“Encruzilhada fiscal”: os 5 fatores que podem levar o governo a mudar a meta de 2025

Decisão será conhecida na apresentação do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, que precisa ocorrer até segunda-feira (15)

Marcos Mortari

Simone Tebet e Fernando Haddad (Diogo Zacarias / MF)

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O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve bater, nos próximos dias, o martelo sobre a meta fiscal que será apresentada no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025 para apreciação do Congresso Nacional.

O texto precisa ser encaminhado pelo Poder Executivo até a próxima segunda-feira (15) e poderá ratificar o objetivo de geração de superávit primário de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) − como foi vendido pela equipe econômica do governo federal durante as discussões sobre o novo marco fiscal no ano passado − ou indicar uma “correção de rota” com a redução da meta (movimento que também pode ficar para o futuro).

Ao longo dos últimos dias, veículos de imprensa publicaram que a equipe econômica avaliaria reduzir a meta para um resultado primário entre 0% e 0,25% do PIB no ano que vem, tendo em vista a percepção de necessidade de esforço arrecadatório adicional de difícil viabilidade para atingir o objetivo original.

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Pelo novo marco fiscal, o governo federal tem 2 regras principais a seguir na gestão das contas públicas. A primeira consiste no respeito a um limite de despesas, que cresce anualmente a uma proporção de 70% da evolução das receitas no exercício anterior, respeitando um intervalo de avanço em termos reais (ou seja, descontada a inflação oficial) de 0,6% a 2,5%.

Já a segunda corresponde à conhecida meta de resultado primário, que, com o arcabouço fiscal, passou a contar com uma banda de tolerância de 0,25 ponto percentual para cima ou para baixo em relação ao PIB. Como a tendência é sempre de as despesas serem condicionadas pelo teto, a ponta sujeita a maior discricionariedade de agentes políticos é justamente a do resultado primário.

A lei complementar que instituiu o novo arcabouço fiscal (LC 200/2023) determina, entretanto, que a LDO estabeleça as diretrizes de política fiscal e as respectivas metas de resultado primário do governo central para o exercício a que se referir (no caso, 2025) e os 3 seguintes (ou seja, até 2028), “compatíveis com a trajetória sustentável da dívida pública” – isto é, apontando para a estabilização da relação entre a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) e o PIB dentro de um horizonte de 10 anos.

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Conforme sinalizou o secretário-executivo do Ministério do Planejamento e Orçamento, Gustavo Guimarães, ao InfoMoney na semana passada, a decisão sobre manutenção ou mudança da meta poderá estar mais ou menos sujeita ao crivo da Política, dependendo do tamanho do possível hiato entre as estimativas para receitas e despesas.

Na prática, quanto mais próximas as projeções de arrecadação feitas pela Receita Federal estiverem do patamar esperado para o limite de despesas no ano que vem, mais simples seria uma construção pela manutenção da meta de superávit de 0,5% do PIB (que também poderia permitir uma execução menor, de 0,25% do PIB, sem a implicação de sanções ao governo federal). Por outro lado, se a distância for grande, caberá ao Poder Executivo avaliar se planejará novas ações com potencial arrecadatório para fechar o “gap” ou revisará a meta.

Leia também: Orçamento de 2025 impõe dilema ao governo: mudar ou manter a meta fiscal?

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No mercado financeiro, a leitura é que seria uma surpresa o governo conseguir entregar no ano que vem o nível de superávit apontado. Segundo a última edição do Relatório Focus, do Banco Central, a mediana das estimativas dos economistas aponta para um déficit de 0,6% do PIB em 2025, que cai para -0,5% em 2026 e -0,25% em 2027.

Mesmo assim, qualquer mudança no compromisso inicialmente sinalizado é considerada sensível. Agentes econômicos costumam reagir negativamente a notícias sobre tal possibilidade. A preocupação é com o nível de compromisso com a regra criada − o que integrantes da equipe econômica garantem que não está em questão.

Por outro lado, também existe uma leitura no mercado de que o movimento, dependendo de como for executado, poderia trazer um cenário benéfico ao retirar o nível de incerteza sobre novas medidas de aumento de tributação mais agressivas, além de aproximar o horizonte da política fiscal das expectativas dos agentes.

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Caso as projeções para receitas e despesas da equipe econômica confirmem o desequilíbrio fiscal já esperado pelo mercado, uma decisão política irá se impor à Junta de Execução Orçamentária (JEO) − grupo formado pelos ministros da Casa Civil, Rui Costa (PT); da Fazenda, Fernando Haddad (PT); do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB); e da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck.

Além dos riscos potenciais sobre a credibilidade da regra, podem levar o governo a, por ora, manter a meta de superávit de 0,5% do PIB um possível hiato menor entre as projeções de despesas e receitas (cenário considerado pouco provável por especialistas) ou mesmo uma gestão de incentivos relacionados ao timing do movimento.

Neste caso, como a meta fiscal pode ser alterada durante toda a tramitação do PLDO no Congresso Nacional, a pergunta posta seria: por que mudar já na largada da discussão? Uma possível resposta estaria em quão sensíveis seriam as ações de geração adicional de receitas que precisariam ser apontadas para bancar o superávit de 0,5%.

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Ao menos 5 fatores podem pressionar o Poder Executivo a já anunciar uma mudança na meta fiscal de 2025:

1. Pressão política. Apesar de o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), reiterar a importância da parceria com o Congresso Nacional para a aprovação das medidas fiscais defendidas pelo governo federal, a pressão de parlamentares por novas despesas ou gastos tributários pode dificultar o atingimento dos objetivos postos, sobretudo com a crescente influência do calendário eleitoral sobre a agenda dos legisladores.

Uma amostra disso foi observada nas tratativas iniciais envolvendo a Medida Provisória 1202/2023, que inicialmente tratava da reoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia, revogava o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e redução da alíquota previdenciária cobrada de determinados municípios. O texto foi desidratado para poder começar a tramitar no Legislativo e agora só conta com um limite para a compensação anual de créditos tributários. Os outros assuntos serão discutidos em projetos de lei separados e com menor potencial do que o desejado inicialmente pela equipe econômica.

2. Risco de sanções. A lei complementar que instituiu o novo marco fiscal (LC 200/2023) prevê que, caso o resultado primário do Governo Central apurado seja menor que o limite inferior do intervalo de tolerância da meta, regras adicionais são aplicadas. A primeira consiste na redução do fator de ajuste das despesas no exercício seguinte (que passa de 70% do crescimento das receitas para 50%) − o que também afeta toda a série histórica do comportamento de gastos disponíveis para o governo no futuro.

Além disso, o texto prevê o acionamento de uma série de gatilhos fiscais previstos na Constituição Federal com efeitos enquanto perdurar o descumprimento da regra. No primeiro ano de descumprimento, o governo já ficaria impedido de criar cargo, emprego, função ou alteração de estrutura de carreira que impliquem aumento de despesa. Também são vedadas a criação de despesas obrigatórias, a adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação e concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária. Além de criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios.

No segundo ano de descumprimento da meta fiscal, são incorporadas restrições adicionais à concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e de militares, admissão ou contratação de pessoal e realização de concursos públicos.

As punições previstas mostram, na prática, que metas ousadas podem impor custos políticos elevados. A iminência de descumprimento de um objetivo, portanto, eleva incentivos para sua modificação em algum momento para evitar sanções futuras.

3. Arrecadação não recorrente. O fato de que parte importante das receitas esperadas pelo governo para 2024 não ser recorrente gera uma necessidade ainda maior de arrecadação adicional no exercício seguinte − distanciando, assim, a equipe econômica do cumprimento da meta. Neste ano, devem ajudar as contas públicas os recursos oriundos de estoque de julgamentos pendentes no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), de renovação de concessões de infraestrutura, e da própria regularização de estoques de ganhos com aplicações em fundos exclusivos, além de novas rodadas de programas de conformidade da Receita Federal (como o “Litígio Zero”).

4. Distanciamento entre despesas e receitas. No próprio governo, há um reconhecimento de que, quanto maior o hiato entre o limite de despesas esperado (pela aplicação da regra do novo marco fiscal) e as receitas projetadas para o período, mais elevado seria o sacrifício político para bancar a meta fiscal original − o que eleva custos e gera novos incentivos para revisões dos objetivos estabelecidos.

5. Desconfiança do mercado. A distância entre as expectativas de agentes econômicos para o resultado primário dos próximos anos e o que projeta o próprio governo federal pode gerar incentivos para um ajuste que aproxime os dois cenários. O movimento, contudo, é sensível e depende de comunicação adequada da equipe econômica para não afetar negativamente as expectativas do mercado.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.