“Gatilhos” melhoram arcabouço fiscal, mas brechas limitam ganhos, dizem especialistas

Expectativa é que urgência do texto seja votada na quarta-feira (17) e que plenário analise o mérito na semana que vem

Marcos Mortari

O plenário da Câmara dos Deputados (Foto: Elaine Menke/Câmara dos Deputados)

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O substitutivo para o projeto de lei complementar do novo arcabouço fiscal (PLP 93/2023), apresentado ontem (15) pelo relator, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), trouxe elementos vistos como positivos por agentes econômicos, como a introdução de “gatilhos” em caso de descumprimento da meta de resultado primário pelo governo, o retorno dos contingenciamentos previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal ou mesmo a fixação dos parâmetros no próprio texto.

Por outro lado, o texto garantiu uma correção generosa para as despesas públicas no exercício de 2024 com a aplicação do teto da banda (2,5% acima da inflação), trouxe “brechas” para que os “gatilhos” não necessariamente sejam acionados e manteve o bônus para investimentos públicos em caso de superação da meta de primário estabelecida − pontos vistos com ressalvas no mercado.

Leia também: Relator inclui gatilhos em arcabouço fiscal e enxuga lista de exceções, mas permite gastos maiores em 2024; veja a íntegra do texto

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Na avaliação da equipe de análise macroeconômica da XP Investimentos, o substitutivo avançou em alguns pontos em comparação com a versão original do PLP, mas a casa manteve leitura neutra, por entender que também houve a incorporação de mecanismos que tendem a ampliar as despesas no curto prazo e serem pouco efetivas na garantia da sustentabilidade fiscal.

Um dos pontos mais criticados pelos especialistas foi a fixação do fator máximo de correção para o limite de despesas em 2024 (2,5%), independentemente do comportamento das receitas. Cálculos preliminares indicavam chances praticamente nulas de o governo conseguir alcançar tal patamar pela simples aplicação da regra. Inclusive, havia uma leitura no mercado de que o ano que vem seria o que teria maior chance de um crescimento menor dos gastos, em razão da desaceleração econômica e da base de comparação elevada ante 2022 (em razão da aprovação da PEC da Transição).

Apesar de verem como positiva a redução da lista de exceções à regra de limitação de despesas, os economistas da XP veem impacto limitado da medida sobre o resultado fiscal do governo. “Embora o projeto tenha avançado ao excluir as capitalizações de empresas estatais das exceções, a inclusão dos gastos com transferências relacionadas ao piso de enfermagem no limite de despesas foi compensada pela inclusão dos montantes anualizados dos valores pagos pelo governo em 2023 na base de cálculo do limite. Assim, o efeito em termos fiscais é praticamente nulo”, sustentam.

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O mesmo vale para a limitação a 50% do crescimento das receitas para corrigir o limite de despesas em termos reais no ano seguinte. “Para um crescimento da receita de 2,0%, a despesa poderia crescer 1,0% (e não mais 1,4%). Em termos nominais, isso significa uma diferença de pouco mais de R$ 8 bilhões ante um limite de quase R$ 2,1 trilhões em 2024. Além disso, o não cumprimento da meta de resultado primário está usualmente associado a cenários de contração econômica, em que o crescimento das despesas será o mínimo estabelecido pela regra de todo modo”, pontuam.

O substitutivo também estabelece que os “gatilhos” sejam acionados caso a despesa obrigatória atinja o patamar de 95% da despesa total. “Dificilmente essas medidas serão acionadas”, ponderam os economistas da XP. “Depois da expansão de despesas com a PEC da Transição, o patamar de despesas discricionárias cresceu substancialmente e as obrigatórias não devem atingir 95% do total tão cedo”.

Outro ponto do texto objeto de ceticismo dos especialistas foi a determinação de que metas de resultado primário sejam compatíveis com uma trajetória sustentável da dívida pública. “Se as metas não demonstrarem a estabilização da dívida no horizonte da lei de diretrizes orçamentárias, essas devem ser modificadas? Se a resposta a essa assertiva for positiva, é provável uma profusão de metas indicativas (para os anos seguintes ao do PLDO) infladas somente para cumprir a determinação legal”, avaliam.

Para o economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper, as novidades introduzidas pelo relator ao texto dão instrumentos a governo que queira fazer ajuste fiscal, a partir da incorporação de “gatilhos” que poderiam ser acionados em caso de descumprimento da meta de resultado primário estabelecida, mas também dão margem de manobra suficiente para os gestores que não queiram buscar maior equilíbrio das contas públicas.

Em análise distribuída no mercado, o especialista em contas públicas observa que foram mantidos no texto os dois principais pontos que dificultam o cumprimento dos limites de gastos e que exigem um forte aumento de receitas para a busca pelo resultado primário apontado: 1) a vinculação de receita aos mínimos constitucionais de Saúde e Educação (que não poderia ser abordada por lei complementar); e 2) a exclusão da regra de reajustes do salário mínimo dos “gatilhos” fiscais.

Ele também destaca que a contratação de servidores só seria vedada pelos “gatilhos” após dois anos consecutivos de descumprimento da meta de resultado primário. Além disso, a possibilidade de o Poder Executivo pedir enviar mensagem ao Congresso Nacional, acompanhada de projeto de lei complementar que proponha suspensão parcial ou a gradação das vedações previstas, fragiliza a regra, ainda que exija demonstração de que o impacto e a duração das medidas adotadas seriam suficientes para compensar o descasamento em relação aos objetivos estabelecidos.

Nos cálculos da equipe da XP, o salário mínimo indexa praticamente 1/3 do Orçamento público − o que na prática vai limitar substancialmente a capacidade de ajuste fiscal do governo, além de tornar a regra fiscal ainda mais engessada.

Para Mendes, além dos gatilhos (embora considere fracos no primeiro ano de descumprimento e ressalte a flexibilidade possível no segundo ano), o substitutivo tem como elementos positivos uma mudança que impede a possibilidade de despesas pagas a título de “Restos a Pagar” ficarem fora do limite orçado e a redução do rol de exceções à nova regra fiscal.

Pelo relatório, ficam incorporados ao limite de despesas os gastos com capitalizações de empresas estatais, transferências relacionadas ao piso de enfermagem e repasses a título do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundeb). Embora os dois últimos sejam incorporados à base de cálculo para 2024.

A mudança na metodologia de cálculo do limite de despesas, que passou a considerar a inflação realizada em 12 meses até junho do ano anterior ao referido, é vista como positiva por Mendes, de modo a evitar o risco de possível manipulação de estimativas a fim de engordar o orçamento para o exercício seguinte.

A mudança, porém, pode ajudar o governo a ampliar gastos em um primeiro momento, segundo os economistas da XP. “Como é muito provável que a inflação do fim deste ano fique acima do acumulado nos 12 meses até junho (nossas projeções apontam 3,9% para os 12 meses até junho e 6,2% ao fim do ano), o efeito disso será uma base de despesas mais inflada para 2025”, explicam.

O retorno da obrigatoriedade de contingenciamentos caso se verifique o distanciamento em relação ao cumprimento da meta de resultado primário, conforme prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), também é visto como ponto positivo, mas a fixação de um mínimo de despesas discricionárias ao patamar de 75% do valor autorizado na lei orçamentária pode limitar a capacidade de ação do gestor.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.