Com gafes e polêmicas, Lula e Bolsonaro não ampliam apoio e aumentam rejeição, dizem analistas

Declarações controversas dos dois favoritos na corrida presidencial deixam campanhas em alerta

Fábio Matos

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A cinco meses do primeiro turno das eleições, Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não vêm economizando nas palavras em entrevistas e atos públicos, mas deveriam redobrar a atenção com o que dizem – e como dizem. Segundo analistas que participaram da edição desta quarta-feira (4) do Timing Político, exibido pelo canal do InfoMoney no YouTube, gafes e comentários explosivos podem custar caro eleitoralmente em uma disputa tão polarizada.

Em entrevista concedida à revista americana TIME, por exemplo, Lula analisou a guerra na Ucrânia e reiterou críticas ao líder russo Vladimir Putin, mas também responsabilizou o ucraniano Volodymyr Zelensky e até o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pela escalada do conflito. Por outro lado, embora tenha sido mais comedido nas manifestações do 1º de maio do que nos atos de 7 de setembro do ano passado, Bolsonaro segue mirando a artilharia verbal em direção aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o que mobiliza seus eleitores, mas gera instabilidade institucional.

“O silêncio é um aliado ou a própria língua é o maior adversário de cada um desses personagens?”, provoca Carlos Melo, cientista político e professor do Insper. “Bolsonaro esteve calado durante determinado período e foi recuperando o seu eleitor. Antes disso, era o Lula quem se calava”, recorda. “Agora me parece que esses candidatos estabeleceram uma estratégia de mobilizar as bases. Na verdade, não é nem a base; é o corredor da sede partidária, uma parte do diretório. Um precisa mobilizar a sua base para combater a base do outro. Quando fazem isso, eles, na verdade, mobilizam suas rejeições. Quem suportar falar menos talvez tenha mais sorte.”

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Segundo o presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles, o que se tem observado nas últimas semanas é “uma competição de declarações ruins das duas candidaturas”. “É estrategicamente burra essa sucessão de gafes dos dois candidatos. O eleitor do Lula não vota no Bolsonaro. O eleitor do Bolsonaro não vota no Lula. O que está em disputa é um terço da população ou, para ser exato, só 25% que ainda não decidiram em quem votar. E o principal é não ter a rejeição dessas pessoas”, explica.

Paulo Gama, analista político da XP, afirmou que o caminho natural tanto de Lula quanto de Bolsonaro seria mirar no eleitor de centro, para angariar mais apoios, e não pregar para os já convertidos. “Lula fez um trabalho importante de consolidar a esquerda em torno dele. O racional seria que tentasse dar um passo em direção ao eleitor de centro”, avalia. “Pela direita, Bolsonaro também não tem grande ameaça contra si. O esperado seria que os dois tentassem convergir para o eleitor brasileiro médio. No entanto, temos visto os dois falando para seus próprios grupos, o que às vezes é interpretado como estratégia, mas também pode ser um escorregão.”

De acordo com Gama, “o silêncio pode ser precioso” neste momento da campanha. “Temos medido a maneira como a população avalia o noticiário em relação ao governo. Isso tem uma relação bastante direta com esse ruído que o Bolsonaro provoca. A diminuição de ruído tem uma relação muito forte com a aprovação ao governo. O silêncio, de fato, pode ser um aliado”, diz.

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Duelo de rejeições

Durante o debate no Timing Político, os analistas destacaram as peculiaridades do pleito de 2022, que deve ser um confronto de rejeições entre Lula e Bolsonaro. “No fim das contas, a eleição no segundo turno é plebiscitária. Vai se votar naquilo que se acredita ser o mal menor. Esta é a lógica de muita gente”, explica Carlos Melo. “Não vejo uma simetria entre os dois candidatos. São bastante diferentes. Podem até ser polares, mas não iguais. Entretanto, têm algumas características comuns. Os dois carregam uma forte rejeição.”

Para Meirelles, Lula deveria focar seu discurso na pauta econômica e nas agruras de grande parte da população, que sofre com a alta da inflação e o desemprego. “A sucessão de erros [de Lula] começou lá atrás e voltou com força total nas últimas semanas. Entrar na pauta de costumes, falar que policial não é gente… Isso não mobiliza a base do PT”, avalia. “O que mobiliza a base militante do PT é a crítica ao governo Bolsonaro. O que mobiliza o lulismo no aspecto mais amplo, e não militante, é discutir economia e não discutir costumes ou a guerra.”

Segundo o presidente do Instituto Locomotiva, as críticas de Lula a Biden na entrevista à TIME são apenas mais um exemplo dos equívocos estratégicos da campanha petista. “O presidente Biden, contra qualquer tentativa de questionamento da eleição [brasileira], seria um agente internacional fundamental para garantir a lisura do processo. Ao invés de buscar esse aliado, que já tem uma predisposição contrária ao governo Bolsonaro e teria tudo para dar suporte internacional necessário para garantir a manutenção da democracia no Brasil, o Lula vai lá e briga com o cara”, completa.

Melo faz coro a essa avaliação: “O ex-presidente estava com a faca e o queijo na mão para ampliar [seu arco de apoio]. Uma vez que a terceira não via não se viabilizou, havia um espaço muito grande para trazer o eleitor moderado para sua campanha. E ele, pelo contrário, vai lá falar com o diretório”.

Mudança de rota

O professor do Insper lembra que ainda há tempo para que ambos os candidatos corrijam rumos e ajustem o tom e a temática de seus discursos. “Não tem nada mais pragmático do que uma campanha. Candidato reage à opinião pública. Candidato vê pesquisa todos os dias. Quando percebe essas gafes e esses erros todos, a tendência é para uma correção”, afirma. “A sociedade precisa cobrar dos candidatos que eles se exponham sobre aquilo que realmente interessa: o bolso, a fome e a democracia.”

No caso de Bolsonaro, o rearranjo político e a calibragem retórica, pelo menos em tese, têm ficado a cargo de caciques do Centrão que apoiam o presidente da República, como o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI). “Há uma tentativa de correção de rumo de lado a lado. O entorno político que se formou em torno de Bolsonaro, com o Centrão, vem tentando moderar as falas dele”, relata Gama. “Da mesma maneira, houve a tentativa do Lula de fazer um aceno ao eleitor um pouco mais conservador ao trazer [Geraldo] Alckmin para a campanha.”

“Quando Bolsonaro é obrigado a entregar o comando da campanha ao Centrão, ele acaba tendo esse suporte”, corrobora Melo. “Goste-se ou não, são pragmáticos. É gente da política. E, mesmo assim, eles ainda têm muita dificuldade de segurar a língua do presidente.”

Assista ao Timing Político desta semana completo acima, ou clique aqui. O programa é exibido ao vivo sempre às quartas-feiras, às 18h (de Brasília), no canal do InfoMoney no YouTube.

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Fábio Matos

Jornalista formado pela Cásper Líbero, é pós-graduado em marketing político e propaganda eleitoral pela USP. Trabalhou no site da ESPN, pelo qual foi à China para cobrir a Olimpíada de Pequim, em 2008. Além do InfoMoney, teve passagens por Metrópoles, O Antagonista, iG e Terra, cobrindo política e economia. Como assessor de imprensa, atuou na Câmara dos Deputados e no Ministério da Cultura. É autor dos livros “Dias: a Vida do Maior Jogador do São Paulo nos Anos 1960” e “20 Jogos Eternos do São Paulo”.