Eduardo Leite: Lula tenta reproduzir políticas que deram errado no passado

Cotado como presidenciável em 2026, governador do Rio Grande do Sul defende oposição responsável ao PT e diz que PSDB tem de apresentar nome para furar polarização

Fábio Matos

Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul (Foto: Maurício Tonetto/Secom)

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No segundo mandato à frente do Palácio Piratini, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), fala com serenidade sobre a maior crise enfrentada pelo partido que polarizou a política brasileira com o PT entre 1994 e 2014, mas perdeu relevância e se tornou coadjuvante nas disputas nacionais após a ascensão do bolsonarismo.

Em entrevista ao InfoMoney, o tucano defende uma oposição responsável ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a quem faz elogios pela relação republicana com os governos estaduais, mas também críticas relacionadas a medidas econômicas que poderiam reeditar o que ele entende como equívocos do passado.

“Nós não precisamos tentar convencer as pessoas de que as intenções do PT e do Lula são nefastas. Até porque eu não acredito nisso. Acredito que sejam equivocados. Que, buscando trazer sensação de bem-estar no curtíssimo prazo, desprezam as consequências de médio e longo prazo”, afirma o governador gaúcho.

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Ele cita como exemplos negativos o segundo mandato de Lula (2007-2010) e os dois governos de Dilma Rousseff (2011-2016), marcados por ampliação do gasto público, desequilíbrio fiscal, farto incentivo ao crédito e concessão de subsídios indiscriminados a diversos setores da economia.

“Apertaram o pé no acelerador do gasto público, geraram um enorme problema fiscal para o país, que quebrou enquanto o mundo crescia. O Brasil entrou na mais profunda recessão de sua história, em 2015 e 2016, resultado das políticas econômicas adotadas por governos petistas que parecem se reproduzir novamente agora”, analisa Leite.

Na conversa com a reportagem, o governador gaúcho minimiza as disputas internas no PSDB – como as prévias nas quais enfrentou o ex-governador de São Paulo João Doria, em 2021, ou os questionamentos à Justiça de parte do tucanato paulista, em 2023, contra sua gestão à frente da Executiva Nacional (hoje comandada pelo ex-governador de Goiás e seu aliado Marconi Perillo). E defende que o partido apresente uma alternativa ao que classifica como polarização radicalizada nas próximas eleições presidenciais.

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“Tenho absoluta convicção de que nossas diferenças são muito menores do que as convergências. Em torno dessas convergências é que vai se construir, de forma unida e pacificada, uma proposta e um caminho para o país em 2026”, diz o governador, que se coloca como uma das figuras para liderar o processo.

Leia os principais trechos da entrevista concedida pelo governador Eduardo Leite (PSDB) ao InfoMoney:

InfoMoney: Trinta anos após vencer sua primeira eleição presidencial, em 1994, o PSDB enfrenta sua maior crise. A legenda perdeu relevância e foi coadjuvante na última disputa presidencial após polarizar os pleitos nacionais com o PT durante 20 anos. Por que isso aconteceu e como o PSDB pode voltar a ser uma alternativa competitiva no cenário político do país?

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Eduardo Leite: Aproveitando a celebração pelos 30 anos do Plano Real, é inevitável fazer uma consideração a respeito de como seria enfrentar a inflação daquela época nas condições políticas atuais. Acho que teríamos muitos políticos e governantes fazendo um esforço enorme para colocar a culpa da inflação em alguém: no Judiciário, nos mercados, neste ou naquele. E o problema continuaria acontecendo. A diferença na forma de o PSDB agir é que, diferentemente de procurar culpados, busca soluções.

Atualmente, vemos uma política que gasta muita energia em apontar o dedo para uns ou outros, e os problemas não são enfrentados. O PSDB deu uma enorme contribuição para a estabilização econômica, política e institucional do país. Cabe lembrar que o presidente Fernando Henrique Cardoso sucedeu um mandato que foi concluído pelo vice-presidente [Itamar Franco], depois do primeiro presidente eleito pelo voto popular após o regime militar [Fernando Collor] não ter conseguido concluir seu mandato por causa de um impeachment.

Depois, quando o PT governou, fomos para a oposição. Muitas vezes, fomos questionados e atacados por supostamente não sabermos fazer oposição. De fato, não sabemos nem desejamos fazer essa oposição que se apresenta hoje − uma oposição destrutiva, que busca criar obstáculos a qualquer iniciativa do governo. A oposição que o PSDB faz é centrada em argumentos, em contrapor tecnicamente as medidas, e não simplesmente em ser um obstáculo ao governo para criar dificuldades ao país.

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O fenômeno que afetou o PSDB não é exclusivo do Brasil. Isso se vê no mundo − talvez pela forma como as pessoas se relacionam pelas redes sociais, e o que mais rende nessas redes a partir dos algoritmos, que insuflam posições mais radicais. Há menos espaço para a moderação, para a razoabilidade, para a sensatez. Entendo que não estamos na política simplesmente buscando vitórias imediatas. Estamos buscando construir um horizonte de oportunidades. Isso significa persistir, mesmo em um momento de dificuldade, no caminho em que acreditamos.

É claro que fomos afetados por essa radicalização da polarização. A polarização, por si só, não é um problema. O PSDB já polarizou com o PT. Mas a forma radical como ela se apresenta hoje, gerando problemas não apenas na política, mas nas famílias, nas amizades, nos locais de trabalho, é muito negativa. Naquele ambiente antipolítico que se apresentou pós-Lava Jato, o PSDB viu seu espaço se estreitar. Mas ele continua vivo, forte, e a força não vem simplesmente do tamanho de bancadas no Congresso ou pelo número de prefeituras. Ela vem justamente da resiliência. O PSDB governa três estados importantes da federação [Rio Grande do Sul, Pernambuco e Mato Grosso do Sul], tem quadros muito relevantes que dão sua contribuição nos Parlamentos. Tenho a convicção de que o partido deve permanecer assim para ser, ao centro, aquele que oferece o caminho alternativo a essa polarização que está posta.

Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, na Expert XP 2023. Tucano deve ser o candidato do PSDB ao Palácio do Planalto em 2026

IM: A ascensão do bolsonarismo, em 2018, foi o fator determinante para a crise do PSDB? Ou é o contrário: o bolsonarismo surgiu exatamente porque o PSDB deixou esse espaço vazio?

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EL: O cenário que vivenciamos na política e na sociedade, e que ultrapassa as fronteiras do nosso país, é mais hostil à moderação que o PSDB encarna. Nunca fomos um partido que pretendeu eliminar adversários, nunca buscamos nos estabelecer como donos da verdade. Sempre buscamos, de forma crítica e equilibrada, apontar um caminho que equilibra − até pela visão da social-democracia, uma visão de tamanho menor do Estado, mas sem desprezar sua importância como regulador em determinadas áreas.

No terreno especialmente fértil naquele período à antipolítica, a moderação acabou tendo menos espaço. As pessoas buscaram as posições mais radicais contra a política e contra políticos, e isso afetou a percepção da sociedade a respeito dos caminhos a serem seguidos. É um cenário difícil, mas no qual precisamos persistir, porque essa polarização radicalizada está se mostrando pouco ou nada frutífera para a sociedade. Está gerando muita briga, muita disputa, e o país não consegue avançar de forma substancial em um momento de grandes mudanças que a tecnologia impõe, na forma como as pessoas se relacionam, em como se produz.

O país precisa acelerar o passo para não perder o bonde da nova economia. Mas gastamos energia e tempo simplesmente no enfrentamento deste ou daquele, deixando de lado os reais problemas. O problema do Brasil é a falta de produtividade, que tem razão na burocracia da máquina pública, na educação de baixa qualidade e no desafio que temos para competir devido à falta de investimentos em infraestrutura. São os inimigos que temos de enfrentar.

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IM: Qual deve ser a postura do PSDB em relação ao governo Lula?

EL: Penso que devemos ser oposição. Mas insisto: não aquela oposição que busca impedir o governo eleito de governar. Devemos ser uma oposição que contraponha o governo com argumentos e ofereça caminhos alternativos. Um grande problema do debate político é que adversários sempre tentam lançar suspeitas sobre a intenção do outro, em vez de debater o caminho apresentado e as possíveis consequências, com base em experiências pregressas.

Não precisamos tentar convencer as pessoas de que as intenções do PT e do Lula são nefastas. Até porque eu não acredito nisso, não acredito que eles sejam mal-intencionados. Acredito que sejam equivocados. Que, buscando trazer sensação de bem-estar no curtíssimo prazo, desprezam as consequências que essas medidas podem ter no médio e longo prazo. Como aconteceu nos outros governos: Lula 2 [2007-2010] e Dilma [2011-2016] apertaram o pé no acelerador do gasto público, geraram um enorme problema fiscal para o país, que quebrou enquanto o mundo crescia. O Brasil entrou na mais profunda recessão de sua história, em 2015 e 2016, resultado das políticas econômicas adotadas por governos petistas, que parecem se reproduzir novamente agora. Em várias frentes, o PSDB compartilha de visões progressistas, de inclusão, de respeito a direitos humanos, de cuidado com as pessoas que mais precisam. Mas o núcleo da sustentação do governo, a sustentabilidade fiscal e a visão sobre a abertura econômica do país são bastante diferentes entre o PSDB e o PT.

IM: O senhor defende que o PSDB tenha candidatura própria à Presidência da República em 2026?

EL: É muito importante apresentarmos uma alternativa a essa polarização em 2026. E ao centro, dentro da moderação e de uma visão que identifica a necessidade de o país reduzir o tamanho da máquina pública, enxugar despesas, abrir mais a nossa economia e, de outro lado, que não deixe de cuidar de quem mais precisa, com políticas inclusivas e de distribuição de renda que ajudem a parcela da sociedade que infelizmente foi colocada à margem ao longo dos anos. Temos de conciliar uma visão de abertura e de maior liberdade econômica, para que o país esteja mais conectado à economia mundial, com ações sociais relevantes. No pobre debate político vigente, isso parece antagônico, mas entendemos que é perfeita e necessariamente conciliável. O PSDB é quem apresenta a possibilidade de oferecer um caminho, porque não gravita em torno de quem está no poder, mas tem uma visão clara de um caminho alternativo. Por isso, é muito importante que o PSDB apresente um caminho com uma candidatura presidencial.

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), em videochamada (Fotos: Itamar Aguiar/ Palácio Piratini)

IM: O senhor será o candidato do PSDB?

EL: A definição do nome se dará mais próximo do processo eleitoral. Há muitas lideranças no partido. Até pela experiência acumulada agora no segundo mandato [como governador do Rio Grande do Sul] e por ter participado intensamente do debate nacional em função das prévias do PSDB, meu nome é lembrado, e, naturalmente, isso me deixa muito honrado. Mas é menos sobre atender a uma aspiração pessoal e mais sobre cumprir com um papel no processo eleitoral. Se ali na frente outro nome aparecer com melhores condições, não tenho nenhum problema com isso. O meu ponto é ajudar a construir uma alternativa. O Brasil não pode chegar a 2026 vivendo o que vivenciou em 2022, quando as pessoas foram às urnas mais para votar contra um dos candidatos do que, efetivamente, a favor daquilo em que acreditavam. Eleição é um momento muito precioso para desperdiçarmos votando contra.

IM: Em 2021, o senhor protagonizou uma disputa dura com o ex-governador de São Paulo João Doria (que já deixou o partido) pela indicação da legenda como candidato à Presidência da República. Como resolver esses conflitos? O senhor acredita que o PSDB caminhará unido em 2026?

EL: Acredito que sim. É natural que haja disputas internas. Isso está presente em todos os partidos políticos que têm projeção e perspectiva de poder. Em todos eles, há algum grau de divergência e disputa interna. O partido reúne pessoas, com suas aspirações e visões de mundo, que estão agrupadas por terem semelhanças entre si, mas não por serem idênticas. Há divergências em uma família ou no local de trabalho, com os nossos amigos… Não será em um partido político que haverá convergência absoluta. Tenho absoluta convicção e confiança de que nossas diferenças são muito menores do que as convergências. Em torno dessas convergências é que vai se construir, de forma unida e pacificada, uma proposta e um caminho para o país em 2026. É o compromisso que temos, mais do que com o próprio partido, mas com o Brasil. É muito importante que o PSDB possa se apresentar como caminho viável ao país.

IM: O presidente Lula está prestes a completar 15 meses em seu terceiro mandato no Palácio do Planalto. Qual é a sua avaliação sobre o governo?

EL: Costumo tomar todos os cuidados para fazer análises, porque, como governador e representante de um ente subnacional, o meu papel é menos o de fazer análises e avaliações e mais de responsabilidade com o meu estado. O que posso dizer é que há uma evolução institucional no país. Sob Bolsonaro, lamentavelmente, havia uma postura de constantes ataques aos entes subnacionais, aos governadores, o que gerou muito prejuízo à melhor colaboração e cooperação, embora houvesse, por parte de alguns ministros, a disposição de trabalhar conjuntamente. Sempre tive uma boa relação com o então ministro Tarcísio [de Freitas, da Infraestrutura, hoje governador de São Paulo], com a ministra Tereza Cristina [Agricultura], com o ministro Paulo Guedes [Economia], entre outros. Mas havia um clima de hostilidade trazido pelo presidente que prejudicava a melhor integração das ações entre o governo federal e os estados.

Sob Lula, há uma melhor compreensão sobre essa integração e menos ataques. Embora persista constantemente, na manifestação do presidente, uma grita do “nós contra eles” e o lançamento de suspeitas sobre as intenções de todos aqueles que não estiverem perfeitamente alinhados ao seu pensamento político, o que eu acho muito negativo para o debate político. Essa radicalização da polarização não pode significar, por parte do presidente, ataques àqueles que não estiverem com ele. Há que se ter respeito a quem pensa diferente, e o presidente precisa fazer um esforço de união nacional, e não de divisão. Não é no grau do seu antecessor, mas essa divisão ainda está presente. As pessoas têm todo o direito de ter pensamentos diferentes. Todos devemos trabalhar por um clima político mais ameno no país.

Geraldo Alckmin, Lula e Eduardo Leite (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

IM: O senhor pretende apoiar a candidatura à reeleição do prefeito Sebastião Melo (MDB) em Porto Alegre, defenderá um outro nome ou ficará neutro?

EL: Em Porto Alegre, buscamos construir uma candidatura que possa ser uma alternativa à polarização que acabou também contaminando o debate em nível local. O PSDB tem um bom nome, que é a deputada estadual Delegada Nadine. Essa candidatura ainda está sendo construída e depende da própria disposição da deputada em fazer esse enfrentamento. Também há um outro grande nome, que até aqui não apresentou maior disposição em ser candidata, que é o da deputada federal Any Ortiz [Cidadania], também com qualidades e credenciais. São duas mulheres que temos na nossa federação [PSDB/Cidadania] e que têm todas as condições de oferecer uma alternativa no cenário local. Esse debate ainda está sendo feito pelas forças políticas dentro da federação.

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Fábio Matos

Jornalista formado pela Cásper Líbero, é pós-graduado em marketing político e propaganda eleitoral pela USP. Trabalhou no site da ESPN, pelo qual foi à China para cobrir a Olimpíada de Pequim, em 2008. Além do InfoMoney, teve passagens por Metrópoles, O Antagonista, iG e Terra, cobrindo política e economia. Como assessor de imprensa, atuou na Câmara dos Deputados e no Ministério da Cultura. É autor dos livros “Dias: a Vida do Maior Jogador do São Paulo nos Anos 1960” e “20 Jogos Eternos do São Paulo”.