“É justo que quem ganha mais contribua com mais”, defende Gleisi Hoffmann

Ao InfoMoney, senadora petista diz que todos precisam contribuir para o ajuste fiscal, e espera do Congresso o mesmo espírito público de quando aprovou medidas que alteraram direitos trabalhistas e previdenciários

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Ministra da Casa Civil durante boa parte do primeiro mandato de Dilma Rousseff, Gleisi Hoffmann voltou a atrair a atenção de jornalistas e do mercado nas últimas semanas. Representante do Partido dos Trabalhadores do Paraná no Senado desde a posse em fevereiro, ela é responsável por conduzir uma das espinhosas pautas do ajuste fiscal do governo no Legislativo e, de quebra, comprou briga com o poderoso lobby das empresas do setor financeiro ao propor doses ainda mais amargas de um remédio que o mercado ainda se recusa a engolir.

Relatora da Medida Provisória 675 no Congresso, que originalmente trata da mudança de 15% para 20% na alíquota do imposto pago pelos bancos à União, Gleisi luta para que as instituições financeiras paguem 23% de CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), além de ter tentado colocar à mesa o fim do benefício dos juros sobre o capital próprio, alterar os créditos tributários dados a indústrias de bebidas na Zona Franca de Manaus e a reoneração de PIS/Pasep e Cofins sobre partes utilizadas em aerogeradores. No caso das últimas três pautas, a senadora se viu obrigada a arredar o pé após conversa com peemedebistas na última terça-feira (18). Mas ela não parece estar disposta a fazer o mesmo em concessões para facilitar a vida dos bancos.

Depois de mais um trimestre de lucros expressivos para as principais instituições do sistema financeiro brasileiro em plena crise, Gleisi mira um aperto mais ousado do que aquele que pretendia o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Ela defende de maneira ainda mais enfática que a conta do ajuste fiscal precisa ser dividida também pelo “andar de cima”. Por trás do apelo por conscientização de seus colegas parlamentares na pauta, a senadora sabe que a resistência será grande e que a pressão do empresariado dificilmente aliviará o desafio. A cada sinalização nova vinda da comissão mista no Congresso que ainda discute o projeto – que, caso bem-sucedido, precisará passar pelo crivo das duas casas e sanção presidencial -, as ações na Bovespa respondem com volatilidade. Mesmo com uma longa tramitação pela frente, investidores tentam colocar no preço dos ativos os possíveis cenários que dependem da pauta defendida por Gleisi. Para entender melhor as mudanças da véspera e o que está por vir, o InfoMoney entrevistou a senadora. Confira os destaques:

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InfoMoney – Nessa terça, circulou a informação de que o PMDB não votaria favoravelmente ao fim dos juros sobre o capital próprio. Logo em seguida, a senhora retirou o assunto do texto sobre a MP 675. Como foi isso?
Senadora Gleisi Hoffmann – Eu até falei em minha exposição que o PLV (Projeto de Lei de Conversão) que gostaria de apresentar seria relativo ao transparecer que protocolei na semana passada, que mantinha a proposta de término do JCP, mesmo que em três anos. Eu achava que isso, mais do que uma questão de retirar um benefício tributário do capital, seria também uma correção de distorção em nosso sistema tributário. Nós já tínhamos corrigido – com meu voto favorável e defesa – distorções na área do seguro desemprego, do próprio abono salarial, da pensão por morte. Então, não era justo deixar de corrigir uma distorção no sistema tributário, que beneficiava o capital, a remuneração de capital.

Obviamente que, pela discussão da reoneração da folha, a casa está bastante contaminada com a pressão dos setores empresariais. Então, o líder do PMDB [Euníco Oliveira (CE)] me procurou e pediu para que essa matéria não fosse colocada agora. Ele ponderou que o pessoal não teve tempo de processar, discutir e até precificar isso em seu planejamento. Vendo que não conseguiria ler o relatório, e, portanto, isso implicaria inclusive no prazo de tramitação da MP aqui, preferi retirar [a matéria do texto]. Vou apresentar um projeto de lei, conversar com a Fazenda para que ela mande uma proposta nesse sentido, para termos uma discussão com mais tempo.

IM – E sem prejudicar o andamento da MP.
GH – Exatamente.

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IM – Sempre que se discute a criação de impostos para o “andar de cima”, encontram-se entraves que não costumam aparecer quando as mudanças de regra incidem sobre a parte mais baixa da pirâmide social…
GH – São setores mais organizados, com maior poder de influência e lobby no Congresso. Com mais força política.

IM – A senhora enxerga possibilidade de uma discussão mais ampliada sobre o fim da JCP prosperar?
GH – Eu vejo. Pode ser que a gente não consiga fazer isso em um curto prazo, mas acho que, em médio prazo, conseguimos. Isso é uma coisa que existe há vinte anos. Nasceu para ser transitória, para substituir a correção monetária da base do Imposto de Renda, do desconto do capital líquido, na época do Plano Real, e ficou perene. E, necessariamente, não significa que tenha investimento produtivo nesse sentido. A taxa de juros alta e uma possibilidade ainda de se abater a TJLP do seu patrimônio líquido da base de Imposto de Renda são um chamariz para o sistema financeiro. Mas eu acredito que o Congresso Nacional tem que dar respostas a essas situações.

IM – Ainda nessa questão da MP 675, houve uma alteração na alíquota da CSLL. O texto assinado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, pretendia elevar a taxa de 15% para 20%. Seu relatório já fala em 23%. A senhora vê mais dificuldades com essa postura mais ousada?
GH – Espero que o Congresso aprove, porque, quando o projeto do governo foi mandado, nós só tínhamos os balanços dos bancos relativos ao primeiro trimestre. Durante a tramitação da Medida Provisória aqui, tivemos a divulgação do balanço dos bancos relativos ao segundo trimestre e é fato que eles apresentaram recorde histórico em termos de lucratividade. As duas principais instituições privadas nacionais – Bradesco e Itaú – tiveram uma das maiores lucratividades de segundo trimestre em sua história. O Banco do Brasil também teve uma ótima lucratividade.

Eu considerei isso como um fato novo, que nos autorizaria a fazer uma majoração da alíquota para que esse setor, que, mesmo o Brasil estando em crise, tem uma lucratividade enorme, pudesse contribuir mais com o ajuste fiscal. Para isso, baseei-me em uma alíquota que já teve incidência sobre o lucro dos bancos de 1992 a 1994 (23%). A maior alíquota que tivemos de CSLL foi de 30%, de 1994 a 1996, durante o governo Fernando Henrique. Não quis optar por ela. Optei pela segunda maior que tivemos, cujo período também era de ajuste no país e readequação das finanças.

IM – Como vai ser buscar a aprovação dessa matéria em um momento em que o governo enfrenta grandes dificuldades para reorganizar sua base de governabilidade e considerando também com o fato de que boa parte dos parlamentares contou com o financiamento de bancos para o sucesso nas últimas eleições?
GH – Tentar sensibilizar, porque também é verdade que grande parte dos parlamentares aqui tiveram apoio de movimentos sindicais e da população em geral. Isso não impediu que essa parte considerável de parlamentares aprovasse medidas que alteraram o seguro-desemprego, o abono salarial, a pensão por morte, entendendo a situação do país. Eu espero que o Congresso Nacional tenha esse espírito público também em relação aos bancos. É um momento em que todos precisam contribuir para o ajuste. E é justo que quem ganha mais contribua com mais.

IM – Volta e meia também se discute outra correção de desigualdades sobre o sistema tributário: o Imposto sobre Grandes Fortunas. Gostaria que a senhora falasse um pouco a respeito.
GH – Sou a favor. A gente tem que definir ainda o Imposto sobre Grandes Fortunas e o Imposto sobre Heranças. Recentemente, pedi para a Consultoria [Legislativa] um estudo. Os países desenvolvidos, em grande parte, adotam. Os Estados Unidos, por exemplo, têm uma carga tributária pesada sobre heranças – o que dá a eles condições de ter investimentos privados na área educacional, inclusive na área de saúde. Você pode optar em pagar o imposto ou fazer um investimento nessas áreas. O Brasil é um país que tem uma das maiores diferenças de renda e nunca conseguiu tributar isso. É ruim. Nós avançamos em políticas sociais, conseguimos debelar a fome e a miséria no país, aumentar nosso salário mínimo, mas temos um problema estrutural, que é de distribuição de renda. E é uma decisão política que se toma a respeito disso. O instrumento do Estado é a tributação.

Sem querer inibir investidores e investimentos, mas acho que temos que ter uma diferenciação. Não pode só a tributação ao trabalho ser a sustentação das finanças públicas. Hoje, é basicamente isso. Tem-se uma tributação grande sobre o trabalho e uma tributação pequena sobre o capital.

IM – Então é possível conciliar?
GH – Acho que nós temos que buscar, até porque as economias modernas buscam isso; o equilíbrio. Se nós queremos um Estado menos interventor na economia, que tal começarmos por aí, diminuindo os subsídios sobre a remuneração de capital?

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.