Equipe de Lula implementa medidas e sinaliza mudanças antes da posse

No conjunto de ações estão a PEC da Transição e revogações de decretos do governo Bolsonaro sobre armas, meio ambiente e privatizações

Luís Filipe Pereira

Lula faz primeiro discurso após ser eleito presidente da República (Daniel Munoz/VIEWpress)

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Eleito em 30 de outubro com mais de 60 milhões de votos para um inédito terceiro mandato presidencial desde a redemocratização, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá um início de governo respaldado por medidas tomadas antes mesmo de assumir o Palácio do Planalto e substituir o presidente Jair Bolsonaro (PL).

Um destes exemplos é ampliação do número de ministérios, secretarias e órgãos com status ministeriais. Serão 37 − o que, segundo Lula, não vai representar maior oneração para os cofres públicos.

De acordo com o documento produzido pela equipe de transição no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, as pastas seguirão uma organização estratégica a partir de três eixos de atuação: Desenvolvimento Social e Garantia de Direitos; Desenvolvimento Econômico e Sustentabilidade Socioambiental e Climática; e Defesa da Democracia e Reconstrução do Estado e da Soberania.

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PEC da Transição

No conjunto de ações também está a PEC da Transição, aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal às vésperas do recesso parlamentar, e que permitirá ao novo governo ampliar o teto de gastos em R$ 145 bilhões no Orçamento de 2023.

Deste total, R$ 70 bilhões serão usados para complementar os valores do Bolsa Família (programa que será retomado no lugar do Auxílio Brasil), com pagamento mensal de R$ 600 mais uma parcela adicional de R$ 150 a famílias com crianças de até seis anos em todos os grupos beneficiários.

Os outros R$ 75 bilhões devem contemplar políticas de saúde, como as despesas envolvendo o programa Farmácia Popular, e também o Auxílio Gás, além do aumento real do salário-mínimo e outras promessas de campanha de Lula que poderiam esbarrar nas limitações impostas pelo teto de gastos.

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A PEC da Transição também prevê que o próximo presidente encaminhe ao Congresso Nacional, até 31 de agosto de 2023, um projeto de lei complementar com o objetivo de instituir um novo regime fiscal “sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do país e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico”.

O texto da emenda constitucional deixa de fora do teto de gastos despesas custeadas com receitas próprias ou doações para certas finalidades, como despesas com projetos socioambientais e instituições federais de ensino. A intenção é evitar que essas receitas sejam contingenciadas para cumprir o teto de gastos, já que o aumento de receita obtido dessa forma não implica igual aumento de limite de despesas.

Segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal, no governo do presidente Jair Bolsonaro o teto de gastos passou por cinco modificações, que teriam somado um impacto fiscal de R$ 213 bilhões em relação ao desenho original.

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Impostos sobre combustíveis

O futuro ministro da Fazenda Fernando Haddad (PT) chegou a pedir à equipe de Jair Bolsonaro que não prorrogasse a desoneração de impostos federais que incidem sobre combustíveis.

Em vigor até 31 de dezembro, portaria baixada pela atual administração zera tributos sob controle do governo federal sobre combustíveis como PIS/Pasep e Cofins. No caso da gasolina, também foi zerada a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico).

Aprovado pelo Congresso Nacional, o Orçamento de 2023 prevê a manutenção da desoneração no próximo ano, a um custo de R$ 52,9 bilhões para os 12 meses. Desse total, a renúncia de arrecadação é estimada em R$ 34,3 bilhões para a redução de PIS/Cofins e Cide de gasolina, etanol e gás veicular e em R$ 18,6 bilhões para o corte de PIS/Cofins sobre diesel, biodiesel, gás liquefeito e querosene de aviação.

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Em 2022, o corte de tributos sobre combustíveis pesou significativamente para conter a inflação, com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registrando queda nos preços em julho, agosto e setembro.

A possibilidade de a desoneração ser interrompida de forma abrupta logo no início do novo governo gerou reações na opinião pública e uma preocupação com os possíveis impactos inflacionários da medida, com o potencial de contágio sobre bens e serviços afetados pela dinâmica dos combustíveis.

O preço da gasolina poderia subir R$ 0,69 a partir do domingo (1º); o do diesel, R$ 0,33; e o do etanol, R$ 0,26, segundo cálculo do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), do consultor Adriano Pires. Economistas da XP Investimentos estimam que a volta dos tributos poderia provocar um aumento adicional do IPCA em 0,51 ponto percentual ao ano.

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Poucos dias antes da posse e atento ao potencial desgaste da medida logo no início de seu governo, Lula decidiu prorrogar a isenção dos tributos federais sobre a gasolina, o diesel e o etanol, mas ainda não definiu o prazo − a avaliação é que o mais provável seria por dois ou três meses.

Durante a campanha eleitoral, Lula fez diversas críticas à política de preços da Petrobras, conhecida como PPI (Preço de Paridade Internacional).

O programa de governo do petista falava em “abrasileirar” os preços praticados pela companhia estatal, considerando os custos nacionais de produção, e ampliar o parque de refino.

Escolhido por Lula para comandar a Petrobras no próximo governo, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) é autor de uma proposta em discussão no Congresso Nacional para a criação de um fundo de estabilização de preços.

Apesar da decisão de Lula de segurar a volta dos tributos federais, o início de 2023 deve ser marcado mesmo assim por um cenário de alta nos preços dos combustíveis, em razão da recomposição do ICMS (imposto estadual que é a principal fonte de arrecadação dos governadores e que teve a sua alíquota limitada após articulação do governo Bolsonaro, a poucos meses da eleição).

A elevação do ICMS é esperada com o fim da forma como tributo vem sendo cobrado. A aprovação das leis complementares 192 e 194 pelo Congresso, com o apoio do governo Bolsonaro, limitou a alíquota do imposto para conter a alta dos preços dos combustíveis a poucos meses das eleições.

A aprovação de leis permitiu uma redução artificial da tributação (e dos preços), mas afetou a arrecadação dos governos estaduais, que questionam no Supremo Tribunal Federal (STF) as mudanças. A lei complementar 194, por exemplo, transformou os combustíveis em bens essenciais e limitou as alíquotas estaduais a 17% ou 18%, por exemplo.

Para enfrentar as perdas de receita e aumentar a arrecadação, 11 estados aprovaram leis que elevam a alíquota do ICMS modal (a mais baixa que pode ser praticada) a partir de 1º de janeiro. A alta varia de 1 a até 4 pontos porcentuais — caso de Sergipe, onde a alíquota mínima subirá de 18% para 22% e permitirá ao governo estadual aumentar o tributo sobre os combustíveis.

Há uma expectativa de que o futuro presidente da Petrobras promova uma redução dos preços nas refinarias que compense em parte o efeito do fim da desoneração dos impostos federais. Lula voltou a dizer, na quinta-feira (29), que os preços vão cair com a nova diretoria da estatal.

O dilema para o governo é o que fazer até lá com a desoneração dos tributos federais (PIS/Cofins e Cide): acabar de uma vez com a renúncia fiscal ou fazer um desmame gradual. Um dos problemas é que pode demorar mais de 30 dias para Prates assumir o comando da Petrobras.

Revogações

Segundo o documento produzido pelo grupo de transição, o novo governo pretende iniciar um trabalho de revisão sobre atos do governo de Jair Bolsonaro com o propósito de avançar na privatização de empresas estatais como Petrobras, Correios, Nuclep, EBC e Conab.

Também serão revistas políticas públicas implementadas nos últimos quatro anos que facilitaram a venda e circulação de armamento no país. A ideia é revogar oito decretos (9845/2019, 9846/2019, 9847/2019, 10030/2019, 10627/2021, 10628/2021, 10629/2021, 10630/2021) e uma portaria interministerial (MJ/MD 1634/2020).

No teor destes textos estão medidas que permitiram que civis tenham acesso a armas de diversos calibres considerados anteriormente de uso restrito das forças armadas, como pistolas .40 e 9 mm; além de aumentar os limites de armamento a serem adquiridos por CACs (colecionadores, atiradores esportivos e caçadores) e permitir a prática de tiro esportivo por adolescentes de 14 a 18 anos, desde que autorizados pelos pais.

No Meio Ambiente, o objetivo é fortalecer a legislação ambiental para conter a prática de crimes ambientais, como o desmatamento; reverter a autorização para o garimpo ilegal na Amazônia; e combater a impunidade quanto às multas ambientais.

Dessa forma, a proposta do grupo de transição é a revogação dos decretos nº 10.142/2019, 10.239/2019, 10.845/2021, 9.760/2019, 10.966/2022 e parte dos decretos 10.086/2022, 10.223/2020, 10.144/2019.

Segundo os trabalhos realizados pela equipe de transição, as medidas contidas nos atos normativos acima permitiram a anulação de multas ambientais, além de paralisar o sistema de fiscalização e criar um ambiente propício a hostilidades e perseguição aos fiscais por parte dos infratores. De acordo como relatório da transição, os prejuízos para os cofres públicos neste âmbito chegam a R$ 18 milhões.