam disponíveis no sistema de prestação de contas do TSE. O candidato favorito para vencer a disputa e atual presidente da Casa, Renan Calheiros, ainda não oficializou sua candidatura. A queda de braço ocorrerá com seu correligionário Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC), da ala independente do partido com mais cadeiras no Senado.

Investir em mais de um parlamentar é outro segredo
O exemplo que demos sobre a Câmara pode ser aplicado em uma gama infinita de circunstâncias e mostra como as empresas aprenderam a jogar o jogo político. Como foi possível notar, muitas delas investem em mais de um candidato a deputado para ampliar seu poder de influência e atenuar ainda mais os riscos de aprovações negativas para seus negócios. Usamos o exemplo dos deputados que se candidataram à presidência da Câmara por conta da posição de destaque de liderança que ocupam, mas também seria válido observar o posicionamento do mercado quanto aos representantes das principais bancadas, frentes parlamentares e partidos.

Conforme escreveu o jornalista José Roberto de Toledo em sua coluna para o jornal O Estado de S. Paulo na última quarta-feira (28), “seja quem for eleito presidente da Câmara dos Deputados no próximo domingo, os setores de mineração e alimentação terão acertado suas apostas nas eleições de 2014”. Basta observar que ambos os candidatos compartilham doadores nestes setores. Ilustram bem a situação as empresas CRBS (Ambev), Rima Industrial e Mineração Corumbaense (Rio Tinto).

Contribuindo para o sucesso na candidatura de um parlamentar, a empresa, em termos informais, acaba tendo maior oportunidade de lobbying ao longo da próxima legislatura. O “toma lá dá cá” funciona de modo similar ao comportamento de parlamentares que se esforçam para conseguir liberação de verba para emendas orçamentárias que beneficiem seus eleitores em vista para um bom desempenho nas próximas eleições.

Este modelo de financiamento privado de campanha tem sido duramente criticado por políticos, especialistas e até membros da sociedade civil, defensores de uma reforma política que abranja esse assunto. Eles argumentam que as doações criam um compromisso desleal do político eleito com as empresas que nele apostaram. Isso faz com que parlamentares se distanciem ainda mais da sociedade, o que reduz a representatividade e amplia a sensação de descrença com relação à política do país.

Muitos também lembram para o fato de muitas empresas financiadoras serem as mesmas que atualmente são investigadas por envolvimento em escândalos de corrupção, como a Operação Lava Jato recentemente. No entanto, enquanto nada disso sai do campo de especulações e termos vagos, as empresas aproveitam para usar um mecanismo altamente estratégico e eficaz para seus negócios. De qualquer forma, com ou sem reformas nas regras de financiamento de campanhas, o lobby é um mal necessário para o melhor funcionamento da política desde que bem regulamentado. Em outros países, isso já funciona com naturalidade.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.