Com Rodrigo Maia na presidência da Câmara, governo Temer avançará nas reformas? Veja dois cenários

Vitória da velha oposição abre caminho para uma nova hegemonia no parlamento, enquanto o futuro do "centrão" ainda é incerto com a decadência de seu líder e fundador

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – O resultado da eleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para o mandato-tampão da presidência da Câmara dos Deputados trouxe alívio para o Palácio do Planalto, que se via em uma complicada posição de evitar provocar exageros na interferência do processo a ponto de desagradar qualquer um dos lados de sua base aliada em disputa, e da mesma forma conquistava maior independência em relação ao poder do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) sobre a agenda e a dinâmica da casa. Na avaliação de analistas e atores do mundo político, o principal derrotado na votação de ontem foi o peemedebista, que agora vê as chances de perder o mandato por cassação crescerem ainda mais. No quadro mais geral, sobram as dúvidas sobre o futuro do chamado “blocão”, grupo parlamentar que tinha nele a figura do líder capaz de unificá-lo.

O cientista político e professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) Cláudio Couto avalia que ainda é muito cedo para qualquer conclusão que aponte para o esfarelamento do “centrão”, embora a impressão atual indique uma possível mudança de hegemonia com o ganho de força da chamada “velha oposição” (PSDB-DEM-PPS-PSB), hoje na base do governo do presidente interino Michel Temer. Para muitos, a vitória de Rodrigo Maia sobre o candidato favorito do bloco, Rogério Rosso (PSD-DF), se deu muito por conta de uma aliança entre o derrotado e Eduardo Cunha. Entre os fatores que indicam uma possível divisão no “blocão”, destaque para o fato de muitos parlamentares do bloco terem optado pelo candidato do Democratas no segundo turno, caso da bancada do PR, que teve Fernando Giacobo (PR) como representante no pleito. Com a prevista derrocada do ex-presidente da casa, tendem a se acentuar as diferenças entre os membros do grupo por ele administrado, embora a permanência na base do governo seja vista como cenário mais provável.

O próprio Michel Temer já vislumbrou a oportunidade de aproveitar o atual momento de fragilidade do bloco parlamentar para incorporá-lo de vez à base governista. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o presidente interino disse que pretende implodir o “centrão” e que confia no recesso branco do Legislativo para costurar os acordos necessários e reparar as “pequenas rachaduras” deixadas na disputa pelo comando da Câmara. “Quando chegar agosto, não haverá cicatriz. Eu quero aos poucos desidratar essa coisa de Centrão e outro grupo (formado pela antiga oposição). Quero que não haja mais essa coisa. É preciso unificar isso. Quero que seja tudo situação”, disse o peemedebista. Sobre a possibilidade de uma nova reforma ministerial para que a possível mudança de hegemonia na casa seja melhor representada, Temer avalia que ainda é cedo para tal avaliação, mas adianta não ver feridas na base escolhida para compor a Esplanada.

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“A eleição de Rodrigo Maia é a eleição de um representante mais tradicional, não desse núcleo que se autodenominou ‘centrão’, da política do ‘é dando que se recebe’, que costuma fazer parte da base desde que bem recompensado”, avaliou Couto em conversa por telefone. Para ele, o novo presidente da Câmara representa uma liderança mais capaz de atuar institucionalmente “com respeito do lugar de cada um no sistema”. É o caso do papel das comissões, onde se espera um respeito maior às decisões tomadas e menos artifícios regimentais alternativos. Outros elementos de destaque na personalidade e fala do deputado carioca que também podem ter pesado no resultado são a atenção dada à “lealdade” para que compromissos assumidos politicamente sejam cumpridos e o respeito aos direitos das minorias. Para Couto, esses fatores podem ajudar a entender o apoio de deputados de PT, PCdoB e Rede a Maia.

“Esses partidos tiveram o cálculo de qual seria a perda menor”, avaliou o professor. Um dos pontos muito criticados pelos eleitores e pensadores da esquerda foi a dispersão dos partidos da oposição: após ensaiar acordo com Maia (que acabou se confirmando no segundo turno pela maioria dos deputados do partido), o PT optou por apoiar a candidatura de Marcelo Castro, vencedor da disputa interna no PMDB, ex-ministro da Saúde de Dilma, contrário ao impeachment na votação da Câmara; o PCdoB fechou posição com Maia em troca da extinção da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da UNE (União Nacional dos Estudantes); a Rede teve a candidatura de Miro Teixeira (Rede-RJ); enquanto o PSOL lançou Luiza Erundina (SP). Do lado do PT, ainda houve a candidatura de última hora da ex-ministra Maria do Rosário (RS), que depois das pressões internas na sigla recuou da decisão.

“Houve um momento em que todo mundo tentou marcar território. Muitos dos que foram candidatos também quiseram projetar seu nome. Diante da divisão e da percepção de que não seria possível vencer, talvez fosse interessante marcar posição”, explicou Couto, minimizando possíveis rachas na oposição. Um levantamento feito pelo jornalista André Shalders, do blog de Fernando Rodrigues, no entanto, mostrou que, dos 56 petistas presentes no primeiro turno da eleição para a presidência da Câmara, 25 deixaram o plenário sem votar no segundo turno, expondo divergências na base e as dificuldades do líder Afonso Florence (BA) unificar posição da bancada, apesar dos esforços mencionados em discurso de posse de Maia — visto como atitude que evidenciou os problemas na oposição de esquerda.

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Embora muito se fale nas cicatrizes geradas por uma disputa tão acirrada entre o “centrão” e a “velha oposição”, o professor acredita que o atual momento pode representar uma oportunidade para o governo, caso mantenha a base unificada, fazer avançar sua própria agenda de reformas para a economia. “O governo tem instrumentos para iniciar uma agenda própria de forma mais produtiva. Claro que decisões erradas podem destruir muitas coisas, mas esse governo é mais calejado que o anterior”, observou Couto.

Avaliação contrastante é apresentada pelo analista político da XP Investimentos, Richard Back. Apesar da percepção de melhora no cenário político da Câmara, Back prefere ser cauteloso sobre a possibilidade de o governo avançar com pautas mais complexas na casa no curto prazo. Embora elogie a habilidade de se comunicar e fazer política da equipe de Temer em muitas situações, o analista chama atenção para um cenário de diversos feridos por conta da recente disputa não apenas na oposição, mas também na base do governo. A candidatura de Marcelo Castro (PMDB-PI), embora tenha mais ajudado do que atrapalhado o Planalto, em uma análise mais fria e distante dos acontecimentos, mostrou uma insatisfação dentro do partido do próprio presidente interino que precisará ser administrada. Ainda é cedo também para avaliar como vão se comportar os partidos do “centrão” e o que será do bloco nos próximos meses. O abraço entre Maia e Rosso pode significar menos do que pretendia e garantir menos do que se espera um acordo de paz mais longevo no Legislativo. Depois de uma disputa tão acirrada, um período de trégua para que uma nova conjuntura seja construída e assimilada pode ser necessário.

Além disso, o analista da XP Investimentos lembra que a interinidade impede Temer de propor uma agenda mais ousada, ainda que a possibilidade de o Senado derrubar o impeachment de Dilma Rousseff seja muito baixa. O nível de popularidade reduzido também pode inibir os parlamentares a se comprometerem com tais esforços, que poderiam custar muito caro em ano de eleições municipais — fator crucial que esfria qualquer interesse maior em aprovar reformas como a da Previdência, além de encurtar o calendário político de um ano marcado por paralisia em Brasília. Em meio a tanta incerteza, uma coisa é consenso entre os especialistas: cautela nunca é demais no atual momento.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.