E se Dilma “copiasse” Lula e fizesse uma “Carta ao Povo Brasileiro”?

Em meio a altas inflações, baixo crescimento do PIB e a dívida bruta crescendo dia pós dia, Dilma realizaria rígido controle de gastos públicos e não iria tolerar operações pouco transparentes

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Em 22 de junho de 2002, o então candidato a presidente pelo PT, Luiz Inácio Lula da Silva, divulgou a emblemática “Carta ao Povo Brasileiro”, em que procurou tranquilizar a população e o mercado em relação aos rumos que seriam tomados pelo governo se ele saísse vitorioso nas eleições. Assim como agora, naquela época existia no país uma enorme insatisfação popular, um modelo econômico esgotado e um clima de desconfiança mútua entre os empresários e o PT. À época, Lula demonstrou entender o nervosismo dos investidores: “As turbulências do mercado financeiro devem ser compreendidas nesse contexto de fragilidade do atual modelo e de clamor popular pela sua superação.” Para que o país desse um passo à frente, o petista prometeu uma série de reformas que nunca saíram do papel, mas que até hoje fariam muito sentido para o Brasil. “O caminho da reforma tributária, que desonere a produção. (…) Da redução de nossas carências energéticas e de nosso déficit habitacional. Da reforma previdenciária, da reforma trabalhista.” Todas as mudanças seriam feitas de forma “corajosa e responsável”. Seriam premissas do PT no governo o respeito aos contratos, o combate à inflação, a preservação do superávit primário, o controle da dívida pública e a estabilidade – promessas essas que foram cumpridas por Lula durante os oito anos em que esteve no poder.

É triste notar que, após oito anos de progresso econômico e social, o país pareça novamente ter trilhado o caminho do atraso. Desde 2011, Dilma se distanciou dos empresários e investidores, repetindo medidas que ajudaram a levar o país ao desastre econômico nas décadas de 1970 e 1980. Mesmo com o crescimento pífio do PIB, os desequilíbrios se fazem visíveis. A inflação ronda a casa dos 6% apesar do cabresto imposto aos preços administrados. Os valores cobrados por bens e serviços no Brasil assustam inclusive os mais abastados. A dívida bruta cresce a passos largos e já preocupa os investidores. As manobras contábeis do Tesouro Nacional são criticadas até por economistas próximos ao governo. As agências de “rating” podem rebaixar a classificação do Brasil a qualquer momento. A balança comercial só não registrou déficit em 2013 graças a uma exportação fictícia de plataformas que extraem petróleo em águas brasileiras. Os estímulos concedidos ao consumo não foram acompanhados pelo aumento da produção. A infraestrutura entrou em colapso. Portos, aeroportos, rodovias e ferrovias são um verdadeiro calvário para consumidores e empresários. O país vive novamente sob a ameaça de um apagão de energia. Mas e se, 12 anos depois de Lula, Dilma divulgasse ao público sua versão da “Carta ao Povo Brasileiro”?

A seguir a Revista InfoMoney especula como poderia ser esse recado da presidente – que poderia mudar os rumos do país:

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“Minhas amigas e meus amigos,

O Brasil novamente quer mudar. Não que não tenhamos avançado na última década.Durante os governos petistas, mais de 36 milhões de pessoas saíram da extrema pobreza graças a programas sociais como o Bolsa Família e 42 milhões de brasileiros ingressaram na classe média. Os investimentos sociais foram de extrema importância para dar condições mais dignas a milhões de pessoas que viviam nos rincões de pobreza e passaram a ter condições mais dignas para decidir o rumo de suas próprias vidas.

 Passamos pela crise financeira internacional que se iniciou em 2008 com alguns percalços, mas também com relativa tranquilidade. Saímos mais fortes e conseguimos enfrentar as turbulências, graças à população brasileira que, firme, continuou lutando para realizar seus sonhos. Sonhos esses que se tornaram realidade para os 4,5 milhões de brasileiros que conseguiram um novo emprego nos últimos três anos. Com mais renda e crédito, o mercado interno se expandiu fortemente. Os brasileiros estão comprando mais automóveis, geladeiras, televisões e impulsionam a economia. Um Brasil menos desigual e mais justo é o que buscamos construir a cada dia.

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Contudo, ainda há muito por fazer. Mais de 15 milhões de brasileiros ainda vivem abaixo da linha da pobreza. Apenas 47% dos domicílios têm computador e somente 55% possuem máquina de lavar. Sabemos, pelas experiências passadas, que a inflação gera descontrole e tem um poder destrutivo sobre a renda. É de suma importância defender a moeda brasileira e voltar a mirar o centro da meta de inflação de 4,5% ao ano. A partir de agora, isso será quase uma obsessão para nós. Não iremos retroceder – nem que para isso seja necessário abandonar os controles artificiais de preços administrados, como dos combustíveis e da energia. Em compensação, vamos reforçar a independência do Banco Central, cujos diretores passarão a ter mandatos de cinco anos.

As contas públicas também serão usadas para conter o aumento dos preços. Aprendemos, nos últimos anos, que o setor privado é muito melhor que o governo para investir dinheiro. Em caso de vitória nas eleições, fixaremos uma meta de 3% para o superávit primário até 2018, com a possibilidade de elevá-la caso a conjuntura internacional torne essa medida necessária. A economia para alcançar a meta será feita com um rígido controle dos gastos públicos e com o combate à corrupção. Devo assumir que, sim, equivocamo-nos ao adotar o que muitos chamaram de “contabilidade criativa”. A partir de agora, operações pouco transparentes e manobras contábeis não serão mais toleradas. Em meio aos temores sobre o possível rebaixamento de “rating” do país, posso assegurar que seremos pautados pela responsabilidade fiscal, que deve ser reforçada e expandida pelos mais diversos entes da federação, sem que isso implique na descontinuidade dos principais programas sociais. 

Outra obsessão serão os investimentos em infraestrutura, sempre caminhando ao lado do setor privado. Os programas de concessões de rodovias e aeroportos serão ampliados. Os melhores operadores privados de portos e ferrovias também serão convidados a investir no Brasil de forma que o escoamento de nossa produção seja mais barato e eficiente. Todas essas obras vão criar um ciclo virtuoso: regras mais abertas para os próximos projetos devem levar a uma maior competição entre investidores, gerando assim mais investimentos, levando a um aumento da produtividade e ao aumento do sucesso na implementação dos projetos que o Brasil tanto necessita para continuar crescendo. 

As empresas estatais participarão ativamente dessa nova era de investimentos. Faço especial menção à Petrobras (PETR3; PETR4), cuja direção vem fazendo um primoroso trabalho em desenvolver uma das nossas maiores riquezas: os campos do pré-sal. Em um período curto de tempo, mais de 1 milhão de barris de petróleo já estarão sendo extraídos todos os dias de áreas ultraprofundas. Para que o dinheiro do petróleo se transforme em grandes investimentos em educação e saúde, primeiro a Petrobras terá de investir mais de US$ 230 bilhões em um programa de expansão da capacidade de exploração sem paralelo no mundo. 

 O progresso, principalmente no campo econômico e cultural, faz com que a população brasileira passe a exigir mais direitos. O povo, através das manifestações de junho, mostrou-se mais crítico, passou a exigir melhorias sociais e de serviços públicos. Esse foi um dos gatilhos para que promovêssemos os cinco pactos: o de responsabilidade fiscal, o de reforma política, o da saúde, o do transporte público e o de educação. Avançamos em alguns deles, mas, em outros, por diversos motivos, ainda não aproveitamos as oportunidades. Mas não descansaremos. Vamos trabalhar duro para reconquistar a confiança da população e do mercado.”

 Dilma Rousseff


Essa matéria foi publicada na edição 49 da revista InfoMoney, referente ao bimestre março/abril de 2014. Para tornar-se um assinante da revista, clique aqui.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.