Reforma tributária: “É a última janela de oportunidade desta geração”, diz relator

Ao InfoMoney, Roberto Rocha fala sobre a importância de simplificação tributária, a disputa entre Câmara e Senado e o papel do governo no debate

Marcos Mortari

Waldemir Barreto/Agência Senado

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SÃO PAULO – O sistema tributário obsoleto e criticado pelos mais diversos grupos da sociedade e setores econômicos, a crise fiscal resiliente e a baixa capacidade de investir e atrair recursos colocam o Brasil diante de uma necessidade aguda de reformar sua atual estrutura de impostos.

Mas a profusão de interesses e a disputa por protagonismo entre deputados e senadores têm dificultado o debate em um momento em que o governo tampouco consegue resolver divergências internas para apresentar a sua própria proposta sobre o assunto.

Poucos dias depois de concluir seu relatório para a proposta em discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, o relator Roberto Rocha (PSDB-MA) reconhece as adversidades que cercam o debate, mas também vislumbra uma oportunidade única vivida pelo país para superar diferenças e avançar nesta pauta.

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“Quanto tempo o Brasil está esperando [uma reforma tributária]? É a última janela de oportunidade desta geração. O Brasil está muito atrasado em relação ao IVA. Se demorar muito nisso, daqui a pouco tem outra coisa possivelmente diferente”, afirma em entrevista exclusiva ao InfoMoney.

A disputa por espaço entre as casas levou líderes parlamentares a discutir a possibilidade de criação de uma comissão mista informal. A ideia seria reunir deputados e senadores para a criação de uma proposta comum, em diálogo com a equipe econômica do governo.

Em seu texto, Rocha propõe a criação de um Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA) dividido em duas partes. Uma delas unifica cinco impostos e contribuições federais: IPI, Cofins, PIS, IOF e salário-educação. A outra promove a junção do ICMS (estadual) e do ISS (municipal).

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O relator chegou a cogitar a inclusão de um imposto sobre movimentações financeiras, nos moldes da extinta CPMF, como mecanismo para viabilizar a desoneração da folha de pagamentos.

Mas abandonou a ideia após o presidente Jair Bolsonaro (PSL) dinamitar o debate no governo, com a demissão de Marcos Cintra do comando da Receita Federal. Após uma série de adiamentos, o governo pretende encaminhar sua própria proposta na próxima semana.

A versão analisada pelos senadores, de autoria do ex-deputado federal Luiz Carlos Hauly, guarda semelhanças com o texto em discussão na Câmara dos Deputados, que prevê a unificação de IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS na forma de um Imposto sobre Operações com Bens e Seviços (IBS).

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Apesar dos pontos em comum entre as propostas e mesmo com a criação da comissão mista, ainda há dúvidas sobre quais seriam os próximos passos da reforma tributária no parlamento.

“Eu não posso falar pela Câmara, mas o Senado está muito tranquilo. Nossa proposta está bem mais adiantada”, diz o parlamentar. “Se eu quisesse, teria lido isso há 20 dias”.

“Na Câmara, para tramitar uma emenda constitucional, é uma regra muito mais difícil e demorada. No Senado, você pode passar uma PEC em 45 dias. Pode pautar em 20. Basta sentar em uma mesa e fazer acordo de liderança”, complementa.

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Para Rocha, não há mais tempo a perder na construção de um consenso. O senador recebeu esta reportagem na última sexta-feira (20), em um hotel em São Paulo, após se encontrar com empresários do setor varejista.

Os 30 minutos de conversa contaram com intervenções pontuais do ex-deputado Hauly e de atores dos meios político e empresarial presentes.

Eis os principais pontos da entrevista:

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CPMF

É possível que daqui a 3 ou 5 anos, um pouco mais ou um pouco menos, o mundo inteiro esteja tratando disso. Há dez anos, o debate era outro com relação à forma de arrecadar. É o modelo mais clássico. Hoje já temos o dinheiro eletrônico, outros vão além, falando sobre a movimentação financeira, propondo um microimposto.

É muito provável que nos países mais desenvolvidos já se esteja estudando isso, mas ainda não estão aplicando isso. O que existe hoje é o IVA em cerca de 170 países. Eu não posso adiantar uma opinião. Como relator, apenas tenho a obrigação de abrir e aprofundar o debate. Não posso ter preconceito contra nenhuma tese.

Desoneração da folha

Quando dizemos que o Brasil precisa desonerar folha porque é muito pesado sobre o setor de serviços, quais os caminhos? Tem o caminho A e o caminho B. Quando estamos discutindo isso, parece que somos a favor deste ou daquele. Eu não sou.

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Quero encontrar um caminho para desonerar a folha, mas aí veio o problema da movimentação financeira, que levou à queda do secretário da Receita Federal [Marcos Cintra]. Fica parecendo que só sobrou um caminho, que é pelo IVA, aumentando a carga tributária. Mas é preciso redimensionar o tamanho da desoneração.

Se a contribuição patronal de 20% na folha custou, no ano passado, R$ 260 bilhões e você pretende desonerar, por exemplo, em 50%, caindo de 20% para 10%, estamos tratando de R$ 130 bilhões. De onde vai tirar esse dinheiro? A discussão continua aberta.

Alguém me falou em fazer [a tributação sobre movimentação financeira] só pela pessoa jurídica. Mas aí desonera quem ganha até R$ 5 mil por ano ou então quem ganha um, dois ou três salários mínimos. Desonera primeiro emprego, quem está há mais tempo desempregado — é claro que quem está há mais tempo desempregado a tendência é ser mais difícil achar emprego.

Mas tudo tem que ser visto do ponto de vista político, vendo a floresta de todos os ângulos. Digamos que você tem uma empresa com cinco funcionários. De repente, o Brasil cria uma regra que diz que determinada categoria não paga. Você vai demitir seus funcionários e colocar cinco do primeiro emprego, que estão há mais tempo desempregados. O que estaríamos fazendo? Nada. Enxugando gelo.

Papel do governo

Não dá para fazer uma matéria desta complexidade sem a presença do governo federal. Imagine você aprovar uma lei tratando de IPTU sem a presença do prefeito. Agora, claro que parte do governo tinha uma ideia muito fixa na questão da movimentação financeira. Isso não foi bem construído politicamente, sobretudo na comunicação e ainda resultou no que resultou. Eu já tentei dar minha opinião. A Receita Federal tem um olhar muito técnico das coisas, é normal. E aí deu esse problema.

Outra coisa que o governo queria era o IVA federal. Nossa proposta está contemplando isso. Temos IVA estadual e municipal e IVA federal. A carga tributária é a mesma: 35% (para estados e municípios) e 35% para a União. O que o governo quiser mais vamos discutir. Apresentamos o relatório e abrimos prazo para vista. Estão chegando emendas e, paralelamente, estamos tentando construir consenso dos textos: Câmara, Senado e governo, para poder facilitar para todo mundo.

Comissão mista

Estamos pensando em formar uma comissão mista de deputados e senadores, em que um indica o presidente e o outro indica o relator, com a presença informal do governo – porque essa comissão não existe tecnicamente. Política se faz com conversa, com saliva. Vamos sentar em uma mesa e discutir. Em nosso relatório, já contemplamos muita coisa boa que está na proposta da Câmara. Acredito que 30 dias são suficientes para isso.

A Câmara fica com uma posição de presidente da comissão, o Senado como relator e o governo dialogando. Concluído o trabalho, chegamos a um texto comum. A comissão é encerrada, já que não tem nenhum sentido prático, e volta aquele caminho natural que já estava [em curso]. Esse é o rito constitucional.

A Câmara vai aceitar?

Eu não posso falar pela Câmara, mas o Senado está muito tranquilo. Nossa proposta está bem mais adiantada. Ninguém acreditava na proposta do Senado, do ponto de vista da eficácia. Achavam que a Câmara era mais rápida, porque não conhecem as regras.

Isso é o regimento interno, a Constituição e as leis que definem o rito interno de cada casa. Na Câmara, para tramitar uma emenda constitucional, é uma regra muito mais difícil e demorada. No Senado, é outra coisa, você pode passar uma PEC em 45 dias. Pode pautar em 20. Basta sentar em uma mesa e fazer acordo de liderança. Se eu quisesse, teria lido isso há 20 dias. Os líderes estavam me dando carta branca para tocar.

Atraso nacional

Quanto tempo o Brasil está esperando [uma reforma tributária]? 30 anos? 40? 50? É a última janela de oportunidade desta geração. O Brasil está muito atrasado em relação ao IVA. Se demorar muito nisso, daqui a pouco tem outra coisa possivelmente diferente. O mundo inteiro está discutindo.

Por exemplo: compra de internet. Como faz? Qual é a maior varejista do Brasil hoje? [Os demais presentes na sala responderam: Mercado Livre]. E quanto paga de imposto? A mudança muda se você não muda. Muda na marra.

Estamos em um hotel cinco estrelas em São Paulo. Se precisarmos ligar, vamos usar Whatsapp. Quanto vamos pagar de imposto? E o pobre que está no interior do Maranhão? Ele vai ter que comprar um pré-pago com 50% de imposto. Quem paga no Brasil é o pobre.

Mas isso não era possível, não havia Whatsapp dez anos atrás. E como será daqui a cinco ou dez anos? As pessoas têm medo. É evidente que, quando não há mudança por muito tempo, as pessoas resistem. Por isso tem que haver uma transição dos modelos.

Municípios vão perder?

Hoje, o IPVA não tem avião, barco, iate, mas vai ter. O IPVA é metade para o município e metade para o estado. No nosso, é 100% para os municípios. Além disso, o ITCMD (Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos) será arrecadado pela União mas é 100% repassado para os municípios. Somando isso ao final, haverá mais ou menos um acréscimo no FPM (Fundo de Participação dos Municípios) em torno de 30%. Então, como o município vai perder?

Queremos criar um fundo de desenvolvimento e priorizar saneamento básico, que é um serviço essencialmente do município. Se criarmos um fundo que tenha 1/3 do que o Brasil paga para poder arrecadar, ou seja R$ 24 bilhões, podemos colocar em um fundo de saneamento básico. Estamos falando de R$ 2 bilhões por mês pelos municípios, muito especialmente os pequenos, já que os maiores, que têm mais interesse econômico, deverão contar com capital privado, pelo novo marco regulatório que aprovamos e está na Câmara.

Na medida em que temos a possibilidade de o capital privado entrar com marco legal, regulamentação e segurança jurídica, é evidente que o capital privado chega e vai preferir o município maior. E os pequenos? Aí entra o recurso do fundo. Então, não há possibilidade de os municípios perderem.

Estamos votando o pacto federativo. De 7 itens, já votamos a cessão onerosa. Só os municípios do Maranhão somados vão receber R$ 444 milhões daqueles R$ 10,5 que representam 15% dos R$ 70 bilhões que haverá para investir de dinheiro do pré-sal. [Autor da proposta, o ex-deputado Luiz Carlos Hauly complementa o raciocínio: “se o Brasil voltar a crescer 5% ao ano, em 15 anos, a arrecadação nacional dos municípios no IVA pode crescer R$ 2,1 trilhão. Só no IVA do município”].

Diagnóstico fiscal

Estamos fazendo, ao mesmo tempo, a reforma da previdência e a reforma tributária. A primeira é um olhar para dentro, com foco no freio, na despesa, para estancar uma sangria dos gastos públicos. Já a reforma tributária tem um olhar para fora, com foco na receita, pisando no acelerador. Por isso que elas têm que estar juntas. A primeira coisa feita com um paciente que tiver um trauma e correr para um posto médico ou hospital é estancar a sangria. É a reforma da previdência. Depois, ele é tratado. É a reforma tributária.

Agora, como se faz para aumentar a entrega para a população (saúde, educação, segurança, infraestrutura)? O Brasil perdeu a capacidade de investimento. Em qualquer lugar do Brasil, com raríssimas exceções, você vai encontrar investimento de dinheiro de empréstimo, não de arrecadação própria. Quando você pega emprestado, está aumentando a folha, porque tem que contratar seja qual for o serviço, está aumentando o custeio e sobretudo empréstimo. Uma hora a carência acaba e tem que pagar. É claro que uma hora vai estrangular. Aí, os estados perderam capacidade não apenas de investimento, mas de endividamento.

Para ampliar a capacidade de investimento e as ofertas para a população, é preciso aumentar a arrecadação tributária. Isso só é possível com crescimento econômico. O governo é sócio das pessoas físicas e jurídicas. Um dos lugares em que o governo tem uma das maiores participações é o Brasil, por causa da carga tributária. Então, na medida em que o crescimento econômico acontece, cresce o bolo, também cresce a arrecadação do governo.

E como aumenta o crescimento econômico? Aumentando investimento. E como aumenta investimento? Com segurança jurídica. Pergunte se esses caras do PT que ganharam [a Mega Sena] se vão investir na Venezuela. Não pode ter ideologia nessa discussão, sobretudo tributária. Temos que ter um jejum ideológico. É matemática, mais do que política. Como se tem segurança jurídica? Se você tiver democracia, liberdade econômica e marco regulatório. Montando essa equação, o mundo todo vem investir aqui.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.