Michel Temer usa escândalo a seu favor, diz Bloomberg em coluna

Não menospreze o presidente - nem seu ambicioso programa de reformas

Bloomberg

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(Bloomberg) — Quando o desacreditado mandachuva brasileiro Eduardo Cunha foi preso na semana passada, o establishment político do país tremeu. Famoso por suas habilidades maquiavélicas, como uma versão brasileira de Frank Underwood, o ex-presidente da Câmara foi o maior alvo do maior escândalo de corrupção da história. E ele insinuou diversas vezes que não cairia sozinho. Ninguém teme mais essa ameaça que o presidente Michel Temer, que chegou ao poder em agosto com a saída de Dilma Rousseff, graças à campanha de impeachment que seu velho aliado político Cunha empreendeu.

Mas não menospreze Temer nem seu ambicioso programa de reformas. Sim, é impossível prever quais atrocidades podem ser desenterradas pelos investigadores da Operação Lava Jato em relação à corrupção na gigante estatal Petrobras, especialmente se Cunha seguir o exemplo de outros suspeitos importantes e fizer um acordo de delação premiada. No entanto, o escândalo que paralisou o governo Dilma misteriosamente funcionou a favor de Temer, acelerando um conjunto de medidas impopulares, mas salutares, que o Brasil precisa para reanimar sua abalada economia.

Graças a seus esforços para cortejar a maioria absoluta de parlamentares que votaram a favor do impeachment de Dilma, Temer impediu que eles se voltassem contra ele e obteve algumas importantes vitórias legislativas. Enquanto o infame presidente da Câmara manobrava para continuar no poder, Temer se manteve a uma distância calculada e usou sua influência para colocar um aliado do palácio no lugar de Cunha. E, quando três de seus ministros foram obrigados a renunciar por terem sido ouvidos secretamente tramando para acabar com a Lava Jato, Temer, em vez de recuar, imediatamente colocou seu orçamento em votação e venceu.

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O mais notável é que ele convenceu um congresso litigioso a apoiar a PEC 241, uma emenda constitucional decisiva que limita os gastos públicos pelo menos durante os próximos dez anos; aprovada em votação na Câmara em 1º turno por 366 votos a 111 (ele precisava de 308 votos). Em um país esbanjador como o Brasil, isso foi enorme. Grupos de interesse reclamaram que essa medida vai empobrecer a saúde, a educação e a segurança pública. Na verdade, ao estipular um limite claro de gastos, a PEC obrigará os legisladores a decidir como investir o dinheiro dos impostos e o que cortar, devolvendo a elaboração do orçamento à arena democrática e retirando-a da tenda dos milagres que o Congresso se tornou.

Como até mesmo os críticos de Temer concordam que é impossível que o Brasil limite o gasto público e também honre os benefícios explosivos para sua população que está envelhecendo rapidamente, a PEC 241 também poderia obrigar os políticos a finalmente reformar o inchado sistema de aposentadorias. É por isso que os economistas José Marcio Camargo e André Gamerman, da gestora brasileira de ativos Opus, disseram recentemente que a proposta de gastos é “a legislação econômica mais importante desde o plano real”, um projeto de estabilização econômica que interrompeu a hiperinflação em meados dos anos 1990.

Ter estimulado a PEC 241 também revelou a destreza de Temer em trabalhar nos bastidores políticos e em confrontar com valentia apóstatas do Congresso. “Enquanto Dilma odiava esse tipo de politicagem, Temer se sobressai nele”, disse Octavio Amorim Neto, analista político da Fundação Getúlio Vargas. É emblemático que a nova maioria parcimoniosa de Temer inclua tantos parlamentares do mesmo bloco que havia praticamente sabotado o governo Dilma plantando “bombas fiscais”, os projetos de lei repletos de aumentos dos gastos populistas que estouram o orçamento.

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É tentador concluir que os líderes da política brasileira se iluminaram de repente e adotaram a responsabilidade fiscal. No entanto, algo mais prosaico poderia estar por trás desse “momento de epifania”, nas palavras de Christopher Garman, diretor de análise do país da Eurasia Group. “A classe política se assustou com o tamanho da crise social, econômica e judicial que atingiu o país”, disse-me Garman. “Eles compreendem que em uma época de escassez de recursos o único modo de que suas máquinas políticas sobrevivam é que o governo Temer funcione, e os políticos concordaram.”

O limite de gasto, que foi aprovado também na segunda votação da Câmara, ainda será submetido a duas votações no Senado e precisará obter maioria de dois terços. Uma vitória aqui poderia gerar impulso para outras propostas, como reduzir a infinidade de partidos políticos (existem 35) que transforma toda eleição em uma cacofonia, agilizar leis de licenciamento ambiental que desestimulam o investimento e acabar com as restrições nacionalistas na exploração do pré-sal. É um indicador da perspicácia política de Temer– e da ameaça existencial que seus aliados enfrentam — que poucos analistas duvidem de que ele vencerá essas disputas.

Para voltar a crescer, no entanto, o Brasil precisa adotar reformas mais polêmicas — simplificar o código tributário rococó, por exemplo, e modernizar leis trabalhistas da época da Segunda Guerra Mundial — que sem dúvida vão contrariar interesses poderosos do país. E nisso mora o risco para Temer, e para o Brasil. Se a tímida recuperação econômica estagnar, ou a Lava Jato chegar ao Palácio do Planalto, o entusiasmo com as reformas poderia se dissipar tão rapidamente quanto os aliados oportunistas do governo.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial nem da Bloomberg LP e de seus proprietários.

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