Bolsonaro e Maia tentam nova aproximação, sob olhares céticos

Investigações e coronavírus forçam Bolsonaro a buscar estabilidade no parlamento, enquanto Maia tenta fazer sucessor na presidência da Câmara

Marcos Mortari

O presidente Jair Bolsonaro recebe o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no Palácio do Planalto (Foto: Isac Nóbrega/PR)

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SÃO PAULO – O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ensaiou, na última quinta-feira (14), um movimento de reaproximação com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), após sucessivos atritos e ataques dirigidos ao parlamentar nas últimas semanas.

Poucas horas após criticar Maia por entregar a relatoria da Medida Provisória 936/2019 que trata da redução de salários e jornadas para trabalhadores formais ao deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) e dizer que ele parecia querer “ferrar o governo”, Bolsonaro se reuniu com o parlamentar fluminense e afirmou que ambos “voltaram a namorar”.

“Está tudo bem com o Rodrigo Maia”, disse o presidente na ocasião. O encontro no Palácio do Planalto ocorreu após Maia aceitar convite para reunião com os ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Walter Braga Netto (Casa Civil). O motivo oficial da visita ao Palácio do Planalto foi para o deputado conhecer o centro de operações de combate ao novo coronavírus montado pelo governo.

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Ao voltar para a Câmara dos Deputados naquela data, Maia evitou faltar sobre divergências e pregou o diálogo entre os Poderes. “Sabemos qual é a posição do presidente, eu tenho a minha posição e ele sabe qual é. O que disse a ele é que devemos encontrar os pontos que nos unem”, disse. “Nosso diálogo foi para manter o diálogo, não foi para nos dividir”.

O movimento coincidiu com um avanços no inquérito sobre suposta interferência de Bolsonaro sobre a Polícia Federal, aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) com base em acusações feitas pelo ex-ministro Sérgio Moro, e com o aumento nos pedidos de abertura de processo de impeachment contra o presidente no parlamento.

As investigações, sob o guarda-chuva do procurador-geral Augusto Aras, ainda estão em curso. Na última semana, foram ouvidos delegados da PF, ministros do governo e uma deputada federal. O processo também conta com a gravação de uma reunião ministerial em que o presidente falou em “interferir” na corporação, reclamou da falta de acesso a relatórios de inteligência e manifestou preocupação com a situação de familiares e amigos. O conteúdo, mantido sob sigilo, pode ser aberto total ou parcialmente pelo ministro Celso de Mello, do STF, nos próximos dias.

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Além do conteúdo que já faz parte do inquérito, o jornal Folha de S.Paulo publicou, no domingo (17), uma entrevista com o empresário Paulo Marinho, ex-aliado da família Bolsonaro, que disse que o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) ficou sabendo antecipadamente da Operação Furna da Onça, que teve como alvo Fabrício Queiroz, ex-assessor do parlamentar.

Segundo o empresário, as investigações teriam sido postergadas para não prejudicar a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro à presidência em 2018. A notícia ampliou as preocupações do núcleo próximo do presidente, que também se vê pressionado pelo agravamento da crise provocada pela pandemia do novo coronavírus.

O movimento de aproximação junto ao establishment político não é novidade na gestão Bolsonaro, mas a atual conjuntura traz uma avaliação de que aumentou a dependência do presidente no grupo que ele antes criticava. Seria um verdadeiro ponto de inflexão? Ou haverá novos recuos e acenos à base no futuro?

No último domingo, Bolsonaro foi ao Palácio do Planalto para, mais uma vez, acompanhar uma manifestação em seu favor. Ao contrário de atos anteriores, mensagens contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal ou em defesa à intervenção militar e a volta do AI-5 foram evitadas.

Segundo o jornal Folha de S.Paulo, antes da chegada de Bolsonaro, seguranças da presidência pediram aos manifestantes a retirada de faixas ofensivas aos demais Poderes. Uma delas chamava os dois órgãos de “sabotadores” e pedia uma nova Constituição.

Ao lado de 11 ministros, entre eles Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), André Mendonça (Justiça e Segurança Pública) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), o presidente acenou aos apoiadores e ressaltou, em transmissão ao vivo por sua rede social, que não havia “nenhuma faixa ou bandeira que atente contra a nossa Constituição e contra o Estado democrático de direito”.

A preocupação do governo com os recados dados pelos manifestantes foi interpretado como um zelo às negociações em curso com as lideranças do “centrão” e os recentes acenos feitos a Rodrigo Maia, mesmo que os atos continuem desrespeitando orientações de órgãos internacionais e autoridades nacionais de saúde para o combate ao novo coronavírus.

“As idas e vindas de Bolsonaro são uma constante – não se pode falar em surpresa. Mas a velocidade com que alterou a rota bateu recordes desta vez. O ponto é por quanto tempo a nova direção é mantida”, observam os analistas políticos da XP Investimentos.

A aproximação com Maia ocorre em um contexto de tentativa do Palácio do Planalto em construir uma nova relação com o Congresso Nacional, diante de uma percepção de maior risco ao mandato por conta do que tem sido revelado pelas investigações.

Em busca de uma base de apoio mais estruturada nas casas legislativas, o governo passou a oferecer posições cobiçadas pelo mundo político na administração pública. Alguns postos, como a direção-geral do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) e a diretoria do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), já foram entregues a indicados pelo “centrão”.

O movimento é uma forma de ampliar participação na construção da agenda legislativa e, principalmente, evitar a evolução do risco de um impeachment ou da abertura de um processo por crime comum contra o presidente – que também conta com um patamar considerado elevado de popularidade para um processo desta natureza.

Parlamentares ainda acham cedo para fazer avaliações mais duradouras sobre os resultados do movimento, cientes do histórico volátil das relações mantidas pelo presidente com o mundo político. “Já viu o Twitter se tem alguma pedrada? Com um tuíte tudo pode mudar”, brincou um deputado próximo a Maia.

Mas há uma avaliação majoritária no parlamento de que não é o momento para a discussão de eventual processo de impeachment contra Bolsonaro.

“Tudo que nós não queremos e não podemos ter neste momento de pandemia é discussão política inútil, é crise política, fazer com que a crise política atrapalhe o bom andamento [dos trabalhos]“, diz o deputado Baleia Rossi (SP), presidente nacional do MDB e líder da bancada na casa legislativa.

“Neste momento, precisamos buscar estabilidade política. Claro que ninguém ignora o que aconteceu, mas o Supremo está cuidando disso em um inquérito e acredito que temos que manter nossa pauta da Câmara”, complementa.

Visão similar tem o deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), que recentemente relatou a proposta de socorro aos estados e municípios em meio à pandemia. “Acho que não há a menor hipótese de termos um impeachment na Câmara dos Deputados. Não há crime de responsabilidade, não acredito que o presidente cometeu crime que enseje discussão de um processo de afastamento”, observa.

“Claro que há uma pressão popular, mas a gente precisa ter a consciência de que fazer um impeachment não é simplesmente um voto de desconfiança, como há em outros países. Impeachment é algo muito sério, que paralisa o Brasil, a agenda econômica, política”, avalia.

Para ambos, o movimento de aproximação que Bolsonaro fez em direção a Maia após sucessivos atritos pode trazer bons resultados ao parlamento e ao futuro da agenda legislativa. “Muitas vezes as pessoas acabam criminalizando a política. Acho que essa conversa do presidente com os partidos de centro é positiva para o país e para o futuro, desde que seja uma relação republicana. A minha expectativa é que vamos ter dias melhores”, afirma Baleia Rossi.

“Às vezes o presidente subestima o próprio papel dele em relação à político. Acho que usar os mecanismos que estamos ouvindo de aproximação do ‘centrão’ é um perigo. Agora, usar mecanismos da política, como fez com Rodrigo Maia, é eficientíssimo. Política gosta de carinho como qualquer um”, pontua Pedro Paulo.

Poucas garantias para o futuro

Na avaliação de analistas políticos, há dois sinais principais provocados pelo gesto de aproximação entre Bolsonaro e Maia. Do lado do governo, trata-se de uma tentativa de equilibrar o nível de tensão institucional, que havia se acentuado nas últimas semanas com o avanço das investigações, o agravamento da crise da Covid-19 e a própria participação do presidente em atos antidemocráticos.

“Está claro que o governo abriu uma frente de disputas com o Judiciario/STF que não deve se resolver no curto prazo. Somar essa frente com uma crise com o Congresso Nacional seria desastroso”, observa Thiago Vidal, gerente de análise política da Prospectiva Consultoria.

Do lado de Maia, houve um acompanhamento parcial ao movimento feito anteriormente pelas lideranças do “centrão” – parte como resposta a uma pressão do grupo, que cobrava ares institucionais para o gesto, e também como tentativa de evitar uma perda de capital político.

[O movimento de Maia ocorre] no sentido de tentar evitar essa pressão, dentro da Câmara dos Deputados, a partir da agenda da sucessão ao seu cargo. Em boa medida, a aproximação do governo com o baixo clero também foi pensado nesse ponto de vista. O sinal [recente] pode dar prestígio a Maia e minimizar essa ideia de comportamento mais isolado”, pontua Rafael Cortez, da Tendências Consultoria Integrada.

Para Carlos Eduardo Borenstein, analista político da consultoria Arko Advice, o gesto de Bolsonaro é importante, sobretudo no contexto de agravamento da pandemia do novo coronavírus e piora do cenário econômico, o que, segundo ele, gera pressão pela construção de um entendimento entre os atores políticos.

“Agora é preciso ver como isso vai ocorrer na prática. Já aconteceu, em episódios anteriores, de Bolsonaro e Maia se reunirem e o deputado ser atacado pela base digital bolsonarista – o que acabou gerando uma série de novos atritos entre os dois”, lembra.

O especialista chama atenção para dois eventos que podem servir de termômetro para as novas relações entre o chefe do Poder Executivo e o presidente da Câmara dos Deputados. O primeiro dele se refere a um possível veto a trecho do projeto de socorro aos estados e municípios, que diz respeito a reajustes a determinadas categorias do funcionalismo público. Outro é a conversa que Bolsonaro prometeu ter com governadores sobre a questão.

“O problema é manter a relação ao longo do tempo, na medida em que os conflitos aparecerem. Não necessariamente é um movimento que deve durar, justamente pelas idiossincrasias do Poder Executivo, mas também pela complexidade do cenário de articular uma agenda econômica, somada à proteção do mandato, em um contexto em que há uma evolução do peso do baixo clero em termos de sustentação da administração bolsonarista”, complementa Rafael Cortez.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.