Governo busca consenso com reforma tributária enxuta, em meio a pauta congestionada e calendário apertado

Mais de um ano após prometer uma proposta, equipe econômica resgata desenho de simplificação de impostos federais e evita polêmicas

Marcos Mortari

Da esquerda para a direita: Rodrigo Maia, Presidente da Câmara; Davi Alcolumbre, presidente do Senado; Paulo Guedes, ministro da Economia (Marcos Brandão/ Agencia Senado)
Da esquerda para a direita: Rodrigo Maia, Presidente da Câmara; Davi Alcolumbre, presidente do Senado; Paulo Guedes, ministro da Economia (Marcos Brandão/ Agencia Senado)

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SÃO PAULO – O ministro Paulo Guedes (Economia) deve entregar, aos presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado Federal, Davi Alcolumbre (DEM-AP), nesta terça-feira (21), a primeira fase da proposta de reforma tributária do governo federal.

A promessa vem sendo feita há mais de um ano, mas gerou ansiedade entre os agentes econômicos na semana passada após uma nova sinalização dada pelo chefe da área econômica do governo federal.

O texto inicial deverá tratar apenas da unificação de impostos federais, na forma de uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com alíquota de 12% – ponto de maior consenso, na avaliação da equipe econômica. O desenho já chegou a ser apresentado como solução por governos anteriores. Mas mesmo essa versão enxuta hoje enfrenta resistências, sobretudo do setor de serviços.

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O plano do governo é deixar para uma segunda etapa a discussão acerca da possibilidade de se desonerar a folha de salários das empresas e compensar com a criação de um novo tributo sobre transações financeiras. Também devem esperar os debates sobre possíveis mudanças no Imposto de Renda e um desenho de tributação sobre lucros e dividendos como forma de viabilizar uma redução do IRPJ.

A sinalização do governo vem em meio a uma série de cobranças de parlamentares de uma posição mais clara do Palácio do Planalto sobre o assunto. Dada a complexidade do tema e a multiplicidade de interesses envolvidos, muitos argumentam ser difícil avançar sem a atuação do Poder Executivo.

O governo vinha acenando com uma proposta própria há mais de um ano, mas adiou sucessivas vezes a apresentação do texto. No momento em que chegou mais próximo de cumprir a promessa, com um modelo que combinava a introdução do IVA à recriação da CPMF, o então secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, foi demitido.

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O episódio foi visto como uma pá de cal sobre a possibilidade de tributação sobre movimentações financeiras. Ao longo dos últimos meses, o assunto foi reconquistando espaço nas discussões do Ministério da Economia e não sofreu, até o momento, a mesma resistência do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) do que a vista em outubro do ano passado.

Lideranças do Congresso Nacional veem como positivo o novo gesto do governo federal de apresentar um texto, mas entendem que a proposta inicial, caso contemple de fato apenas uma simplificação de tributos federais, seria muito tímida para atacar o problema. Outro desafio seria lidar com a disputa por protagonismo das duas casas legislativas no tema.

Atualmente, há duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) sobre o assunto em tramitação no parlamento. De um lado, os deputados discutem a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 45/2019, de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), com base nas ideias defendidas pelo CCiF (Centro de Cidadania Fiscal).

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O texto, relatado pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) propõe a unificação de 5 impostos – PIS, Cofins e IPI (federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal). No lugar deles, seria criado um IBS (Imposto sobre Operações com Bens e Serviços), em um movimento de simplificação do sistema, mas sem modificação da carga tributária.

Do outro lado, os senadores tentam fazer avançar a proposta do ex-deputado Luiz Carlos Hauly. O texto, resgatado pelo presidente da casa legislativa, Davi Alcolumbre, foi visto como um sinal de disputa por espaço com a outra casa legislativa em torno da matéria.

A ideia da PEC, que teve um relatório inicial apresentado pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA), é extinguir IPI, IOF, CSLL, PIS/Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cide, ICMS e ISS, criando no lugar um chamado “IVA (Imposto sobre o Valor Agregado) dual”: um destinado aos tributos federais e outro aos impostos dos entes subnacionais.

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Após meses de disputa por espaço, as duas casas chegaram a um entendimento, no fim de 2019, para a instalação de uma comissão mista para debater o assunto – instalada apenas em fevereiro. Os trabalhados progrediram com audiências públicas e discussões sobre as alternativas postas à mesa, mas foram interrompidos pela pandemia do novo coronavírus.

Na semana passada, a Câmara dos Deputados decidiu retomar unilateralmente as discussões sobre a reforma, em meio às dificuldades de o Senado Federal em restabelecer as atividades de comissões mistas. O movimento de Rodrigo Maia foi criticado por Davi Alcolumbre, que chegou a ameaçar não pautar o tema no plenário do Senado se a questão não fosse tratada coletivamente.

Em meio ao impasse e às promessas não cumpridas de uma proposta própria, o governo entrou em campo para buscar um entendimento. Para alguns parlamentares, inclusive, a crise provocada pela pandemia do novo coronavírus aprofundou a necessidade de uma reforma tributária e o adiamento das eleições em pouco mais de um mês ajudou a dar um espaço adicional para que o tema avance (e em um formato mais ousado e robusto) neste ano.

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Na avaliação dos analistas da consultoria Arko Advice, a sinalização do governo é importante, mas há uma série de obstáculos para avanços do tema. Entre os problemas estão a pauta legislativa congestionada por temas como prorrogação do Fundeb, Orçamento de 2021, PEC dos Fundos e discussões como a do Renda Brasil (que em breve deverá ser encaminhado pelo governo).

Além disso, as eleições municipais tendem a amplificar as dificuldades. Estima-se que mais de 120 deputados possam se candidatar a prefeituras – para além da tradicional mobilização de parlamentares na eleição de aliados para o comando de municípios.

“Avanços podem acontecer este ano. No melhor cenário, o texto poderia ser concluído na Câmara. O mais provável, contudo, é que o assunto só seja fechado em 2021. Em um novo ano, sem eleições e sem pandemia”, pontuam os especialistas.

Avaliação similar têm os analistas da consultoria de risco político Eurasia Group. Eles atribuem probabilidade de 65% para o êxito de uma reforma tributária. Entre as razões para o otimismo estão o inédito entendimento entre secretários estaduais de Fazenda sobre uma proposta, a piora na situação fiscal dos estados como impeditivo para o uso do ICMS como instrumento para atração de investimentos e a percepção de lideranças parlamentares de que a proposta representa um importante passo para a ativação da economia brasileira.

“De diversas maneiras, o surto da covid-19 apenas intensificou essas tendências. Os governadores estão em uma situação ainda pior e os congressistas estão ainda mais preocupados com a atividade, na medida em que o desemprego disparou. A capacidade de grupos de interesse de defender subsídios e incentivos fiscais também diminuiu. E economistas têm argumentado que uma reforma tributária pode ajudar o Brasil a reduzir a dívida pública, que se aproximou perigosamente de 100% do PIB”, argumentam.

No entanto, os analistas veem uma tendência de o processo se arrastar para 2021, com chances de a Câmara dos Deputados votar uma fusão de impostos federais, estaduais e municipais ainda neste ano. Os especialistas também veem baixas chances de uma recriação do imposto sobre transações financeiras ser aprovada.

A equipe da Arko Advice também lembra que, apesar da melhora na relação com o parlamento, o governo federal tem enfrentado dificuldades em conduzir uma agenda legislativa. O clima, segundo os analistas, pode piorar depois que o Palácio do Planalto descumpriu acordo firmado com senadores e vetou trecho não combinado no marco do saneamento básico.

“Sem dúvida alguma, eles apresentam grande risco para o governo. Mais que isso, comprometem negociações futuras entre o Legislativo e o Executivo”, dizem. “Não será fácil restabelecer a confiança”.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.