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Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) identificou fragilidades “relevantes” nos controles internos dos Correios e recomendou ajustes no balanço da estatal de 2023 que podem elevar o prejuízo em cerca de R$ 1 bilhão. A CGU também recomendou que a empresa melhore os controles internos relativos ao acompanhamento das ações judiciais, e estabeleça um mecanismo para melhorar a interlocução entre a área jurídica e contábil sobre o tratamento de contencioso jurídico.
A empresa vive a pior crise de sua história. No ano até setembro, o resultado negativo é de cerca de R$ 6 bilhões e uma das despesas que mais cresce nos últimos anos é de precatórios, o pagamento de dívidas relativas a ações judiciais. O ajuste no balanço já estava no radar da empresa, uma vez que a área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) já havia feito recomendação parecida, mas integrantes da estatal dizem que o problema maior da empresa é de caixa. Procurada, a empresa não se manifestou.
A análise da CGU mirou, principalmente, a redução de R$ 1,032 bilhão para R$ 18 em uma provisão (reserva) para fazer frente a processos trabalhistas que questionavam o pagamento de benefícios salariais aos empregados dos Correios. A mudança foi feita em fevereiro de 2024, com reflexo no balanço de 2023, período em que a estatal teve prejuízo de R$ 597 milhões. O argumento da empresa é de que o passivo esperado com as ações trabalhistas poderia ser compensado com um possível ganho da estatal em outro processo correlato.
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As duas discussões judiciais tratam do Adicional de Atividade de Distribuição e/ou Coleta Externa (AADC) e o Adicional de Periculosidade para Atividades de Motocicleta (AP). O primeiro foi criado pelos Correios em 2008 e foi pago aos funcionários elegíveis da empresa até novembro de 2014, quando o Ministério do Trabalho criou o adicional de periculosidade para motociclistas. No entendimento da empresa, os dois benefícios tinham a mesma natureza.
Depois, contudo, em agosto de 2022, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) reconheceu a legalidade do pagamento cumulativo do AADC e do AP. Apesar disso, a estatal demorou a reconhecer corretamente as ações como “perda provável”, com a atualização do valor para a inclusão de juros e multa. Somente em dezembro de 2023 passou a constar uma provisão de R$ 1,032 bilhão relativas aos processos.
Em janeiro de 2024, por sua vez, os Correios conseguiram uma decisão liminar favorável em uma outra ação, que pedia a nulidade da portaria do Trabalho que criou o adicional de periculosidade, com efeitos retroativos. Por isso, na visão da empresa, seria possível aplicar a compensação entre os débitos das ações trabalhistas e os créditos obtidos com a nulidade do segundo benefício — embora nenhum dos processos tenha sido encerrado.
Segundo o relatório da CGU, levantamento interno da empresa ainda mostrou saldo favorável aos Correios de R$ 16,5 milhões. Dessa forma, houve a redução da provisão de R$ 1,032 bilhão para R$ 18, representando R$ 1 por ação, porque o sistema dos Correios, obsoleto, não aceitou a mudança para zero.
Para a CGU, contudo, para fins de registro contábil, o uso da compensação no âmbito das ações trabalhistas em andamento “carece de evidências mais concretas”. Segundo o órgão, embora a compensação seja um instrumento jurídico possível, as normas contábeis não permitem que a evidência nos balanços da empresa seja realizada pelo “valor líquido” devido à perda de transparência.
“Constatou-se que a prática de compensação entre ações judiciais distintas, adotada pela ECT (Correios) para justificar a redução de provisão no montante de R$ 1,032 bilhão para R$ 18,00, não se encontra em conformidade com os princípios e normas contábeis vigentes. Tal procedimento resultou em um registro contábil que não reflete com fidelidade a obrigação presente da entidade, descumprindo os critérios de reconhecimento, mensuração e evidenciação contábil.”
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Diante disso, a CGU recomendou que os Correios façam ajustes nos registros contábeis e reapresente o balanço em relação às ações judiciais relativas aos benefícios, considerando as normas contábeis vigentes.
Estimativas
A auditoria também encontrou fragilidades na mensuração das estimativas dos débitos relativos às ações trabalhistas e dos créditos referentes ao pagamento do AP. A inconsistência, segundo a CGU, aponta que há risco de distorção do cálculo a favor dos Correios.
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“Com base no exposto, constatou-se que há divergências entre os empregados considerados na base de apuração da compensação/dedução e os que foram abrangidos na liquidação das ações, podendo ocasionar o risco de distorção na apuração do saldo a favor dos Correios, no valor de R$ 16,5 milhões, que serviu como uma das principais evidências para liquidar as ações de cumulatividade do AADC.”
Nesse ponto, a CGU recomendou a revisão da memória de cálculo dos valores a serem utilizados em eventual compensação nas ações relacionadas à cumulatividade do AADC. Segundo o órgão, as estimativas devem ser feitas de forma individualizada, por empregado.
Outro achado da auditoria foi a fragilidade nos controles internos relativos ao acompanhamento das ações judiciais, sobretudo envolvendo o sistema utilizado pela estatal, mas também os normativos internos, com problemas do ponto de vista prático e conceitual.
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Em relação ao sistema, foram identificados casos de duplicidade de processos, bem como inconsistências nos dados inseridos, o que, segundo a CGU, evidencia a inexistência de validações automáticas no momento do registro.
“Tais fragilidades comprometem a confiabilidade da base de dados utilizada para fins gerenciais e contábeis, além de dificultarem o monitoramento efetivo das ações por parte dos gestores responsáveis”, diz o relatório.
Foram identificados problemas também no processo de preenchimento dos valores estimados de perda ou êxito das ações judiciais. Segundo o órgão, o campo tem sido preenchido com o valor da causa, não com as estimativas do valor financeiro efetivamente pretendido na demanda.
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“A utilização equivocada do valor da causa como se fosse o valor estimado compromete a fidedignidade das informações utilizadas para fins de provisão contábil e avaliação de riscos, além de evidenciar deficiência na aderência dos procedimentos internos às normas estabelecidas.”
O órgão também apontou falta de rotinas de controle para revisão periódica de classificação de risco das ações judiciais e limitações técnicas do sistema utilizado.
“Em termos de consequências, as fragilidades identificadas comprometem a eficácia do controle institucional sobre os passivos judiciais, dificultam o monitoramento tempestivo das ações e expõem a entidade ao risco de contabilização inadequada de provisões. Além disso, a inconsistência dos dados registrados no sistema IUS reduzem a confiabilidade das informações utilizadas na elaboração das demonstrações contábeis, podendo comprometer a transparência e a fidedignidade das informações prestadas aos órgãos de controle e à sociedade”.
Nesse contexto, a CGU recomendou que os Correios aprimorem os controles internos relativos ao acompanhamento das ações judiciais, estabeleçam indicadores para medir a eficácia do processo e mecanismos para melhorar a interlocução entre a área jurídica e contábil sobre o tema, como a criação de um comitê, e implemente medidas para melhorar a gestão informatizada do contencioso judicial e administrativo.