Espinha dorsal da agenda pós-Previdência corre risco de ficar pelo caminho

Analistas políticos adotam tom cauteloso sobre o clima para a aprovação dos próximos passos da pauta econômica no Congresso Nacional

Marcos Mortari

SÃO PAULO – O governo do presidente Jair Bolsonaro deve enfrentar muitas dificuldades para fazer avançar no Congresso Nacional o conjunto de propostas que ficou conhecido como agenda “pós-previdência”. A pauta consiste centralmente em três Propostas de Emenda à Constituição, que vão da implementação de uma nova relação entre os entes da federação e a União até a extinção de fundos públicos.

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Em meio à ausência de base aliada formal no parlamento e a manifestações de incômodo dos legisladores com o descumprimento de acordos firmados pelo Planalto para aprovar mudanças no sistema de aposentadorias, analistas políticos adotam tom cauteloso sobre o clima para a aprovação dos próximos passos da pauta econômica e desconfiam da viabilidade de pontos específicos em discussão.

É o que indica a décima primeira edição do Barômetro do Poder, iniciativa do InfoMoney que compila mensalmente as expectativas das principais casas de análise de risco político e analistas independentes em atividade no Brasil sobre alguns dos principais assuntos da cena política nacional.

O levantamento mostra que, de quatro medidas econômicas apresentadas ao longo do último mês pelo Palácio do Planalto, a chamada “PEC Emergencial” é tida como mais simples de ser aprovada, na avaliação dos especialistas.

O texto visa estabelecer medidas temporárias e permanentes para a União e estados em momentos de fragilidade fiscal. Dos especialistas consultados, 46% veem chances altas de a PEC Emergencial passar pelo crivo de deputados federais e senadores. Outros 54% atribuem chances moderadas de isso acontecer.

A PEC Emergencial é similar a uma outra proposta em discussão na Câmara dos Deputados e é considerada prioridade na pauta econômica do governo.

O Barômetro mostra que a maioria dos entrevistados (67%) espera que o texto seja aprovado no parlamento até o final de junho do ano que vem. Outros 17% acreditam que a proposta deve ter tramitação concluída no terceiro trimestre, ao passo que 8% acreditam que ela só sai nos últimos três meses do ano. Por fim, outros 8% não esperam que o texto seja votado em 2020.

Participaram desta edição do Barômetro nove casas de análise de risco político: BMJ Consultores, Control Risks, Eurasia Group, Medley Global Advisors, Patri Políticas Públicas, Prospectiva Consultoria, Pulso Público, Tendências Consultoria e XP Política. E quatro analistas independentes: Antonio Lavareda (Ipespe); os professores Carlos Melo (Insper) e Cláudio Couto (EAESP/FGV) e o jornalista e consultor político Thomas Traumann.

Já a chamada PEC Mais Brasil, que trata do que o ministro da Economia, Paulo Guedes, costuma chamar de “pacto federativo”, é vista pelos analistas como a proposição mais difícil dentre as três entregues neste formato, no início de novembro, pessoalmente por Bolsonaro e ministros ao parlamento.

O texto altera o conjunto de regras constitucionais que determinam a forma como são distribuídos e gastos recursos da União, estados e municípios. Nele, são tratadas questões como a distribuição de royalties do pré-sal, a distribuição do salário-educação, a unificação do mínimo exigido para alocação em saúde e educação, a decretação de estado de emergência fiscal, a extinção de municípios e a criação do Conselho Fiscal da República.

O Barômetro do Poder mostra que apenas 8% dos analistas consultados veem chances altas de a PEC Mais Brasil avançar no Congresso Nacional. Por outro lado, 46% atribuem chances baixas de êxito para a proposta, enquanto 46% veem probabilidade moderada de isso acontecer.

No meio do caminho, aparece a PEC dos Fundos Públicos. O objetivo do governo é extinguir todos os fundos orçamentários infraconstitucionais que, no prazo de dois anos, não forem convalidados por meio de lei complementar específica e que parte dos recursos seja usada no abatimento de parte da dívida pública.

A proposta também prevê que novos recursos direcionados a esses fundos sejam aplicados prioritariamente em programas de erradicação da pobreza e obras de infraestrutura.

De acordo com o Barômetro, 23% dos entrevistados veem chances baixas de tal proposta prosperar, contra 15% que atribuem probabilidade alta. Outros 62% preferiram adotar postura mais cautelosa sobre o futuro do texto.

Também entrou nos questionamentos do levantamento a chamada MP do Emprego Verde Amarelo, editada pelo governo há três semanas. A iniciativa é tratada no mundo político como a nova fase da reforma trabalhista e tem enfrentado resistência no parlamento, com ameaças de devolução do texto ao Planalto, apontamentos de inconstitucionalidade e 1.930 emendas.

O Barômetro do Poder mostrou que 59% dos analistas consultados acreditam que a MP tem chances baixas de ser aprovada pelos legisladores. Na outra ponta, 17% veem probabilidade alta, ao passo que 25% atribuem chance moderada de isso acontecer.

Dos pontos específicos que tratam as três PECs e a MP analisadas, a pauta que deve sofrer maior resistência no parlamento é a que prevê a fusão de municípios com até 5 mil habitantes e arrecadação própria menor que 10% a arrecadação total com um município vizinho.

Também já está na mira dos congressistas o dispositivo da MP do Emprego Verde Amarelo que estabelece taxação do seguro-desemprego como forma de financiar a desoneração da folha da faixa de trabalhadores mais jovens. A medida é defendida pelo governo como um incentivo ao ingresso no mercado de trabalho, mas é criticado por prejudicar trabalhadores no pior momento da vida profissional.

A unificação de gastos na saúde e educação, a criação de gatilhos de emergência fiscal para estados e municípios e a possibilidade de redução temporária de jornada e salários de servidores também são medidas vistas com ceticismo pelos analistas quanto à viabilidade de aprovação no parlamento.

Por outro lado, devem ter vida mais fácil dispositivos como a criação do Conselho Fiscal da República, formado pelos presidentes da República, Câmara, Senado, Supremo Tribunal Federal (STF), Tribunal de Contas da União (TCU), governadores e prefeitos, que se reunirão para avaliar a situação fiscal da União, estados e municípios.

A uniformidade de conceitos fiscais e orçamentários entre estados e municípios também é vista como uma medida de provável aprovação no parlamento, a despeito dos efeitos negativos que possa causar a alguns entes subnacionais em situação pior do que a hoje expressa em suas próprias contas.

Governabilidade

Os analistas políticos consultados pelo Barômetro do Poder identificam uma piora nas relações entre o governo e o parlamento e uma redução na capacidade de a administração Bolsonaro aprovar proposições que dependam de tramitação no Poder Legislativo.

“O Governo perdeu toda a iniciativa no Congresso com o não pagamento das emendas e o envio do pacote Guedes sem discussão prévia”, observou um dos participantes do levantamento.

“Bolsonaro não só não tem uma coalizão, como deixou o próprio partido que alugou em 2018 para disputar as eleições. Ainda no mês 11 de seu primeiro ano de primeiro mandato, Bolsonaro brigou com Santos Cruz, Bebianno, Joice Hasselmann, Alexandre Frota, o PSL. E espera passar reformas de Paulo Guedes pelo Congresso de que forma? Um eventual — e bem possível — fracasso da agenda de reformas será debitado da conta de quem?”, pontuou outro.

Segundo o levantamento, 85% dos consultados consideram a relação entre Planalto e Congresso ruim ou péssima. Para 62%, a qualidade relação permanecerá estável nos próximos seis meses, enquanto 38% trabalham com a possibilidade de piora no clima. Nenhum dos entrevistados aposta em uma melhora nas relações entre os Poderes.

O Barômetro também mostra que subiu de 39% em outubro para 54% o percentual de analistas que veem como baixa a capacidade do governo de aprovar proposições no Congresso. Já o grupo que considera alta essa condição foi de 15% para 0% no mesmo período.

Um dos principais desafios listados pela maioria dos analistas para o andamento da agenda de reformas econômicas foi o novo partido do presidente Jair Bolsonaro. Há uma preocupação de ambiente menos construtivo com as siglas do chamado “centrão”, além do empenho de forças pelo mandatário no objetivo de tirar do papel a sua legenda, em detrimento à construção de diálogos pela aprovação da pauta “pós-previdência”.

“O novo partido [do presidente Jair Bolsonaro] irá piorar a relação do ‘centrão’ com o Planalto”, avaliou um dos respondentes desta edição do levantamento.

A despeito da percepção de um clima mais desfavorável para o governo no parlamento, a edição de novembro do Barômetro mostrou uma leve elevação na média das estimativas dos analistas para a quantidade de deputados e senadores alinhados com o governo, embora as projeções para o tamanho da oposição também tenham crescido.

Segundo o levantamento, dividindo os 513 deputados federais e os 81 senadores em três grandes grupos (alinhados com o governo, de oposição e indefinidos), a média das estimativas dos especialistas aponta para uma base aliada com 93 assentos na Câmara (18%) e 20 no Senado (25%). Em outubro, a média das estimativas era de 93 e 16, respectivamente.

As estimativas para os parlamentares alinhados à atual administração vinham em uma queda quase ininterrupta desde janeiro, quando marcavam 242 deputados e 38 senadores. Naquela época, ainda se especulava sobre a possibilidade de construção de uma coalizão efetiva no parlamento, o que acabou perdendo força logo nos primeiros meses de legislatura.

Do lado da oposição, também houve um ajuste nas estimativas dos analistas, que saltaram de 142 para 156 deputados entre outubro e novembro, e de 18 para 21. Ao contrário da base teórica do governo, que variou entre 242 e 91 assentos na Câmara dos Deputados, as estimativas para este grupo não apresentaram significativas alterações ao longo do tempo: entre 138 e 159.

Movimento lateral, mas favorável a Bolsonaro, também foi visto na percepção sobre o apoio da sociedade ao governo. Em uma escala de 1 (muito baixo) a 5 (muito alto), 69% dos consultados atribuem nota 3 (regular) ao endosso que o presidente recebe das ruas. Outros 31% dão nota 2 (baixo) a esse apoio.

Em outubro, esses grupos respondiam, respectivamente, a 54% e 38% dos entrevistados. Por outro lado, 8% davam nota 4 (alto) ao apoio da sociedade ao presidente.

“Embora sofra desgastes constantes, o governo ainda se beneficia do fato de ser uma administração nova, com pouco menos de um ano. Isso lhe dá alguma paciência por parte dos demais atores políticos e, principalmente, por parte da sociedade, que ainda espera que as coisas deem certo. Com o passar do tempo, se resultados sensíveis não aparecerem, o desgaste deverá se acentuar. De qualquer forma, ainda ter cerca de 30% de aprovação popular após tantas confusões é um fato notável”, comentou um dos participantes.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.