Câmara reclama de articulação política do governo e põe em risco ministérios de Lula; MP tem menos de 48 horas para ser aprovada

Caso texto não seja votado por deputados e senadores, Esplanada dos Ministérios voltará ao desenho do governo de Jair Bolsonaro (PL)

Marcos Mortari

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Em mais uma noite de derrotas no Congresso Nacional, o governo viu o plenário da Câmara dos Deputados não apenas aprovar o projeto de lei que trata do marco temporal da ocupação de terras por povos indígenas (PL 490/2007) mas adiar a votação da medida provisória da reestruturação dos ministérios (MPV 1.154/2023), encurtando ainda mais o prazo para a análise do assunto.

O texto precisa passar pelas duas casas legislativas até amanhã (1º) ou irá “caducar” (ou seja, perderá validade). Caso isso aconteça, a estrutura da Esplanada dos Ministérios voltaria ao desenho da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), com a extinção de pastas como dos Povos Indígenas, do Desenvolvimento Agrário, das Mulheres e dos Direitos Humanos.

No campo econômico, os ministérios da Fazenda, do Planejamento e Orçamento, da Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços − comandados respectivamente por Fernando Haddad (PT), Simone Tebet (MDB), Esther Dweck e Geraldo Alckmin (PSB) − voltariam a ser uma coisa só.

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Na prática, a estrutura de 37 ministérios formada por Lula em seu primeiro dia de terceiro mandato passaria a contar com as 23 pastas do governo do antecessor.

Durante a sessão de ontem (30), o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) criticou as modificações na medida provisória e, em uma associação com a votação do marco temporal, manifestou preocupação com “os rumos da democracia brasileira”.

“O presidente Lula foi eleito Presidente da República. Nós não estamos no semipresidencialismo ou no parlamentarismo. Há um Presidente da República eleito com um programa que ele, inclusive, enviou, porque é competência privativa do Executivo enviar propostas de alteração na estrutura administrativa. Isso nunca houve na história. Houve alterações, como o esvaziamento do Ministério dos Povos Indígenas e do Ministério do Meio Ambiente”, disse.

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A decisão de adiar a votação do texto em plenário ocorreu por entendimento entre os líderes partidários e mesmo após o Palácio do Planalto ter indicado que não mais brigaria para reverter o esvaziamento do Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática, hoje sob o comando de Marina Silva (Rede) e do Ministério dos Povos Originários, de Sonia Guajajara (PSOL).

Pelo substitutivo aprovado em comissão mista, sob a relatoria do deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL), o Ministério da Justiça e Segurança Pública voltará a responder pelo reconhecimento e pela demarcação de terras indígenas, retirando atribuições do Ministério dos Povos Indígenas.

O relator avaliou que o Ministério da Justiça deve continuar sendo o responsável pelo reconhecimento à demarcação das terras e dos territórios indígenas “à luz do princípio constitucional da eficiência administrativa e da continuidade das políticas destinadas aos povos indígenas”.

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Já o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas deixará de ser responsável pelo Cadastro Ambiental Rural (CAR), que estará vinculado ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos; e pelos sistemas de saneamento básico, resíduos sólidos e recursos hídricos, que vão para o Ministério das Cidades.

O relator afirmou que o objetivo também é promover a eficiência da gestão pública. “Considerando que tal cadastro, de forma simples, é um registro público eletrônico nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, que tem finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, materialmente, entendemos oportuno e relevante que tal competência seja exercida pelo Ministério da Gestão”, opinou.

Já o Ministério do Desenvolvimento Agrário, comandado por Paulo Teixeira (PT), perderia o controle sobre o Plano Safra, que ao Ministério da Agricultura e Pecuária, de Carlos Fávaro (PSD).

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O conjunto de alterações foi criticado por governistas, que já adiantaram que poderão recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para evitá-las. Em audiência na Câmara dos Deputados, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, defendeu a manutenção do texto original da MPV.

Para a ministra, se o Congresso retomar a estrutura do governo passado, será uma sinalização ruim para o mundo e serão fechadas as janelas de oportunidades para a transição para um país da sustentabilidade, inclusive podendo prejudicar acordo comercial entre Mercosul e União Europeia.

Mas nos bastidores há uma avaliação de pouco empenho do Palácio do Planalto em comprar a briga com o parlamento. Na semana passada, o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), comemorou a aprovação do texto modificado em comissão mista e alegou que a prioridade era votar a matéria nos plenários das duas casas legislativas, evitando a caducidade da matéria. Apesar das alterações, o congressista sustentou que “95% da medida provisória original” estava mantida.

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Em almoço com integrantes da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), disse que o governo defenderia o relatório da MPV “do jeito que ele está”. “Não digo que é o relatório ideal para o governo, porque o ideal é o texto original, mas não existe isso. Existe construção com a Câmara, com o Senado”, disse.

O adiamento da votação da MPV foi mais um dos inúmeros recados de insatisfação de deputados com a articulação política do Poder Executivo. Há reclamações sobre a demora no pagamento de emendas parlamentares e distribuição de cargos no segundo escalão da administração pública.

Congressistas cobram que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assuma pessoalmente as negociações para destravar o impasse com o Poder Legislativo. O governo tem agora menos de 48 horas para desatar os nós.

(com Agência Câmara)

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.