“Câmara está com poder que nunca vi na vida”, diz Haddad, que pede “moderação”

Em entrevista, ministro diz que tal poder não pode ser usado para "humilhar Senado e Executivo"

Marcos Mortari

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), durante reunião com líderes partidários do Senado Federal (Foto: Pedro Gontijo/Senado Federal)

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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), afirmou que a Câmara dos Deputados “está com um poder muito grande” em relação a outras instituições.

Em entrevista concedida ao jornalista Reinaldo Azevedo, divulgada nesta segunda-feira (14), ele afirmou que o Brasil saiu do modelo do presidencialismo de coalizão para o que ele classificou como “coisa estranhíssima”, em uma espécie de parlamentarismo sem primeiro-ministro.

“Nós saímos daquilo que os cientistas políticos chamavam de presidencialismo de coalizão. E hoje a gente vive uma coisa estranhíssima, que é uma espécie de parlamentarismo sem primeiro ministro”, afirmou o ministro.

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O termo “presidencialismo de coalizão” ficou conhecido na ciência política como um modelo no qual o governo em curso oferece espaços no Poder Executivo a lideranças partidárias em busca de construção de maioria parlamentar.

A maior participação dos partidos políticos na administração pública e no Orçamento federal tem como contrapartida o desenho de uma coalizão mais sólida nas duas casas legislativas, aumentando as chances de o Palácio do Planalto aprovar proposições de seu interesse no parlamento.

Nos últimos anos, no entanto, com a aprovação da impositividade da execução de emendas parlamentares, e com o avanço de instrumentos como o chamado “Orçamento secreto”, houve um aumento do poder do Legislativo em relação ao Executivo e uma menor dependência dos parlamentares em relação a recursos antes sob controle da União.

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Na visão de alguns especialistas, as mudanças inauguraram uma nova forma de relação entre os dois Poderes, com avaliações apontando para uma aproximação na prática do modelo brasileiro ao parlamentarismo executado por outros países.

“A Câmara está com um poder muito grande, e ela não pode usar esse poder para humilhar o Senado e o Executivo. Mas ela está com um poder que eu nunca vi na vida”, disse Haddad na entrevista.

“Passei nove anos em Brasília e nunca vi nada parecido. Tem que haver moderação, que tem que ser construída… Ainda não está a mil maravilhas”, pontuou.

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Durante a conversa, ele reconheceu às vezes ter “debates acalorados” com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a despeito dos elogios públicos trocados pelas duas autoridades ao longo dos últimos meses.

Apesar disso, o ministro disse que construiu uma “boa relação” com Lira e que tudo começou durante as negociações da PEC da Transição, que permitiu que o governo de Jair Bolsonaro (PL) pudesse fechar as contas e que garantiu ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fôlego fiscal para implementar algumas de suas promessas de campanha.

Na entrevista, Haddad também questionou o montante de R$ 40 bilhões destinado a emendas parlamentares no Orçamento federal. “É [equivalente a] 0,4% do PIB (Produto Interno Bruto). Onde no mundo tem isso?”, indagou.

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As falas do ministro causaram ruídos em Brasília. Algumas horas após a divulgação da entrevista, Haddad telefonou para Lira e fez um esclarecimento público na saída do prédio do Ministério da Fazenda. Ele explicou que suas declarações foram feitos em um contexto de reflexão sobre o fim do presidencialismo de coalizão e que sua intenção não foi criticar o comando da casa legislativa.

“Fiz uma reflexão sobre o fim do chamado presidencialismo de coalizão. Eu defendi durante essa entrevista que a relação pudesse ser mais harmônica para produzir melhores resultados”, disse.

“Tudo que tenho feito é dividir as conquistas do primeiro semestre com Legislativo e Judiciário. Longe de mim querer criticar a atual legislatura”, prosseguiu.

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Aos jornalistas, Haddad disse que a conversa com Lira foi “excelente”, mas afirmou desconhecer o motivo do cancelamento de reunião que ocorreria hoje entre lideranças da Câmara e representantes da pasta sobre o projeto de lei complementar que trata do novo arcabouço fiscal (PLP 93/2023).

“A primeira coisa que fiz foi ligar para o presidente Arthur Lira e esclarecer o contexto de minhas declarações. Não dizem respeito à atual legislatura”, afirmou.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.