Diretor da CIA disse em julho ao governo brasileiro que Bolsonaro deveria parar de questionar integridade das eleições

Burns era, e continua sendo, a autoridade de maior escalão dos EUA a se reunir em Brasília com o governo Bolsonaro desde a eleição do presidente americano

Reuters

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RIO DE JANEIRO/WASHINGTON (Reuters) – O diretor da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) disse a autoridades de alto escalão do Brasil no ano passado que o presidente Jair Bolsonaro (PL) deveria parar de questionar o sistema eleitoral do país antes do pleito de outubro, segundo disseram fontes à Reuters.

Os comentários do diretor da CIA, William Burns, que ainda não haviam sido levados a público, foram feitos em uma reunião a portas fechadas em julho, segundo duas pessoas com conhecimento do assunto, que falaram sob condição de anonimato. Burns era, e continua sendo, a autoridade de maior escalão dos EUA a se reunir em Brasília com o governo Bolsonaro desde a eleição do presidente norte-americano, Joe Biden.

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Uma terceira pessoa em Washington com conhecimento do assunto confirmou que a delegação liderada por Burns havia dito a assessores importantes de Bolsonaro que o presidente deveria parar de minar a confiança do sistema eleitoral do Brasil. A fonte não tinha certeza se foi o próprio diretor da CIA quem expressou a mensagem. A CIA se recusou a comentar. O gabinete de Bolsonaro não respondeu ao pedido por comentário.

Burns chegou a Brasília seis meses depois da invasão de 6 de janeiro ao Capitólio, após a derrota do ex-presidente norte-americano Donald Trump na eleição norte-americana. Bolsonaro, que idolatra Trump, ecoou as alegações sem fundamento do ex-líder norte-americano de que houve fraude nas eleições de 2020 nos EUA. Ele também fez questionamentos similares sobre o sistema eletrônico de votação do Brasil, classificando-o como suscetível a fraudes, sem apresentar evidências.

Isso gerou medo entre seus adversários de que Bolsonaro, perdendo para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas de opinião, está semeando a dúvida para que possa seguir o exemplo de Trump, rejeitando uma possível derrota na votação de outubro. Em várias ocasiões, Bolsonaro ventilou a ideia de não aceitar os resultados e atacou repetidas vezes o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Semana passada, em seu mais recente ataque, Bolsonaro sugeriu que os militares deveriam conduzir sua própria contagem de votos, paralelamente ao tribunal. Duas fontes alertaram para uma possível crise institucional se Bolsonaro perdesse por uma margem pequena, com muita atenção voltada às Forças Armadas do Brasil, que governaram o país entre 1964 e 1985 durante uma ditadura militar celebrada por Bolsonaro.

Durante a sua viagem que não foi anunciada, Burns, um diplomata de carreira indicado por Biden ano passado, se reuniu no Palácio do Planalto com Bolsonaro e dois assessores de alto escalão de inteligência –o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e o então chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem. Ambos foram nomeações de Bolsonaro.

Burns também jantou na residência do embaixador dos EUA com Heleno e o então ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, dois ex-generais. O Exército brasileiro é historicamente próximo da CIA e de outros serviços de inteligência dos EUA. No jantar, de acordo com uma das fontes, Heleno e Ramos buscaram minimizar o significado das repetidas alegações de fraude eleitoral feitas por Bolsonaro.

Em resposta, segundo a fonte, Burns disse a eles que o processo democrático é sagrado, e que Bolsonaro não deveria falar daquela maneira. “Burns estava deixando claro que as eleições não eram uma questão em que eles deveriam se intrometer”, disse a fonte, que não estava autorizada a falar em público. “Não foi um sermão, foi uma conversa.”

Enviado de Biden

Não é comum que diretores da CIA enviem mensagens políticas, disseram as fontes. Mas Biden deu poder a Burns, um dos mais experientes diplomatas norte-americanos, para ser um porta-voz discreto da Casa Branca.

Mês passado, por exemplo, Burns disse em um discurso público que em novembro, quatro meses depois de visitar Brasília, Biden o enviou a Moscou “para transmitir diretamente ao (presidente russo Vladimir) Putin e vários de seus conselheiros próximos a profundidade da nossa preocupação sobre seus planos de guerra e as consequências à Rússia” caso eles seguissem em frente.

O conteúdo dos seus comentários em Brasília foi reforçado este mês, após sua viagem, quando o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, visitou Bolsonaro e expressou preocupações similares sobre os ataques à confiança das eleições. No entanto, a mensagem da delegação de Burns foi mais forte que a de Sullivan, disse a fonte que mora em Washington, sem entrar em mais detalhes.

“É importante que brasileiros tenham confiança nos seus sistemas eleitorais”, disse uma autoridade do Departamento de Estado dos EUA em comunicado, em resposta a um pedido por comentários, acrescentando que os Estados Unidos confiam nas instituições brasileiras, incluindo eleições livres, justas e transparentes.

No último sábado, no entanto, em mais um sinal de inquietação entre o establishment da política externa de Washington, o ex-cônsul dos EUA no Rio de Janeiro escreveu em um jornal brasileiro que os Estados Unidos deveriam deixar claro a Bolsonaro que qualquer tentativa de minar as eleições deveria gerar sanções multilaterais.

Biden e Bolsonaro ainda não comentaram. Durante a campanha presidencial norte-americana de 2020, os dois entraram em conflito em relação ao histórico ambiental de Bolsonaro, e ele foi um dos últimos líderes mundiais a reconhecer a vitória de Biden sobre Trump.

Autoridades em Washington tentaram melhorar os laços com Brasília nas últimas semanas, e os presidentes das duas maiores nações do Hemisfério Ocidental podem se reunir em pessoa em breve, se Bolsonaro comparecer à Cúpula das Américas, marcada para junho em Los Angeles.

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