Deputado tem projeto para acabar com ‘estelionato eleitoral’ e diz: “nunca acreditei no PT”

Desta vez, estão na mira de Indio da Costa (PSD-RJ) as folclóricas promessas de campanha não cumpridas pelos políticos. O novo projeto é parecido com outro apresentado por um antigo correligionário seu 5 anos atrás

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – A democracia brasileira tem aprofundado um curioso paradoxo nas últimas décadas de sua história: na medida em que é esperado um aprimoramento do aparato institucional com o amadurecimento das experiências pós-regime militar, o que se vê é um processo crescente do descrédito da população com relação aos principais agentes e organismos da democracia. Desde 2005, os pesquisadores José Álvaro Moisés e Gabriela Piquet Carneiro se debruçam sobre a contraditória relação e mostram que os problemas se intensificaram com o passar dos anos. Cinco anos antes dos protestos de junho de 2013, a dupla já falava em um ambiente de profundo descontentamento popular, no qual quase dois terços dos brasileiros não confiavam nas principais instituições e organismos democráticos do país.

Estudos recentes realizados por diferentes institutos de pesquisa do mercado apontam para um cenário ainda mais preocupante para políticos, partidos e instituições no Brasil. De acordo com levantamento feito pelo Datafolha em março, o desempenho de deputados e senadores foi considerado ótimo ou bom por apenas 9% dos entrevistados, patamar similar à época do impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, hoje senador pelo PTB de Alagoas. Poucos dias depois das manifestações de 12 de abril, os pesquisadores Esther Solano e Pablo Ortellado mostraram diagnóstico similar: há uma crise de representações e instituições, e ele precisa passar por profundas reformas. E os problemas vão além de uma ou outra filiação. Conforme constatou a dupla, nenhum partido político tem conseguido escapar da má reputação.

Foi nesse contexto em que ganharam força as manifestações populares recentes. A crescente sensação de baixa representatividade dos brasileiros chegou a níveis insustentáveis e, combinados a acontecimentos pontuais, trouxe um clima bastante hostil para a classe política. Com isso, gerou-se ampla pressão por mudanças no sistema político vigente e no comportamento daqueles que são eleitos pelo povo. Com resultados até o momento questionáveis, e talvez pouco alinhados com os anseios dissonantes – e muitas vezes controversos – das ruas, a reforma política, aos trancos e barrancos, entrou na pauta do Congresso. Financiamento de campanha, reeleição, sistema eleitoral e muitas outras questões foram discutidas, mas muitos especialistas se mostraram decepcionados com os desdobramentos.

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No entanto, em paralelo também apareceram pautas curiosas, ainda relacionadas com a necessidade por mudanças no sistema em vigor. Uma das propostas que tem chamado a atenção é de autoria do deputado federal Indio da Costa (PSD-RJ), decano na casa e conhecido por sua posição de enfrentamento ao governo mesmo fazendo parte de um partido – de cuja fundação participou – que integra a base aliada. Pela biografia, Indio poderia facilmente ser encaixado em algum espaço na oposição. Com passagem pelo extinto PFL, além de PTB e DEM, o parlamentar é empresário e advogado e já foi candidato à vice-presidência da República em chapa com José Serra, em 2010. Como deputado, destacou-se como relator do projeto Ficha Limpa após ter apresentado projeto similar em 2008.

Desta vez, estão na mira do parlamentar as folclóricas promessas de campanha não cumpridas por políticos. O novo projeto de lei complementar de Indio (118/2015) traz similaridades com o projeto de lei complementar 594/2010, de autoria de seu antigo correligionário José Carlos Aleluia (DEM-BA). O texto procura estabelecer maior “transparência no registro das promessas de campanha eleitoral” ao tornar obrigatória a prestação de contas junto à Justiça Eleitoral sobre as promessas de campanha prévia à vitória nas urnas, sob risco de inelegibilidade àqueles que não tenham trabalhado na direção daquilo que se comprometeram antes no caso de parlamentares, ou “os detentores de cargo eletivo do Poder Executivo que não cumprirem pelo menos 50% daquilo que foi prometido na campanha anterior”.

O envio do projeto de lei ocorre em um momento em que a presidente da República Dilma Rousseff enfrenta grande resistência por parte de parte dos eleitores que votaram nela e é acusada pela oposição de cometer suposto “estelionato eleitoral” ao não cumprir com o que foi prometido durante campanha realizada no ano passado. Muitos críticos vão além e fazem apontamentos semelhantes a Geraldo Alckmin e Beto Richa, respectivamente, governadores dos estados de São Paulo e Paraná. Apesar das coincidências com o momento, Indio, que declarou voto a Aécio Neves nas últimas eleições, diz que a pauta não tem a ver com a situação de Dilma, mas sim com todo o contexto de descrédito pelo qual vive a política no Brasil.

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Em entrevista exclusiva ao InfoMoney, o deputado defende seu projeto de possíveis fragilidades, analisa a conjuntura atual, faz duras críticas ao governo e dá declarações, no mínimo, polêmicas sobre o Bolsa Família, carro-chefe das gestões petistas. Confira os melhores momentos da conversa:

InfoMoney – O senhor poderia explicar os detalhes do projeto de lei 118/2015?
Deputado Indio da Costa – O projeto nasceu antes de a presidente descumprir o que havia se comprometido em campanha eleitoral. Não é nada pessoal nem voltado para esse governo. Agora, há um clima de descolamento das campanhas eleitorais com os mandatos. Acompanho isso já há vinte anos. O eleitor vota acreditando que aquele político fará algo na direção que se comprometeu na campanha eleitoral, mas o mandato tem sido descasado com o que foi prometido. A ideia foi estabelecer um mínimo de cumprimento de promessa no caso do Poder Executivo, e, no caso do Legislativo, o parlamentar trabalhar na direção daquilo que ele defendeu na campanha eleitoral. De um lado, você dá mais transparência e facilita a decisão do eleitor; e, de outro, você penaliza aqueles que não cumpriram o que se comprometeram – 50% no caso do Executivo, ou que trabalharam em uma direção contrária à da campanha, no caso do Legislativo.

IM – Como seria feita a fiscalização?
IC – Esse é um conceito muito recente e terá de ser aprofundado ao longo dos anos. O que propomos é que a pessoa apresente o projeto e defenda-o, debata, escreva artigos, coloque para votação, apresente a ideia. Hoje, a pessoa promete na campanha eleitoral e sequer apresenta aquilo a que se comprometeu. Eu não posso garantir uma efetividade. Seria até uma demagogia muito grande se disser que o sujeito teria de apresentar determinada ideia e aprová-la no Parlamento. Já apresentei em forma de PEC, perdi no plenário. A intenção agora é foi apresentar em forma de PLC e levar esse debate adiante. Também pretendo, em algum momento, me organizar para fazer movimento popular, envolvendo a sociedade nisso. Afinal de contas, o que a sociedade está nas ruas reclamando é basicamente isso.

IM – Qual é a responsabilidade do eleitor sobre isso?
IC – É muito difícil para o eleitor fiscalizar. Faltam instrumentos, transparência, informação. Falta até formação. O eleitor não é formado para a democracia. Há muitos aspectos que envolvem essa questão. Não é um ponto claro e objetivo. É verdade que os eleitores esquecem, no dia seguinte, em quem votaram. Mas quais são os instrumentos que eles têm para acompanhar de perto? Se quem está no plenário da Câmara e participa de votações muitas vezes tem dúvidas do que quer dizer votar sim ou não, dada a complexidade do regimento, imagine para um cidadão comum.

IM – Quando seu projeto de lei foi divulgado na imprensa, muito se associou ao fato de o senhor, do PSD – partido da base do governo -, estar lançando um projeto em um momento em que se discute “estelionato eleitoral” do governo. Como o senhor enxerga essa situação?
IC – Nunca votei no PT, nunca acreditei no PT. O discurso deles, na prática, nunca fez sentido para mim. O Brasil cresceu com crédito livre para as pessoas buscarem empréstimo, e não na produção. Isso gera inflação e inadimplência. Foi o que aconteceu. E, do outro lado, não houve aumento da produção. Perdemos uma oportunidade enorme de crescer economicamente. De repente, tem-se uma eleição com promessas que já se sabia que dificilmente seriam cumpridas. Muito melhor para o PT teria sido perder a eleição, porque o ajuste teria que ser feito por outro partido. O partido que assumisse essa herança maldita eles iam culpar. Ao contrário: agora, eles estão tendo que lidar com a própria herança.

IM – A presidente Dilma Rousseff seria enquadrada nesse seu projeto de transparência junto ao TSE?
IC – Cada um com seu problema. Estou legislando para o Brasil, não para este ou outro governo.

IM – Os impactos seriam grandes também no parlamento, não?
IC – Acho que não. O que aconteceria seria que as pessoas iam parar de mentir em campanha eleitoral. Hoje em dia, todo mundo promete qualquer coisa. Durante a campanha, o eleitor que manda. Durante o mandato, o cara se esquece do eleitor. Acender uma vela para Deus e para o diabo é impossível se você tiver que prestar contas. Do jeito que é hoje, ninguém precisa prestar contas. E tem um voto induzido, que depende de… São milhões de famílias no Brasil vivendo com dinheiro do governo. Se fosse proibido quem recebe dinheiro direto do governo, o PT teria levado uma lavada nas eleições. Os três milhões que foram a favor da Dilma seriam 25 milhões contrários a ela. Não é proibido comprar votos? O correto seria: quem recebe dinheiro direto do governo não poder votar. Aí, sim, seria um julgamento de mérito, de propostas. Hoje em dia, não: Bolsa Família é uma forma indireta de compra de votos.

IM – O que o senhor acha que vai ser da sua proposta no longo prazo?
IC – Sem mobilização, não vai ser aprovado. Se houver mobilização da sociedade e a lei for aprovada, acho que, no futuro, teremos políticos mais comprometidos com as causas que defendem em campanha eleitoral, e as pirotecnias e mentiras que se conta serão reduzidas, porque o sujeito não vai poder contar duas vezes. O eleitor vota na expectativa do que vai chegar para ele. E normalmente não chega nada. Não temos defesa do consumidor? Muito mais importante que defender o consumidor é proteger o cidadão, que não necessariamente está consumindo produtos, mas que está consumindo em termos de ética, moralidade e responsabilidade ao escolher o político para representá-lo. Eu defendo maior participação popular, maior transparência e causa e efeito daquilo que é prometido. A pessoa prometeu e não cumpriu, tem que se responsabilizar por isso.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.