Câmara vê janela de oportunidade para aprovar fim dos “supersalários”

Projeto, em tramitação há mais de 4 anos, promete acabar com rendimentos acima do teto constitucional e pode gerar economia de R$ 2,3 bilhões por ano

Marcos Mortari

O deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR) discursa em plenário (Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados)

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SÃO PAULO – A discussão sobre reforma administrativa em comissão especial na Câmara dos Deputados abriu uma nova janela de oportunidade para que parlamentares tentassem incluir na pauta da casa legislativa o debate sobre os chamados “supersalários” no serviço público.

Há mais de quatro anos, tramita na casa um projeto de lei que busca regulamentar o limite para a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos. O PL 6.726/2016 foi proposto pela Comissão Especial do Extrateto do Senado Federal e aprovado pela casa no mesmo ano, mas desde então está pendente de apreciação pelos deputados.

Relator da matéria desde que começou a tramitar na Câmara, o deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR) diz que ela até hoje não foi votada por pressão de corporações, mas avalia que o momento é favorável para o debate e há consenso entre as bancadas.

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“A Constituição fala exatamente que ninguém no serviço público pode receber mais que ministros do Supremo Tribunal Federal, que tem a base salarial do teto do serviço público. No entanto, ao longo do tempo, foram criando penduricalhos de toda ordem. Dois terços dos juízes do Brasil ganham praticamente o dobro de salário do teto. Temos que dar um basta nisso”, argumenta.

“Onde está o problema [dos ‘supersalários’]? Tem problema no Legislativo? Tem. Tem no Executivo? Tem. Agora, quando você chega no Judiciário e no Ministério Público, é um escândalo”, complementa.

“Nós não conseguimos votar até hoje por pressão de juízes e promotores, com todas as letras”, pontua o parlamentar.

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Bueno avalia que o projeto pode ajudar na tramitação da proposta de reforma administrativa (PEC 32/2020) encaminhada pelo governo federal. Isso porque o texto que saiu do Palácio do Planalto só vale para os futuros servidores e deixa de fora promotores, juízes e parlamentares.

“Há privilégios no serviço público brasileiro e não são combatidos. Combatendo-nos agora, zerando isso, colocando limites para valer em todas as instâncias, você tem como discutir e debater argumentos fortes de uma reforma administrativa. A casa está pronta para votar um projeto que atinja a todos. Todos são cobrados por isso”, pontua.

O deputado Vinicius Poit (SP), líder da bancada do Novo, também defende que o projeto de lei contra os “supersalários” seja votado antes que o debate sobre a reforma administrativa avance na casa legislativa. “Ele é vital, até para ganhar apoio da base do funcionalismo público, uma vez que a PEC 32 é reforma administrativa até certo ponto, já que não atinge a elite”, diz.

“Como o funcionário da base vai olhar para essa reforma e apoiar? Quando você já corta os supersalários logo de cara, antes até da reforma administrativa, é uma sinalização de que ninguém vai ficar de fora. É muito positiva para a base do funcionalismo. Todo mundo ganha, principalmente o povo pagador de imposto”, complementa.

“Uma condição que os líderes colocaram para votar a reforma administrativa é votar o PL dos supersalários”, observa o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP). O parlamentar é autor de emenda à PEC da reforma administrativa que busca impossibilitar vencimentos acima do teto constitucional.

“O PL é complementar às emendas antiprivilégio que apresentamos, porque a previsão de que as verbas que não podem ultrapassar o teto são remuneratórias e não indenizatórias é uma previsão constitucional, que a gente pode regulamentar dizendo o que são as verbas indenizatórias, mas ainda assim vai existir uma brecha, que buscamos fechar definitivamente com as emendas”, explica.

Além do efeito pedagógico e simbólico para o discurso do combate a privilégios, o relator Rubens Bueno espera que o PL dos “supersalários” traga uma economia de pelo menos R$ 2,3 bilhões ao ano para os cofres da União, dos Estados e dos municípios.

Outro fator que favorece a tramitação do projeto advém do incômodo de parlamentares com a postura adotada por procuradores. Diante da possibilidade de avanço da pauta, a categoria intensificou pressão sobre os legisladores para manterem as atuais condições remuneratórias.

Por outro lado, manifestações de membros do Ministério Público ácidas contra a Câmara dos Deputados depois que a casa, por ampla maioria, aprovou proposta que revisa a Lei de Improbidade Administrativa, determinando aplicação de punição somente em casos de dolo, geraram profunda irritação.

O episódio teria estimulado o presidente da casa, Arthur Lira (PP-AL), a empenhar-se em dar sequência à tramitação do PL dos “supersalários” em resposta à categoria. A matéria tem sido tratada em conversas entre os líderes partidários.

A expectativa é que Rubens Bueno intensifique as conversas com os parlamentares e apresente, nos próximos dias, uma versão final do projeto. Havendo entendimento, o texto pode ser levado diretamente ao plenário por requerimento de urgência, antes mesmo do possível recesso parlamentar (que normalmente começa em 17 de julho).

A proposta conta, inclusive, com a simpatia de parlamentares contrários à reforma administrativa.

O deputado professor Israel Batista (PV-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, argumenta que, ao contrário da PEC 32/2020, o projeto de lei que trata dos “supersalários” combate privilégios.

“Isso já tem acordo. Esse tema unifica a Câmara”, afirma.

A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) também acredita que o projeto corrige distorções. “Eu sou a favor do PL 6.726/2016, porque acho que corrige algo que está fora da legislação, que são pessoas que ganham acima do teto”, diz.

“Discordo do argumento recorrente de que isso vá resolver os problemas das contas públicas ou que esse seria o real e profundo problema da economia no país. No entanto, é um projeto justo e necessário, e, de fato, deveria ser levado adiante muito antes de você já prejudicar trabalhadores que ganham baixos salários e que estão na ponta do atendimento da população e não têm nenhum tipo de privilégio, de regalia, como infelizmente o governo, principalmente Paulo Guedes, os apresenta, como se fossem os grandes vilões da sociedade brasileira”, continua.

Entenda a proposta

A Constituição Federal prevê que o limite remuneratório na administração pública é o subsídio mensal dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), hoje em R$ 39,2 mil. Mas alguns rendimentos estão fora da regra do teto do serviço público e, na prática, são usados como um escape para que sejam possíveis remunerações acima do limite previsto.

O texto em discussão busca discriminar o tipo de rendimento sujeito aos limites constitucionais, aplicando “travas” aos caminhos até então usados para driblar as regras. Desta forma, ficam submetidos ao teto: vencimentos, salários, soldos, subsídios, verbas de representação, abonos, prêmios, adicionais, gratificações, horas-extras, auxílios-moradia, entre outras receitas.

Por outro lado, ficam de fora do teto valores com caráter indenizatório, como parcelas que: não se incorporem à remuneração, nem gerem acréscimo patrimonial; objetivem reembolsar os agentes públicos por despesas efetuadas no exercício de suas atividades; ou constituam auxílio-alimentação, para suprir necessidades nutricionais da jornada de trabalho; ajuda de custo em razão de mudança por interesse da administração; diárias decorrentes de viagens a trabalho; auxílio-transporte; auxílio-fardamento; auxílio-invalidez; adicional ou auxílio-funeral, entre outras.

As alterações previstas no texto atingem todos os agentes públicos, bem como aposentados e pensionistas, civis e militares, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios.

No caso da União, que representa a administração pública federal, o limite de rendimentos é o próprio subsídio mensal dos ministros do STF. Já nos estados e no Distrito Federal, o limite remuneratório definido para os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) varia:

– No Executivo, corresponde ao subsídio do governador, cujo limite é também aplicado aos respectivos membros do Ministério Público e da Defensoria Pública;

– No Legislativo, equivale ao subsídio de deputados estaduais e distritais, e é também aplicado aos membros dos Tribunais de Contas e do respectivo Ministério Público de Contas; e

– No Judiciário, equivale ao subsídio dos desembargadores do Tribunal de Justiça.

Já no caso dos municípios, o teto remuneratório no Executivo e no Legislativo corresponde ao subsídio mensal recebido pelo prefeito.

A proposta do Senado estabelece que rendimentos sujeitos a diferentes limites – um pelo estado e outro pelo município – deverão ser somados e terão o teto definido pelo de maior valor, sem prejuízo da aplicação, a cada cargo, emprego, aposentadoria ou pensão, de seu respectivo limite.

O texto também abre a possibilidade de unidades da federação fixarem, em suas constituições e leis orgânicas, um subteto único. O limite, neste caso, deve ser correspondente ao subsídio mensal dos desembargadores do Tribunal de Justiça ‒ ou seja, 90,25% do subsídio mensal dos ministros do Supremo ‒ e será aplicado também ao governador do estado.

Na Câmara dos Deputados, o relator Rubens Bueno pretende incluir ao texto a possibilidade de o agente público que autorizar ou omitir informação de rendimentos acima do limite constitucional ser responsabilizado. O relatório ainda não finalizado prevê pena de dois a seis anos de prisão. Caso modificações sejam aprovadas, o PL terá de passar por nova avaliação dos senadores.

(com Agência Câmara)

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.