Ex-comandante da Marinha nega ter oferecido tropas para golpe em depoimento ao STF

Almirante Almir Garnier contradiz delação de Mauro Cid e testemunho do ex-chefe do Exército sobre reunião no Palácio da Alvorada

Marina Verenicz

Interrogatórios dos réus da Ação Penal (AP) 2668 -

Almir Garnier Santos

 

Foto: Ton Molina/STF
Interrogatórios dos réus da Ação Penal (AP) 2668 - Almir Garnier Santos Foto: Ton Molina/STF

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O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta terça-feira (10) o julgamento sobre o suposto plano de golpe de Estado envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros 30 réus. A sessão começa às 9h com o interrogatório do almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha, acusado de ter mobilizado suas tropas para viabilizar a trama golpista.

Esta fase do processo concentra-se na oitiva dos oito réus que, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), integrariam o “núcleo duro” do plano para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Contradição entre comandantes militares

O depoimento de Garnier ganha relevância após declarações do tenente-brigadeiro Carlos Almeida Baptista Júnior, ex-comandante da Aeronáutica, que depôs ao STF em 21 de maio. Baptista Júnior relatou ter participado de reuniões entre Bolsonaro e comandantes militares após as eleições de 2022.

“Em uma dessas reuniões, ele [Garnier] falou que as tropas da Marinha estavam à disposição do presidente”, afirmou o ex-chefe da Aeronáutica, em declaração que coloca o almirante no centro das investigações.

Garnier confirma reunião no Alvorada, mas nega oferta de tropas

Em seu depoimento, o almirante confirmou ter participado de um encontro no Palácio da Alvorada em 7 de dezembro de 2022, com a presença de Bolsonaro, do então ministro da Defesa e do comandante do Exército. Segundo ele, o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens da Presidência, apenas “chegou e ligou o computador”.

Garnier negou categoricamente ter colocado “tropas à disposição” de Bolsonaro para um golpe, contradizendo não apenas Baptista Júnior, mas também o ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, que fez acusação semelhante em depoimento à Polícia Federal.

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“Apresentação no computador” em vez de minuta golpista

Questionado sobre a minuta do golpe, documento que estabeleceria as bases jurídicas para uma intervenção militar, Garnier ofereceu versão alternativa: “Eu não vi minuta, vi uma apresentação no computador”.

Segundo o almirante, “o conteúdo dizia respeito à pressão popular das ruas”, referindo-se às manifestações em quartéis e mobilizações de caminhoneiros após a derrota eleitoral de Bolsonaro. “Talvez alguma coisa sobre o processo eleitoral, a forma como algumas questões eleitorais aconteceram”, acrescentou.

Reunião tratou de “preocupações”, não de “conclusões”

O ex-comandante da Marinha afirmou que não foram discutidas, na reunião de 7 de dezembro, “conclusão ou deliberação” sobre fraudes no processo eleitoral. O encontro teria abordado “deliberações que preocupavam ao presidente e a demais ministros que pudessem descambar para algo não muito agradável”.

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“O presidente nos colocava a par das questões legais que discutia com o PL”, declarou Garnier, tentando caracterizar as conversas como parte do processo legal de contestação eleitoral movido pelo partido de Bolsonaro.

O almirante também negou ter visto qualquer documento durante reunião no Ministério da Defesa, em 14 de dezembro de 2022, entre Paulo Sérgio Nogueira e os três comandantes das Forças Armadas.

A versão contradiz o depoimento de Baptista Júnior, que declarou à PF que o ministro apresentou uma minuta tratando de “estado de sítio ou de defesa”, com a intenção explícita de impedir a posse de Lula em 1º de janeiro de 2023. Garnier sustenta que não viu documento algum e não se recorda dos diálogos.

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Mensagem de Braga Netto elogiando Garnier

O ex-comandante da Marinha também foi questionado sobre uma mensagem enviada por Walter Braga Netto a outro militar indiciado pela PF, o capitão Ailton Gonçalves Moraes Barros. Na comunicação, o ex-ministro orientava a “sentar o pau no Baptista Júnior e elogiar o Garnier”.

O almirante afirmou que tomou conhecimento da mensagem apenas pela imprensa e disse não saber por que seria elogiado por Braga Netto, negando ter conhecimento de qualquer pressão sobre o chefe da Aeronáutica, que era contrário ao golpe.

“Chocado” com os atos de 8 de Janeiro

Questionado pelo ministro Luiz Fux sobre os ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de Janeiro de 2023, Garnier afirmou ter ficado “chocado” com as manifestações violentas, que assistiu pela televisão, já tendo entregado o cargo de comandante da Marinha.

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O almirante negou ter conhecimento de movimentações para incitar a quebradeira nos prédios do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do STF.

Sequência de depoimentos do “núcleo duro”

Na segunda-feira (8), o STF já ouviu o tenente-coronel Mauro Cid — delator cujas revelações embasam a denúncia da PGR — e o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, atual deputado federal pelo PL-RJ.

Após Garnier, serão interrogados, por ordem alfabética: Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do GSI; Jair Bolsonaro, ex-presidente da República; Paulo Sergio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022.

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Mauro Cid havia solicitado dispensa do depoimento, argumentando não ter mais informações a acrescentar além do que já constava em sua delação premiada. O pedido foi negado pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, que escreveu: “Não é o réu que decidirá como será tomado seu depoimento”.