Queiroga tenta blindar Bolsonaro, mas expõe desrespeito do presidente a orientações da Saúde

Em seu retorno à CPI da Pandemia, ministro mantém estratégia, defende medidas não farmacológicas, mas se nega a comentar ações do presidente

Marcos Mortari

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

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SÃO PAULO – Em novo depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia do Senado Federal, nesta terça-feira (8), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, manteve a postura de proteger o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) diante de questionamentos dos membros do colegiado.

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O titular da pasta, que retorna à comissão pouco mais de um mês após sua primeira participação, disse que “as recomendações sanitárias estão postas” e são feitas por sua equipe aos integrantes do governo federal e à população em geral, mas evitou comentar condutas pessoais do mandatário durante a crise sanitária.

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“Em relação às medidas não farmacológicas, eu tenho tido uma determinação pessoal em recomendá-las. E essas recomendações são para todos os brasileiros, sem exceção. Não há exceção. O cuidado é individual, o benefício é de todos. Aqui eu digo de maneira clara e textual: o Ministério da Saúde tem, de maneira clara, se manifestado acerca desse ponto”, afirmou.

A reconvocação de Queiroga havia sido aprovado duas semanas atrás pelo colegiado, em meio a alegações de declarações contraditórias, imprecisões e omissões por parte do ministro na primeira oitiva e após nova participação de Bolsonaro em manifestação – sem máscara e provocando aglomerações, em descumprimento às orientações de autoridades sanitárias.

Durante a sessão, Queiroga foi questionado se as recomendações não farmacológicas contra a Covid-19 também valiam para o presidente e se o assunto havia sido tratado com ele em algum momento durante os 77 dias em que comanda o Ministério da Saúde.

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O titular da pasta insistiu que tem “atuado fortemente” na orientação de autoridades do governo federal, mas disse que não era sua competência julgar ações do chefe do Poder Executivo.

“Eu sou Ministro da Saúde. Eu não sou um sensor do Presidente da República. Eu faço parte de um Governo. O Presidente da República não é julgado pelo Ministro da Saúde. As recomendações sanitárias estão postas. Cabe a todos aderir a essas recomendações”, declarou.

Em um primeiro momento, Queiroga chegou a dizer que não conversou com Bolsonaro sobre suas atitudes. Minutos depois, contudo, afirmou que “é evidente” que orienta o presidente.

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“Já informei a V. Exa. que já conversei com o Presidente sobre esse assunto. Já informei a V. Exa. Quando está comigo, na grande maioria das vezes, ele usa máscara”, disse em resposta ao relator, o senador Renan Calheiros (MDB-AL).

“Isso é um ato individual, senador. As imagens, elas falam por si sós. Eu estou aqui como Ministro da Saúde para ajudar o meu País. É esse o meu objetivo. E não vou fazer juízo de valor a respeito da conduta do Presidente da República”, afirmou em outro momento.

Sobre a realização da Copa América no Brasil, após a recusa de Colômbia e Argentina, Queiroga disse que pediu ao departamento de Ciência e Tecnologia da pasta que fizesse uma revisão sistemática da literatura. Segundo ele, também foi feita avaliação dos protocolos sanitários fornecidos pelos organizadores do campeonato.

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No entendimento do ministro, não havendo público nos estádios, mitiga-se o risco de aglomerações e “o risco que a pessoa tem de contrair a Covid-19 será o mesmo, com o jogo ou sem o jogo”. “Eu não vejo, do ponto de vista epidemiológico, uma justificativa que fundamente a não ocorrência do evento. Agora, a decisão de fazer ou não o evento não compete ao Ministério da Saúde”, disse.

“A prática de esportes e de jogos é liberada no Brasil. Estão acontecendo a Taça Libertadores da América, as Eliminatórias da Copa do Mundo, a [Copa] Sul-Americana… Esse final de semana, um Campeonato Pan-Americano de Ginástica, no Rio de Janeiro. De tal sorte que o esporte está liberado no Brasil e não existem provas de que essa prática aumenta o nível de contaminação dos atletas”, argumentou.

“Esse evento não é um evento de grandes proporções. A Copa América é um evento pequeno, com um número pequeno de pessoas, e não é uma Olimpíada. Os protocolos que foram apresentados ao Ministério da Saúde são seguros, que permitem dizer que, se forem cumpridos, não teremos riscos adicionais para os jogadores que participam dessa competição”, completou.

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A realização da Copa América no país em meio ao risco de uma terceira onda da Covid-19 gerou preocupação e críticas de parcela da sociedade e atores políticos e foi uma das justificativas para os integrantes da CPI da Pandemia anteciparem a reconvocação de Queiroga.

O depoente também foi questionado sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade ingressada pelo governo federal junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra os decretos de governadores estaduais que estabelecem toque de recolher e restrições ao funcionamento do comércio. Neste caso, disse que não foi consultado sobre a medida e evitou opinar sobre o assunto.

“Isso é uma discussão jurídica que não compete ao Ministro da Saúde”, afirmou.

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Provocado sobre a ação de política pública implementada por meio dos decretos, disse que já externou sua posição “de maneira clara, reiterada, transparente e cristalina”. Como em outros momentos, Queiroga foi enfático em defender medidas não farmacológicas de enfrentamento à Covid-19, fica implícita falta de sintonia com Bolsonaro nesse aspecto, mas o ministro evitou explicitá-la.

O ministro Marcelo Queiroga é ouvido pela segunda vez pela comissão parlamentar de inquérito, criada para investigar ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia e desvio de verbas federais enviadas a estados e municípios.

O colegiado também já recebeu os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Eduardo Pazuello; o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres; o ex-secretário de Comunicação da Presidência da República Fabio Wajngarten; o gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo; o ex-ministro de Relações Exteriores Ernesto Araújo; a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro; a médica Nise Yamaguchi; e infectologista Luana Araújo.

Por mais de uma vez, Queiroga minimizou o debate sobre a eficácia de medicamentos como a cloroquina e a hidroxicloroquina no tratamento de pacientes infectados com a Covid-19, disse que a solução da pandemia passa pela vacinação em massa e garantiu que toda a população com idade acima de 18 anos estará imunizada até o fim do ano.

“Na última vez em que estive aqui com os senhores, eu anunciei um contrato de mais 100 milhões de doses de vacinas da Pfizer. Então, esses 100 milhões de doses de vacinas da Pfizer serão entregues a partir de setembro até dezembro. Isso perfaz mais de 600 milhões de doses de vacinas já pactuadas com o Ministério da Saúde, o que permite afirmar para os senhores, com um grau muito forte de segurança, que teremos a nossa população vacinável, ou seja, aqueles acima de 18 anos, vacinados até o final do ano”, disse.

Na avaliação do ministro, discussões sobre a cloroquina são “laterais” e não contribuem para a superação da crise sanitária. “Essas medicações não têm eficácia comprovada – não têm eficácia comprovada. Volto a repetir: esse assunto é motivo de discussão na Conitec, que vai elaborar o protocolo clínico, uma diretriz terapêutica. Se não houver questionamentos acerca do que for ali colocado, morreu o assunto, o protocolo clínico está lá”, disse.

A posição destoa do que preconiza o presidente Jair Bolsonaro e aliados, que falam inclusive em “tratamento precoce” com o uso de fármacos sem evidências científicas de eficácia.

O relator da comissão, senador Renan Calheiros (MDB-AL), perguntou, então, por que o Ministério da Saúde não revoga nota do ano passado que orienta sobre doses do medicamento a serem ministradas em pacientes acometidos pela Covid-19. “A nota informativa perdeu o objeto”, respondeu.

“Ela não é um ato administrativo. Ela não é um ato administrativo, então não cabe revogação. Eu apenas… Ela está lá no site, porque ela faz parte da história desse enfrentamento à pandemia. Então, não vou retirar do site do Ministério da Saúde”, disse.

“Ministro, com todo respeito, isso aí está dentro das suas atribuições, da sua autonomia? É por isso que a sua autonomia fica sendo questionada a cada momento”, respondeu o relator.

Queiroga também disse à comissão desconhecer a existência de um “gabinete paralelo” de aconselhamento ao presidente Jair Bolsonaro em matérias relacionadas à saúde durante a pandemia de Covid-19 e reforçou que lhe foi conferida autonomia para comandar o ministério.

O titular da pasta também disse que partiu dele a decisão de não nomear a infectologista Luana Araújo para a Secretaria Especial de Combate à Covid-19. A declaração contradiz fala da médica, que chegou a trabalhar por dez dias mesmo sem nomeação e disse ter sido informada pelo próprio ministro que seu nome não seria aprovado pelo Palácio do Planalto.

De acordo com o ministro, “não houve óbices formais” por parte da Secretaria de Governo e da Casa Civil à indicação de Luana Araújo. “Eu entendi que, em face do perfil da Dra. Luana, a despeito de ela ser uma pessoa muito qualificada, por quem temos muito apreço, não ia contribuir comigo para harmonizar as questões que são discutidas aqui acerca de tratamento inicial”, argumentou.

Durante o depoimento, Queiroga admitiu dificuldades em encontrar um nome para assumir a Secretaria Especial de Combate à Covid-19, mas prometeu uma definição até a próxima sexta-feira (11).

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.