Ato na Paulista mostra que Bolsonaro “está no jogo” e controla o próprio legado

Manifestação que reuniu milhares em São Paulo confirma força política de Bolsonaro e reforça polarização no país, mas não deve ter impacto sobre investigações, dizem analistas

Fábio Matos

O ex-presidente Jair Bolsonaro deu mostras de sua força política, avaliam analistas (Foto: Carla Carniel/Reuters)

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A manifestação em apoio a Jair Bolsonaro (PL), que reuniu centenas de milhares de pessoas na Avenida Paulista, em São Paulo, no domingo (25), representa uma vitória política do grupo liderado pelo ex-presidente, em meio às investigações da Polícia Federal (PF) e do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado perpetrada por ele e por aliados.

A avaliação é de especialistas consultados pelo InfoMoney. Para eles, o bolsonarismo deu uma prova inequívoca de que segue como a principal força de oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Além disso, Bolsonaro, que está inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostra que tem o controle absoluto do processo de sucessão como liderança no campo da direita – e caberá a ele definir quais serão os eventuais herdeiros de seu espólio político.

“O saldo é positivo para Bolsonaro. Um ato com essa presença maciça de pessoas nas ruas mostra sua força no jogo político. Evidentemente, não é isso que representa o que ele teria, eleitoralmente, em termos de votos, caso pudesse disputar uma eleição hoje. Mas indica que a oposição no Brasil está organizada em torno da figura do Bolsonaro”, afirma o cientista político Bruno Soller, especialista em comunicação política pela George Washington University. “Foi um grande recado do bolsonarismo, como força de oposição, para o atual governo”, analisa.

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O ato na Avenida Paulista teria reunido entre 650 mil e 750 mil pessoas, segundo estimativas divulgadas pela Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo (SSP-SP) – cujo governador, Tarcísio de Freitas (Republicanos), aliado de primeira hora de Bolsonaro, participou dos atos. Os números coincidem com projeções que vinham sendo divulgadas pela organização do evento nos dias anteriores à manifestação.

Já o Monitor do Debate Político no Meio Digital, da Universidade de São Paulo (USP), estimou um contingente bem menor: 185 mil manifestantes. “Para além dos números, o grande feito dessa manifestação foi mostrar ao país que o bolsonarismo ainda tem muita capacidade de aglutinação e de resposta. O bolsonarismo está no jogo”, avalia Soller.

O analista político Carlos Eduardo Borenstein, da consultoria Arko Advice, tem avaliação semelhante. Segundo ele, Bolsonaro conseguiu criar um “fato político” com a presença de milhares de apoiadores nas ruas, mesmo em um momento delicado. “O ato indica que o ex-presidente preserva seu capital político junto ao seu eleitorado mais fiel, que as pesquisas apontam girar em torno de 25% a 30%, em que pese a situação jurídica difícil que ele enfrenta”, diz. “A manifestação reforça que Bolsonaro é uma liderança com apelo popular muito grande, e o bolsonarismo mostra que continua com capacidade de mobilização muito rápida e de construção de uma narrativa política.”

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Para o especialista, a manifestação reforça a polarização política no país, “com o bolsonarismo se firmando cada vez mais como o grande antagonista do governo Lula”. “A narrativa bolsonarista hoje não é majoritária na sociedade, mas tem uma capacidade de mobilização maior do que os setores sociais que sustentam o governo Lula, que formam uma maioria silenciosa. A esquerda não dispõe, hoje, dessa capacidade de mobilização rápida e de organização de manifestações de rua”, afirma.

Vitimização e legado político

Para a cientista política Karim Miskulin, presidente do Grupo Voto, Bolsonaro sai fortalecido da manifestação por ter adotado desta vez um discurso mais equilibrado, sem ataques às instituições, e pregado uma “conciliação” nacional. “Nesse evento, ele trouxe algo novo, que não conseguiu em outros atos: apresentou a narrativa de um líder que estaria comprometido a pacificar o país e a fazer uma oposição responsável ao atual governo”, afirma. “De certa forma, Bolsonaro fortaleceu sua própria defesa, entoando um discurso de perseguição política. Sendo preso ou não, ele sai com uma base parlamentar robusta que seguirá em sua defesa e continua sendo uma potência político-eleitoral impressionante. Isso tem uma simbologia muito grande em um ano eleitoral”, observa.

Outro ponto destacado pelos analistas é o domínio que Bolsonaro exerce sobre sua própria sucessão no campo mais conservador. No palanque, ao lado dele, estavam potenciais “presidenciáveis” em 2026, como os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas; de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo); e de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil). O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), cotado como pré-candidato à Prefeitura de Belo Horizonte, também ganhou destaque e discursou. Ovacionada ao abrir o evento, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) também chamou atenção – seu nome já foi ventilado como possível candidata ao Senado e até mesmo ao Palácio do Planalto.

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“A presença de Michelle, Tarcísio e Zema indica que Bolsonaro tem um controle sobre o debate sucessório de 2026, de modo que essas lideranças necessitam do apoio do bolsonarismo, ao mesmo tempo em que precisam acenar a outros grupos. Caso se mantenha inelegível, é o próprio Bolsonaro quem dará o aval para a escolha de um nome”, avalia Borenstein. “Não foi um movimento de um homem só. Bolsonaro conseguiu, como líder político, espalhar essa liderança para outros nomes. Ele transferiu parte dessa força para outras figuras, o que mantém suas pautas vivas, mesmo que esteja inelegível”, corrobora Miskulin.

Investigação e anistia

Apesar do sucesso da manifestação, as investigações sobre a suposta tentativa de golpe de Estado não devem ter seu curso alterado, segundo os analistas. Na semana passada, Bolsonaro compareceu à sede da PF, em Brasília, e optou por permanecer em silêncio, não respondendo a nenhuma pergunta dos investigadores. “Por mais que se tenha mostrado forte apoio popular, os riscos severos de prisão de Jair Bolsonaro se mantêm. Não acredito que a Justiça vá afrouxar neste momento. Pelo contrário: talvez ela seja ainda mais dura. Uma possível prisão não é algo que possa ser descartado”, afirma Soller.

“Acredito que o Judiciário não irá se pautar pela pressão popular. Lá atrás, por exemplo, tivemos uma série de movimentos de rua em favor de Lula e ele acabou sendo preso [em abril de 2018, no âmbito da Operação Lava Jato].” Borenstein concorda: “A manifestação não deve conter o desgaste sofrido por Bolsonaro. Creio que os processos que tramitam no âmbito do STF não se contaminarão com a mobilização política. O Supremo tem o seu rito, as investigações têm o seu trâmite natural”.

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Os especialistas divergem, no entanto, sobre as chances de que um projeto de eventual “anistia” para os condenados pelos atos violentos de 8 de janeiro de 2023 – tese encampada por Bolsonaro durante o discurso na Paulista – prospere no Congresso Nacional. Ao fim e ao cabo, a anistia poderia beneficiar o próprio Bolsonaro.

“Neste momento, a anistia é improvável. Quando tivemos os atos simbólicos de 1 ano do 8 de janeiro, o ministro Alexandre de Moraes [do STF] deu várias entrevistas dizendo que foi, sim, uma tentativa de golpe. O ministro indica ter muita convicção disso, e essa convicção possivelmente está ancorada em provas”, aponta Borenstein. “Se o Congresso avançar em uma discussão como essa, vai tensionar ainda mais a relação institucional. Hoje, não vejo muita disposição do Parlamento de comprar essa briga.”

Karim Miskulin, por sua vez, avalia que a repercussão política do ato pró-Bolsonaro pode insuflar o Legislativo a discutir uma eventual anistia pelo 8 de janeiro. “Até então, de fato, não havia clima político para isso. Mas a manifestação de ontem foi um marco e vai pautar o Congresso”, observa. “Obviamente, o ato de domingo vai mobilizar não só os parlamentares que estavam presentes, mas também incentivará outros. Bolsonaro criou um ambiente para que essa pauta entre no debate público.”

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Fábio Matos

Jornalista formado pela Cásper Líbero, é pós-graduado em marketing político e propaganda eleitoral pela USP. Trabalhou no site da ESPN, pelo qual foi à China para cobrir a Olimpíada de Pequim, em 2008. Além do InfoMoney, teve passagens por Metrópoles, O Antagonista, iG e Terra, cobrindo política e economia. Como assessor de imprensa, atuou na Câmara dos Deputados e no Ministério da Cultura. É autor dos livros “Dias: a Vida do Maior Jogador do São Paulo nos Anos 1960” e “20 Jogos Eternos do São Paulo”.