Como ficam as reformas? Eurasia ainda vê clima favorável

“Não vejo o que foi divulgado como suficiente para mudar a dinâmica no Congresso”, diz Christopher Garman. Para ele, o maior risco é a economia fraca

Marcos Mortari

Christopher Garman, diretor para Américas da consultoria internacional de risco político Eurasia Group (Fonte: Christian Parente/ Um Brasil)

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SÃO PAULO – Uma semana após a reforma da Previdência ter tramitação concluída no Congresso Nacional, o mundo político e o mercado já aguardam os próximos passos da agenda fiscal, prometidos pelo governo Jair Bolsonaro nos próximos dias.

No cardápio, estão medidas como uma reforma administrativa, o debate da simplificação tributária e o chamado “pacto federativo”, que trata de desvinculações e desindexações do orçamento nacional.

Na avaliação da consultoria internacional de risco político Eurasia Group, o horizonte é favorável para a continuidade da pauta econômica, apesar do noticiário negativo ao governo.

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A Eurasia atualizou ontem (29) sua perspectiva de longo prazo para o Brasil de neutra para positiva, acreditando em um ambiente mais construtivo para reformas, a despeito da ausência de um bloco majoritário governista no parlamento.

Para Christopher Garman, diretor para Américas da instituição, há um cenário surpreendentemente positivo entre deputados e senadores para essa agenda. “Hoje temos um Congresso no qual lideranças que não participam de uma base enxergam nessa agenda de reformas econômicas algo do seu próprio interesse”, sustenta.

O especialista concedeu uma entrevista exclusiva ao InfoMoney na última sexta-feira (25). A conversa antecedeu, portanto, o aparecimento do nome de Bolsonaro no caso envolvendo a morte da vereadora Marielle Franco.

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Após as revelações, o InfoMoney procurou novamente o analista político. Garman reconhece que o episódio e o timing são ruins ao governo, mas diz que, apesar disso, o cenário otimista com as reformas permanece.

“Claro que muito vai depender de o que for apurado. Mas não vejo o que foi divulgado como suficiente para mudar a dinâmica no Congresso ou apoio popular ao presidente”, disse.

Ao contrário do que ocorreu em outras administrações, o futuro da agenda de reformas tem menos a ver com a habilidade do Palácio do Planalto em lidar com uma coalizão legislativa, diz a Eurasia em seu novo call.

O foco dos analistas está na atuação dos parlamentares e no cálculo político que eles fazem dos possíveis dividendos políticos que o apoio a tal agenda poderá proporcionar no futuro.

Por outro lado, dada ausência de base sólida governista no Congresso Nacional, o grande risco a ser monitorado seria uma fraca recuperação econômica e um contágio sobre as posições adotadas pelos congressistas.

Confira os principais pontos da entrevista realizada na última sexta-feira:

InfoMoney – Como o senhor vê os principais riscos políticos envolvendo o país depois da aprovação da reforma da Previdência e considerando a situação fiscal, que ainda preocupa os analistas? Têm sido frequentes avaliações de que regras como a do teto e a de ouro correm riscos de serem descumpridas e revistas.
Christopher Garman – Temos um desafio fiscal forte, em que o governo tem que correr contra o tempo para encontrar uma solução do lado obrigatório dos gastos antes da votação do orçamento de 2021. Esse foi o último ano em que é possível formular um orçamento cumprindo o teto dos gastos. Com o aumento dos gastos obrigatórios, as despesas discricionárias vão sendo comprimidas ao ponto de uma paralisia da máquina pública.

Os investimentos no ano que vem estão em R$ 19 bilhões em um orçamento de R$ 1,5 trilhão. Se os gastos discricionários caem abaixo de R$ 75 bilhões, a máquina pública pode parar. No orçamento do ano que vem, está em R$ 89 bilhões. Então, ou você flexibiliza o teto ou ataca o lado do gasto.

O governo vai entrar com três PECs do pacto federativo e também tentar trabalhar via PEC 438/2018 na Câmara dos Deputados [proposta que cria gatilhos para o cumprimento da chamada regra de ouro].

O que tem nos surpreendido é que, mesmo após a aprovação da reforma da Previdência, existe espaço político para atacar parte do desafio fiscal. Existe um reconhecimento nas duas casas da necessidade de se manter o teto e uma boa disposição de atacar parte da estrutura do gasto para abrir espaço discricionário que também beneficia o Legislativo — com mais espaço para investimentos, é possível haver mais emendas no orçamento impositivo.

O trade-off do Congresso é fazer um pouco de ajuste fiscal e abocanhar uma fatia maior do gasto discricionário, seja via emendas ou até descentralização de recursos. Essa é a dinâmica que pode favorecer o avanço parcial dessas reformas. Não acho que darão um cheque em branco, haverá um alívio temporário. O governo também vai enviar uma reforma administrativa ambiciosa. Há espaço para isso avançar, na narrativa do combate aos privilégios. A agenda micro também deve ir adiante.

Hoje temos um Congresso no qual lideranças que não participam de uma base enxergam nessa agenda de reformas econômicas algo do seu próprio interesse. O grande risco é que a economia não decole e daqui a dez meses estejamos crescendo 1,5% e com desemprego de dois dígitos. Se as expectativas forem frustradas no ano que vem e a insatisfação popular crescer, talvez lideranças entrem em pânico. A leitura atual de que essa agenda de reformas está alinhada ao interesse próprio dos congressistas pode ruir e o parlamento corre risco de dar passos para trás.

Nos últimos cinco anos, a política pautou a economia com grandes eventos binários. Hoje isso se inverteu. O atual equilíbrio, em que lideranças parlamentares estão alinhadas com uma agenda de reformas amigáveis ao mercado, pode mudar em um cenário de baixo crescimento por um período mais longo e mudar o cálculo no Congresso que hoje é favorável.

Nosso cenário-base é que as lideranças continuam no equilíbrio atual ao longo de boa parte do ano que vem. Um crescimento de 2% pelo menos dá um alento, é luz no fim do túnel. Não é um ambiente de muito refresco na opinião pública, porque a renda não cresce tanto, o desemprego cai lentamente e as insatisfações com os serviços públicos permanecem. Mas pelo menos a classe política enxerga uma melhora, e, olhando para 2021, talvez um crescimento de 2,5%.

IM – Após a aprovação da reforma previdenciária, o senador Eduardo Braga deu recados ao governo pedindo medidas para a retomada da economia. O Senado pode adotar uma postura mais resistente às reformas daqui para frente?
CG – Certas áreas pode ser que a equipe econômica queria mexer e não vai ter espaço para atuar. Agora, medidas no funcionalismo público como jornada de trabalho talvez sejam difíceis, mas a narrativa de combater privilégios ainda pega. Acho que há espaço para avanços na reforma administrativa e um pouco de espaço para parte da agenda de desobrigação dos gastos — por exemplo, desinvestimento de fundos constitucionais que não estão sendo executados. Há espaço para desafogar um pouco o gasto obrigatório em temas menos sensíveis. Por isso que os avanços vão ser limitados, deverá ser um acordo parcial.

IM – O debate previdenciário estava mais maduro quando Bolsonaro assumiu a presidência, enquanto outras reformas não chegaram a ser debatidas com a mesma intensidade no meio político e em diferentes setores da sociedade. Como o senhor avalia o ambiente para a aprovação dos próximos passos da agenda econômica? E qual é a importância do envolvimento e as condições que o governo tem de fazer a articulação política necessária para o avanço desses temas?
CG – As características que levaram a reforma da Previdência [a ser aprovada] dificilmente vão se repetir. Havia um custo econômico e político muito alto de não fazê-la.

O custo de não fazer uma reforma tributária, por exemplo, não é tão alto quanto da Previdência ou da administrativa. Mas estamos enxergando condições de algum avanço. Do lado da administrativa, existe um bom empenho em que o presidente Rodrigo Maia vai abraçar essa agenda. Acho que existe espaço para atacar alguns penduricalhos do lado dos benefícios dados aos servidores públicos. Para novos entrantes acho mais fácil fazer algo. A proposta vai ser ambiciosa, mas acho que algo sai.

A reforma tributária é complexa, ficou parada na comissão porque o governo atrasou para se posicionar, mas há apoio à PEC pela maioria dos governadores. A entrada de São Paulo na guerra fiscal assusta os outros governadores. E também, no Congresso, existe o interesse de lideranças em fazer algo para ajudar estados e municípios. Nós não apostamos em uma reforma ampla, acreditamos em uma reforma mais restrita ao nível federal. Mas é possível haver uma surpresa positiva.

Do lado do teto, acho que há condições para desafogar um pouco do gasto discricionário reduzindo parte do gasto obrigatório. Talvez não seja uma reforma tão ampla quanto a Previdência, mas alguns avanços tem. Até porque eles ganham com mais gasto discricionário. Essa é a cenoura. Cada reforma que sai vai ter que sair com um pedágio nesse sentido.

IM – Como a Eurasia vê a PEC paralela da reforma previdenciária? É um assunto considerado muito importante para estados e municípios, mas enfrenta resistências sobretudo na Câmara dos Deputados.
CG – Deve sair do Senado, mas tende a morrer na Câmara. Há uma possibilidade se os governadores do Nordeste colocarem suas digitais na reforma, mas apostamos que não sai. O fato de que há alguns governos estaduais avançando em proposta — Eduardo Leite no Rio Grande do Sul; o Ronaldo Caiado em Goiás — diminui isso ainda mais.

IM – A expectativa é de situação fiscal mais dramática para alguns estados, portanto.
CG – A grande reforma dos estados e municípios vai ser a administrativa, com impacto dela é muito maior do que na União. O Brasil 11,5 milhões de funcionários públicos, só 1,2 milhão são federais. Estamos muito de olho na proposta que deve ser divulgada pela equipe econômica. Nossa aposta é que vai ser ambiciosa.

IM – Quais são os possíveis desfechos que o senhor observa para a situação entre Bolsonaro e o PSL? Como isso pode afetar a capacidade de o governo pautar o Legislativo e no diálogo com os parlamentares?
CG – A repercussão é menor do que aparenta. É claro que importa. Uma briga dentro do partido do presidente prejudica, ele perde defensores aliados. A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), por exemplo, cumpriu uma função importante entre o Palácio do Planalto e o Congresso.

Mas o importante para as reformas não é tanto o governo liderando uma base aliada. Quando tem um governo sem base, o importante é a relação das lideranças com o Executivo. E isso pode ser feito com o partido do presidente em crise, por incrível que pareça.

Achamos que essa é uma crise que tem potencial de atrasar um pouco mais a pauta, mas não mina ela. No fundo, o que está em jogo é uma briga para ter controle sobre nomeações e indicações para as eleições municipais. E também pode gerar ruídos como ameaças dentro do PSL, vazamentos de áudios e intrigas. É um desgaste, mas contornável, mesmo que gere desgaste com os deputados.

IM – Muda politicamente se o presidente sai do PSL?
Acho que não. No fundo, é uma briga sobre qual vai ser o partido dominante na direita. O presidente quer ter controle da sigla. Isso fragmenta mais a direita, enfraquece a capacidade do partido do presidente de fazer uma rede de prefeituras maiores e entrar com mais musculatura nas eleições de 2022. Na margem, não é bom para fazer bancadas no Congresso, mas não acho que vá ser uma variável tão importante sobre a eleição presidencial.

O que prejudica mais é que haveria um pouco menos de interlocutores e tropa de choque e pessoas defendendo o governo. Há um custo, sim. Mas não acho que mude o cenário.

IM – O ambiente político na América Latina se mostra mais desafiador com os acontecimentos recentes, especialmente no Chile, Peru, Equador e em meio aos desafios econômicos na Argentina, além da longa crise venezuelana. Como o senhor vê o papel do Brasil neste contexto? E qual tende a ser a postura adotada frente às mudanças de orientação política em países vizinhos, como ocorre no caso argentino?
CG – Cria desafios ao Brasil. Primeiro, é um sinal do desencanto profundo que marcou as últimas eleições. Para o Brasil, a Argentina é a principal preocupação, porque o governo está com um plano de abertura comercial que depende, de um lado, de negociação via Mercosul por acordos, e, de outro, redução unilateral de tarifa com o acordo da Tarifa Externa Comum. Se a Argentina não topar essa agenda, o Brasil vai estar em uma posição difícil de decidir se fica ou sai do Mercosul. Nós achamos que existe um espaço para acordo com Alberto Fernández, mas essa é a principal preocupação do lado da política externa brasileira na região.

Acho que existe um risco de contágio de as dificuldades políticas na região gerarem novos protestos. Os mesmos fatores que levaram às greves no Chile podem ocorrer aqui também, mas a diferença é que temos um presidente com a capacidade de mobilizar pessoas na rua. Então, o risco é de uma polarização, com protestos dos dois lados. De todo modo, para a política externa e o Brasil na região, a principal preocupação é a Argentina.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.