Congresso já discute mudanças em arcabouço fiscal, mesmo antes de governo enviar projeto

Projeto de lei complementar seria enviado nesta semana ao parlamento, mas texto deve ficar para depois da volta de Lula e Haddad da China

Marcos Mortari

O plenário da Câmara dos Deputados (Foto: Elaine Menke/Câmara dos Deputados)

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Apesar de o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ter adiado mais uma vez o envio do texto do novo arcabouço fiscal ao Congresso Nacional, parlamentares já discutem a tramitação do projeto de lei complementar e possíveis ajustes à ideia apresentada duas semanas atrás pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).

A expectativa era que o texto viesse ao parlamento juntamente com o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), que precisa ser apresentado pela ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) até 15 de abril. Mas o PLP deverá sair apenas na segunda-feira (17), após o retorno da comitiva presidencial de viagem oficial à China.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) tem indicado intenção em dar celeridade à deliberação sobre a matéria, o que faz com que parlamentares já comecem a discutir ajustes em relação ao que se sabe até agora sobre a regra fiscal que substituirá o teto de gastos.

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O novo arcabouço fiscal tem como pilar a meta de gastos, que define que a despesa real deve crescer anualmente dentro de um intervalo que vai de 0,6% a 2,5%. Pela regra, as despesas devem crescer a uma taxa de 70% da variação real da receita líquida apurada em 12 meses até junho do exercício anterior. Em situações de retração, o crescimento mínimo real é garantido.

A proposta também cria uma meta de resultado primário, com bandas de tolerância de 0,25 ponto percentual para cima ou para baixo. Neste caso, as metas dos quatro anos de uma gestão são definidas logo no início do governo.

O governo Lula estabeleceu como compromisso um déficit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023, equilíbrio no ano seguinte e superávit de 0,5% e 1% em 2025 e 2026, respectivamente.

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Adicionalmente, há um piso para investimentos públicos, calculado com base nos valores gastos nesta faixa em 2023, corrigidos pela inflação. Caso seja alcançado resultado primário superior à banda superior estabelecida, o valor excedente poderá ser empenhado em investimentos no exercício seguinte. Na hipótese de descumprimento do piso da meta, haverá redução potencial na variação da despesa, de 70% para 50% da variação da receita, no ano seguinte.

Autor de uma proposta alternativa de arcabouço fiscal que olha fundamentalmente para a dinâmica da dívida líquida e estabelece normas e gatilhos para garantir um patamar saudável para as obrigações do governo, o deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ) pretende apresentar um conjunto de emendas ao texto.

Ao InfoMoney, ele sinalizou ao menos cinco eixos de sugestões de ajustes com base no que hoje o governo indica que será sua proposta de regra fiscal. A primeira delas envolve a inclusão de gatilhos que seriam acionados para aproximar a execução do governo às metas estabelecidas em caso de descumprimento.

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Em sua proposta alternativa de arcabouço fiscal, Pedro Paulo, que também é vice-líder do governo na Câmara dos Deputados, estabelece uma série de medidas a serem tomadas pelo Poder Executivo, dependendo do patamar da dívida líquida (DLGG) em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).

Elas envolvem vedações a novas despesas obrigatórias, à criação de cargos, empregos e funções ou qualquer mudança na estrutura das carreiras que impliquem em aumento de custos para os cofres públicos. Também há impedimentos para a criação ou expansão  de programas e linhas de financiamento, assim como renegociação ou refinanciamento de dívidas.

No cenário mais grave, também são acionados gatilhos para congelar a realização de serviços públicos (salvo para reposições de vacâncias) e a imposição de redução gradual de pelo menos 20%  das despesas com cargos em comissão e funções de confiança, além da redução linear e gradual de benefícios tributários em pelo menos 5%.

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Pedro Paulo também pretende apresentar uma emenda prevendo alguma responsabilização em caso de descumprimento das metas estabelecidas seguido do não acionamento dos gatilhos com medidas corretivas.

“No meu projeto do arcabouço, não penalizaríamos o não atingimento de um índice pretendido da dívida líquida, mas o não acionamento dos gatilhos ou o descumprimento de uma vedação, sim, poderiam levar a uma penalização. É preciso fechar a regra para ela ter o enforcement necessário”, argumenta.

Na avaliação do senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), é “bastante provável” que o Senado Federal endosse a inclusão de algum mecanismo de enforcement ao projeto, caso o texto encaminhado pelo governo não traga tal dispositivo.

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Outra modificação que o parlamentar pretende propor é a inclusão de uma meta de endividamento público, possivelmente aproveitando as projeções que o próprio Ministério da Fazenda expôs durante a apresentação do novo arcabouço fiscal.

“O governo fala em algo em torno de 76% [para a dívida bruta (DBGG) em 2026 caso os centros das metas de superávit sejam atingidos nos quatro anos]. A exemplo do que foi feito no caso do superávit [primário], seria possível trabalhar em algumas metas para tentar forçar a curva de sustentabilidade da dívida”, sustenta o deputado.

Na avaliação de Pedro Paulo, também é necessário aprimorar na criação de válvulas de escape para a regra proposta pelo governo. Em seu projeto alternativo de marco fiscal, o parlamentar defende que, em situações de calamidade pública ou emergência econômica e social, seja autorizada uma ampliação de gastos a partir do instrumento de crédito extraordinário.

O quinto ponto que o deputado trabalhará para modificar no marco fiscal de Lula será o mecanismo anticíclico da regra. O marco fiscal do governo garante que as despesas terão um crescimento real de 0,6% mesmo se a receita cair. Para Paulo, o ideal seria que o mecanismo fizesse referência ao PIB para ser acionado em momentos de recessão, e não à receita.

O deputado federal Mauro Benevides Filho (PDT-CE) tem se empenhado em esclarecer os principais pontos do novo marco fiscal aos parlamentares. Para ele, no entanto, será fundamental que o texto apresentado pelo governo traga mecanismos que protejam investimentos públicos de cortes orçamentários, evitando a experiência observada com o teto de gastos.

O parlamentar argumentou ao InfoMoney que é fundamental que a proposta contenha dispositivo que vincule uma parcela do crescimento das despesas (na lógica dos 70% ou 50% do aumento das receitas) para investimentos públicos.

Por se tratar de projeto de lei complementar, o novo arcabouço fiscal precisará lidar com os mínimos constitucionais para a Saúde e a Educação – 15% da receita corrente líquida no caso da primeira e 18% da receita resultante de impostos. Se por um lado o mecanismo tornará o orçamento mais “carimbado”, por outro preservará os repasses nas áreas.

Mas, como a regra prevê que a despesa cresça até 70% das receitas até o limite de 2,5% reais, os mínimos para as duas áreas terão como efeito colateral a imposição de limites mais duros sobre outras áreas para a conta fechar. Um possível agravamento na disputa por recursos na Esplanada dos Ministérios e que reverberará no Congresso.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.