Câmara pode votar PEC que modifica teto de gastos e limita pagamento de precatórios; entenda a proposta

Texto abre espaço superior a R$ 80 bilhões no Orçamento de 2022 e é tratado como fundamental para viabilizar novo programa Auxílio Brasil

Marcos Mortari

O plenário da Câmara dos Deputados (Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

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SÃO PAULO – O plenário da Câmara dos Deputados realiza, nesta quarta-feira (27), sessão em que pode ser votado o parecer do relator Hugo Motta (Republicanos-PB) para a Proposta de Emenda à Constituição dos Precatórios (PEC 23/2021).

Ontem (26), o presidente da casa legislativa, Arthur Lira (PP-AL), disse que conversaria com líderes da oposição para avaliar o sentimento em relação à matéria e que “muito provavelmente” o texto estaria pronto para deliberação hoje.

O texto, aprovado em comissão especial na semana passada, abre espaço superior a R$ 80 bilhões para o governo federal no Orçamento de 2022. O movimento é tratado como fundamental para viabilizar o Auxílio Brasil ‒ novo programa de transferência de renda que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) quer tirar do papel para substituir o Bolsa Família.

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A ideia do governo é aplicar um reajuste de 20% sobre todas as faixas de famílias beneficiárias do programa permanente, que passarão de 14,7 milhões para cerca de 17 milhões até o fim do ano, e garantir que nenhuma delas receba menos de R$ 400,00 mensais até dezembro de 2022. Para isso, o programa será somado a uma espécie de “benefício transitório”.

O substitutivo em análise pelos deputados, de um lado, estabelece uma trava para o pagamento de dívidas judiciais sem possibilidade de recurso, baseada na própria regra do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas públicas à inflação do ano anterior. Apenas esta mudança garantiria espaço estimado em R$ 50 bilhões para o Orçamento do ano que vem.

Do outro lado, o texto revoga dispositivo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal e antecipa a revisão da metodologia do teto de gastos ‒ inicialmente prevista apenas para 2026, quando a regra fiscal completaria dez anos de vigência.

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Hoje, o teto de gastos permite a atualização dos gastos públicos pela inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), acumulada em 12 meses até junho do ano anterior.

Ou seja, se a regra fosse mantida, a correção de 2022 levaria em conta a alta dos preços entre julho de 2020 e junho de 2021. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o indicador teve variação positiva de 8,35% no período. O que faria com que o limite para as despesas fosse para R$ 1,609 trilhão no ano que vem.

O novo texto em discussão, por sua vez, muda o período de aferição da inflação que ajusta a regra fiscal. Pela versão aprovada em comissão especial, a janela observada passaria a ser de 12 meses encerrados em dezembro do ano anterior ao exercício. E ainda: os novos valores seriam determinados por ajuste retroativo de toda a regra desde sua criação, em 2016.

Na prática, isso faria com que o teto de gastos saltasse de R$ 1,609 trilhão para cerca de R$ 1,644 trilhão (diferença de R$ 35 bilhões) em 2022, considerando as projeções mais recentes da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia para a inflação.

Conforme divulgado no Boletim Macrofiscal de setembro, a pasta estima que o IPCA encerre o ano com alta acumulada de 7,90%. O número, porém, é muito abaixo do que estimam casas de análise do mercado financeiro ‒ o que pode tornar a folga no Orçamento ainda maior.

Considerando as projeções que constam no último Relatório Focus divulgado pelo Banco Central, que indicaram IPCA a 8,96% ao final de 2021, o governo poderia ter um “fôlego” de R$ 50,946 bilhões no teto de gastos.

O novo “teto light” e as limitações para o pagamento de precatórios podem abrir um espaço fiscal de até R$ 100 bilhões para o governo federal em 2022. O que pode garantir recursos não apenas para o Auxílio Brasil, mas para outras despesas solicitadas pelos parlamentares em ano eleitoral.

As mudanças na âncora fiscal frustraram agentes econômicos e provocaram um sell-off no mercado na semana passada. O movimento patrocinado pelo governo foi visto por investidores como saída conveniente, injustificável – e até eleitoreira – para uma limitação sobre as despesas públicas. O que já gerou impacto nas projeções para inflação e juros nos próximos anos.

Do lado dos precatórios, o substitutivo em discussão limita os pagamentos de determinado exercício a uma correção anual pela inflação do valor pago em 2016. Na prática, é a mesma lógica do teto de gastos, desta vez usada para restringir o pagamento de dívidas que a própria Justiça determina que o poder público deve pagar.

O limite para a expedição de precatórios corresponderá, em cada exercício, ao limite estabelecido pela atualização da regra fiscal, reduzido da despesa com o pagamento de requisições de pequeno valor, que terão prioridade no pagamento.

O novo texto determina que precatórios que não forem expedidos, em razão da restrição de despesas aplicada, tenham prioridade nos exercícios seguintes. O cálculo do limite não considera um possível “encontro de contas” entre os entes e atualização monetária.

Pelo substitutivo, os credores não contemplados poderiam optar pelo recebimento dos recursos em parcela única, até o final do exercício seguinte, mediante acordos diretos perante Juízos Auxiliares de Conciliação de Pagamento de Condenações Judiciais contra a Fazenda Pública Federal, desde que com renúncia de 40% dos valores. A norma seria regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Outra inovação introduzida é a possibilidade de o ente devedor utilizar empréstimos como instrumento específico de liquidação de precatórios, mediante acordo direto com os credores.

O novo substitutivo também torna possível a utilização dos precatórios para:

I) Quitação de débitos parcelados ou débitos inscritos em dívida ativa do ente devedor, inclusive em transação resolutiva de litígio, e, subsidiariamente, débitos com a administração autárquica e fundacional do mesmo ente;

II) Compra de imóveis públicos de propriedade do mesmo ente;

III) Pagamento de outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial promovidas pelo mesmo ente;

IV) Aquisição, inclusive minoritária, de participação societária do respectivo ente federado;

V) Compra de direitos do respectivo ente federado, inclusive, no caso da União, da antecipação de valores a serem recebidos a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo.

A versão original encaminhada pela equipe econômica do governo federal apenas previa as situações de compra de imóveis públicos ou aquisição de participação societária.

O relator Hugo Motta manteve no texto a possibilidade do chamado “encontro de contas” entre a União e os entes federativos, inclusive com a possibilidade de dedução dos valores eventualmente devidos por estados de recursos estipulados para repasse pelos fundos de participação, tal qual previa a proposta original.

Também estão previstas novas rodadas de refinanciamento de dívidas previdenciárias dos municípios, com prazo máximo de 240 meses, mediante autorização em lei municipal específica, e desde que comprovem ter alterado a legislação do regime próprio de previdência social para atendimento de determinadas condições. A formalização dos parcelamentos será até 30 de junho de 2022 e fica condicionada à autorização de vinculação do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para fins de adimplemento das prestações.

Entre as contrapartidas exigidas, o texto lista medidas de ajuste fiscal, como a adoção de regras de elegibilidade, cálculo e reajustamento dos benefícios que contemplem regras assemelhadas às aplicáveis aos servidores públicos do RPPS da União, a adequação da alíquota de contribuição devida pelos servidores e a instituição do regime de previdência complementar.

Novos riscos fiscais

A PEC afasta o teto de gastos do caminho do mundo político em 2022, mas há dúvidas entre analistas se os valores liberados serão vistos como suficientes para acomodar todas as demandas. Dentro do governo, há quem defenda a ampliação do repasse do Auxílio Brasil para R$ 500,00 ou até R$ 600,00.

Há também discussões para a inclusão de 15 milhões de “invisíveis”, que hoje recebem auxílio emergencial, mas não fazem parte das 17 milhões de famílias contempladas pelo novo programa social. Caso seja aprovado um pagamento de R$ 200,00 mensais para o grupo, a conta poderia aumentar em mais de R$ 30 bilhões.

Nas contas feitas por congressistas, o governo precisará de R$ 49 bilhões para pagar os R$ 400,00 aos beneficiários do Auxílio Brasil. Outros R$ 3,6 bilhões serão necessários para bancar o “auxílio diesel”, sinalizado por Bolsonaro aos caminhoneiros.

Os parlamentares também tentam aproveitar o espaço fiscal aberto com a PEC dos Precatórios para aumentar o fundo eleitoral de R$ 2,1 bilhões para R$ 5 bilhões e incluir R$ 16 bilhões para obras de indicação dos parlamentares, a partir das chamadas “emendas de relator” (RP9).

Deputados de oposição também se movimentam para barrar o limite para o pagamento de precatórios. Eles entendem que a medida fere direitos adquiridos e pode provocar um efeito “bola de neve” para os futuros governos, caso essas despesas mantenham crescimento superior às restrições impostas pelo teto de gastos.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.