“Governo que se cuide: Delcídio está dando um fim a ele”, diz Roberto Freire

Em entrevista ao InfoMoney, o deputado e presidente nacional do PPS disse que, se confirmadas, as informações apontam para "um claro crime de responsabilidade dos mais graves cometidos por um presidente"

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – A sucessão de episódios pela Operação Lava Jato tem minado cada vez mais a sustentação do governo Dilma Rousseff. O vazamento da delação do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) na véspera provocou um terremoto político em Brasília. O ex-líder do governo colocou no centro das atenções a presidente, seu antecessor Lula e o atual advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, antes ministro da Justiça. Conforme sustenta o parlamentar em seu depoimento à Procuradoria-Geral da República, os três teriam agido para obstruir os trabalhos das investigações.

Em entrevista ao InfoMoney, o deputado e presidente nacional do PPS, Roberto Freire (SP), disse que, se confirmadas, as informações apontam para “um claro crime de responsabilidade dos mais graves cometidos por um presidente”. Para ele, a estratégia governista de atacar a imagem de Delcídio não deve funcionar. “Não adianta desqualificar aquele que está delatando, porque é participante do crime”, afirmou o deputado. “O governo que se cuide, porque o que Delcídio está fazendo é dar um fim a ele. Não adianta tentar desqualificar. Tem que dizer sobre a delação. No fundo, o que ele está dizendo é: ‘fui preso porque estava obstruindo a Justiça, mas a mando de Dilma, Lula e do ministro da Justiça'”. Confira os melhores momentos da entrevista:

IM – O que a suposta delação de Delcídio traz de novo para o quadro político?
RF – Se confirmada a delação e apresentadas provas para o que ela afirma, podemos dizer que o governo acabou. As ações de Dilma e dos coadjuvantes ex-presidente e ministro da Justiça de obstrução de Justiça e tentativa de impedir o livre funcionamento de um dos poderes da República são um claro crime de responsabilidade dos mais graves cometidos por um presidente da República no Estado de Direito. Delcídio foi preso por obstruir a Justiça. A presidente não será presa, mas poderá sofrer o impeachment. Agora, os outros podem ser presos. 

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IM – Qual é a parcela do que disse Delcídio que pode ser considerada?
RF – Delação não é algo que se faz sem nenhuma responsabilidade. É um acordo. Se ele não comprovar o que diz, não terá direito àquilo que a colaboração implica. Delcídio não é um qualquer, era líder do governo, amigo de Cerveró e Bumlai. Ou seja, de total interesse de Lula e do governo. 

IM – Qual é a estratégia para evitar o contra-ataque que visará atingir a imagem de Delcídio, como foi feito com Eduardo Cunha na abertura do processo do impeachment?
RF – Não vou comparar Delcídio com Eduardo Cunha. 

IM – Mas a estratégia do governo será…
RF – Desqualificá-lo. 

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IM – E como evitar?
RF – Eu não vou evitar nada. Desmoralizou-se Barusco, Paulo Roberto e outros delatores, que são criminosos, mas qual é a imagem que eles podem ter? Não adianta desqualificar aquele que está delatando, porque é participante do crime. Quando Delcídio diz que foi obstruir a Justiça propondo a fuga de Cerveró, ele está confessando seu crime. Agora, ele está dizendo quem são outros criminosos que participaram junto. O governo que se cuide, porque o que Delcídio está fazendo é dar um fim a ele. Essa delação do então líder do governo de que foi tratar de obstruir a Justiça, atentando contra o livre funcionamento dos poderes, é o mais grave crime de responsabilidade. Foi praticado por Dilma e pelo ministro da Justiça. Não adianta tentar desqualificar. Tem que dizer sobre a delação. No fundo, o que ele está dizendo é: “fui preso porque estava obstruindo a Justiça, mas a mando de Dilma, Lula e do ministro da Justiça”.

IM – E agora, qual é o cenário que desponta no horizonte?
RF – O governo vive hoje para tentar impedir o impeachment. Está havendo disputa em relação ao tema, cada vez com maior envolvimento de instituições como o STF, que foi o instrumento utilizado pelo governo para tentar criar obstáculos. Aquela foi uma interferência completamente abusiva na autonomia do Poder Legislativo.

IM – Mas não foi também abusiva a decisão do presidente da Câmara sobre o rito?
RF – Ao contrário. Não há nada com Eduardo Cunha. Foi uma decisão da maioria do plenário. Aplicou-se o mesmo rito processual que com [o ex-presidente Fernando] Collor. Naquela ocasião, não houve eleição porque teve uma chapa única aprovada por unanimidade. No caso de Dilma, duas chapas disputaram em eleição, que, de acordo com o regimento, se dá por voto fechado. A decisão do Supremo foi uma das mais equivocadas possíveis. Se é como diz o ministro [Luís Roberto] Barroso, uma simples indicação dos líderes de bancadas, sem candidatura avulsa ou chapa alternativa, por que o plenário tem que aprovar? Isso não existe. Indicação, como ocorre com as comissões permanentes da casa, o plenário não aprova.

A Constituição diz que cabe privativamente à Câmara a autorizar a abertura do processo de impeachment, enquanto ao Senado, instalar e julgar. Eles decidiram abrir para as duas casas. Não é uma disputa na sociedade, mas entre dois poderes. Vai ficar clara a interferência indevida de se tentar criar obstáculos ao impeachment. Isso não tem a ver com Cunha. Quem quer colocá-lo como figura exponencial é Dilma. Esse “fora Cunha, fica Dilma” ou “fora Dilma, fica Cunha” não existe. Fora os dois! Ela não está governando, está apenas lutando contra o impeachment.

IM – Na sua avaliação, a melhor saída seria o impeachment ou a cassação?
RF – Não tenho nenhuma dúvida que a melhor solução para o país seriam eleições gerais. Mas não posso ficar prisioneiro disso, quando há outras alternativas em que tenho muito mais capacidade de atuar do que esperar que os outros atuem. Eu não estou no TSE para fazer nada, Só posso torcer. Agora, posso trabalhar pelo impeachment.

IM – Há quem enxergue hoje, no fundo, uma grande disputa por protagonismo entre Executivo e Legislativo.
RF – Mas é preciso ter. Isso é contrapeso. A separação de poderes é feita exatamente para evitar que um tenha prevalência sobre o outro. Agora, há um governo que, por todos os meios, tenta criar obstáculos para a Operação Lava Jato. Eles tentam usar advogados, parlamentares, tudo. Esse governo é contra a Lava Jato. Inclusive, um dos elementos para o impeachment é o funcionamento da Justiça brasileira.

IM – Ao final do ano passado, o governo editou uma medida provisória estabelecendo novas regras aos acordos de leniência, tema duramente criticado pela oposição. Qual é sua avaliação?
RF – Leniência tem que ter. É preciso criar um instrumento que supere essa fase para que se volte a ter uma normalidade na economia. No direito penal, não se pune a empresa, mas a pessoa. Estamos favoráveis a isso. A questão é que os termos que foram adotados têm problemas.

IM – Quais são esses problemas?
RF – Um dos problemas graves é fazer acordos de leniência em outras unidades da Federação, sem acompanhamento daqueles que são os órgãos de fiscalização fundamentais. O TCU não pode ser renegado, tem que estar presente nisso sempre. No Brasil, nos acostumamos com a ideia de que, se você pratica o crime de sonegação, por exemplo, não há problema se pagar. O mesmo acontece na questão das pedaladas fiscais. Aquilo não deixa de existir porque o governo pagou [os atrasos nos repasses]. O crime aconteceu.

IM – Foi um erro nosso ter sido tolerante com essa prática em contas de governos estatuais e municipais? Isso não abriu precedente?
RF – Isso significa que vamos absolver todos os outros? Porque os outros roubaram podemos roubar? Ainda bem que agora estão tentando impedir. Mas o problema da pedalada fiscal não é o crime maior de responsabilidade de Dilma. O crime maior foi a execução da lei orçamentária ao seu bel prazer, sem submeter nenhuma das transferências e geração de crédito ao Legislativo. A Constituição é clara: não se pode modificar lei orçamentária sem autorização do Congresso. Se isso não vale nada, não vale nada a República.

IM – O senhor defende um acordo com as instituições financeiras para que se resolva a questão do endividamento nacional. Como fazer isso sem traumas?
RF – Se tivermos um grande acordo com o setor financeiro nacional, talvez possamos ter uma solução para o problema muito mais rápido.

IM – Existe disposição das partes em costurar um acordo?
RF – Não sei. Mas o governo é para isso. Quando você vai discutir com trabalhador, muitas vezes diminui-se o salário para que não se percam empregos. Também é preciso chamar os bancos agora. Qualquer diminuição que houver nesse sentido é como se estivéssemos gerando um superávit primário. Também é preciso fazer um plano de austeridade. Há muitas coisas que temos que mexer, e esse governo não vai mexer em nada.

IM – Se o governo resolver, de fato, apresentar um projeto para a reforma na Previdência, ele contará com o apoio da oposição?
RF – Não vai da base dele, nem da sociedade.

IM – Mas a oposição apoiaria?
RF – A oposição não tem que falar. Não vou dizer ao governo que resolverei o problema agora. Eu quero que ele saia. Acho que, para o bem do Brasil, Dilma tem que ir embora.

IM – Não existe um risco de piora no quadro econômico e social com essa postura de indisposição?
RF – A piora é ela. Está falando agora, mas por que não fez? Eu quero votar o impeachment para o bem do Brasil, para a gente poder ter um governo que possa discutir reforma da Previdência e todas as outras. Já fiz isso. Não era preciso esperar que Collor fizesse. Mandamos Collor embora e com Itamar fizemos.

IM – A última quinta-feira marcou um movimento de euforia do mercado, com a Bolsa subindo 5% e a Petrobras 16%. Como o senhor explica isso?
RF – Estão esperando que o governo caia. Eu vivi isso no governo Itamar. Imediatamente, passou-se a ter um diálogo com a sociedade, com os agentes econômicos e políticos. É um novo momento. Um exemplo bem próximo é o caso da Argentina, em que não houve impeachment, mas uma mudança de governo. Em menos de três meses, conseguiram fazer acordo com os fundos abutres, e, com isso, viabilizam investimentos. O país já começa a dialogar com todo o setor financeiro internacional. Não vamos penar que a Argentina resolveu os problemas, mas mudou. 

IM – Em uma conversa que tivemos no ano passado, o senhor disse que, em caso de impeachment, o governo que entrasse seria responsabilidade da oposição. Como funcionaria?
RF – Sem nenhuma dúvida. E a oposição tem que saber que o novo governo precisa responder a sociedade no sentido diametralmente oposto ao que o governo que foi derrubado. Não se pode manter as mesmas práticas, ter o mesmo tipo de gestão. Um novo governo pode discutir uma pauta de reforma que nenhum governo eleito tem condições de fazer. Com Itamar, fizemos o que talvez um governo não conseguisse fazer mesmo sendo eleito, porque teria assumido compromissos de campanha, teria que fazer concessões, enquanto um governo surgido no trauma do impeachment tem toda a condição de poder propor inclusive sacrifícios à sociedade brasileira.

IM – E se o impeachment não acontecer?
RF – Se nós perdermos o impeachment, eu rediscuto tudo. Mas não vou fazer isso antes. O país precisa do impeachment. A economia brasileira precisa de um novo governo. Agora, se eu não conseguir isso, acabou, tudo bem. É a mesma coisa que em uma eleição. Não se pode pedir à oposição que ajude o governo a ficar. Isso é uma contradição da política.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.