Barroso não vê condições para ruptura institucional no Brasil: “Não devemos nos hipnotizar pelos momentos ruins”

Em conversa com o InfoMoney, ministro também falou sobre as urnas eletrônicas, o combate às fake news e episódios de violência política no país

Marcos Mortari

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O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), não acredita que há riscos de ruptura institucional no Brasil. Em conversa com o InfoMoney, o magistrado fez uma comparação com o quadro do país às vésperas do golpe de 1964 e disse que os elementos que permitiram aquele episódio hoje estariam longe de se repetir.

“Nós temos 34 anos de estabilidade institucional. Conquistamos estabilidade monetária e grande inclusão social, um pouco afetada pela recessão dos últimos anos − mas 30 milhões haviam saído da linha da pobreza no Brasil. A história institucional recente no Brasil é de grande sucesso”, afirmou.

“O Brasil, no período democrático, foi o país da América Latina que teve o maior crescimento de IDH, que significa mais escolaridade, mais renda e mais longa expectativa de vida. Não devemos nos hipnotizar pelos momentos ruins. A democracia brasileira trouxe bons resultados, apesar das dificuldades”, complementou.

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A conversa, conduzida pelas jornalistas Vera Brandimarte, presidente do Conselho Editorial, e Raquel Balarin, Diretora de Redação, foi gravada na noite de segunda-feira (5), na sede do InfoMoney, em São Paulo. Assista à íntegra pelo vídeo acima, ou clique aqui.

Durante o encontro, Barroso destacou que o golpe de 1964 – “eu utilizo a palavra golpe, porque o presidente foi destituído por um mecanismo que não estava previsto na Constituição e só há um nome para isso: golpe”, argumentou – contou com forte apoio de agentes econômicos, de parcela majoritária da classe média e setores da imprensa. Ele ressaltou que a época também marcou quebras de hierarquia nas Forças Armadas e o decisivo endosso dos Estados Unidos à derrubada do governo de João Goulart.

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“No golpe de 1964, havia um quadro grave de instabilidade no país”, disse. “Eu olho o quadro brasileiro e não vejo nenhum desses elementos. Temos uma sociedade civil organizada, temos uma imprensa livre, independentemente e duramente crítica, as classes empresariais sabem que um golpe traria grande desprestígio internacional para o Brasil e problemas de acesso a mercados. A classe média, de uma maneira geral, gosta do regime democrático. Os EUA já disseram que não apoiam [uma ruptura institucional no país]”.

“Portanto, eu não vejo nenhuma condição real para um golpe. Pode ter um inconformismo aqui ou outro ali, um discurso retórico inflamado, mas as condições, tanto de infraestrutura como de superestrutura para um golpe – ou seja, os fatores reais de poder – não apoiariam um golpe. E acho que as próprias Forças Armadas viveram todas as circunstâncias do regime militar, pagaram um preço, tiveram um desempenho, eu diria, exemplar ao longo do período democrático, e acho que elas não gostariam de ser envolvidas em uma aventura autoritária”, continuou.

Urnas eletrônicas

Durante a conversa, Barroso disse ter “absoluta confiança no sistema eleitoral [brasileiro]”. O magistrado, que presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de maio de 2020 a fevereiro de 2022, foi um enfático defensor das urnas eletrônicas durante seu mandato e conquistou a antipatia do presidente Jair Bolsonaro (PL) por ter trabalhado contra a aprovação de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que previa a adoção do voto impresso no país.

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Questionado sobre tentativas de ataques hacker constantes aos sistemas do TSE e do próprio Supremo Tribunal Federal (STF), além do atraso na apuração dos resultados das eleições municipais de 2020, eventos apontados por críticos como possíveis pontos de vulnerabilidade do sistema eletrônico de votação, Barroso voltou a defender a segurança do processo brasileiro.

“O sistema do TSE, como qualquer sistema informático é passível de ataque. Qualquer um. O da XP, o da CIA, o do FBI, do Ministério da Economia. Ninguém tem um sistema imune a ataques de hackers. No entanto, o sistema eleitoral brasileiro é totalmente seguro, porque as urnas eletrônicas não têm nada a ver com o sistema. Elas nunca entram em rede, elas não se conectam a esse sistema”, explicou.

“Então, como funciona a urna eletrônica? Desenvolve-se o programa que vai rodar, que chamamos de código-fonte. Na minha gestão, ele foi aberto um ano antes das eleições para que todos os partidos do Congresso, o Ministério Público, a Polícia Federal, as Forças Armadas, o TCU, todo mundo, pudesse fiscalizar. Quando todos estão satisfeitos e não há nenhuma impugnação, lacra-se esse programa − o que significa que, se for adulterado, ele não vai rodar – e ele vai para um pendrive para ser inseminado nas 500 mil urnas. Ao final da votação, todas as urnas imprimem um boletim – está aí o voto impresso. Lá, às 17h, sai impresso quantos votos cada candidato teve naquela urna. Naquele momento, acabou a eleição”, disse.

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“O boletim é distribuído aos partidos, vai para a internet, o pendrive é retirado da urna e, para a urna não entrar no sistema, vai só o pendrive e manda o resultado para a totalização do TSE. De modo que, se derrubar o sistema do TSE, ainda assim não tem como fraudar e não tem como anular as eleições. Apenas a conta vai ser mais difícil de fazer”, pontuou.

Barroso contou que, nas eleições de 2020, houve uma série de tentativas para derrubar o sistema do TSE. Ele acredita que os episódios devem se repetir no pleito deste ano, mas diz que a instituição está preparada para lidar com os problemas.

“Vão tentar derrubar? Vão. No dia das eleições de 2020, tentaram. Chama-se ‘ataque de negação de serviço’: entram centenas de milhares de tentativas de acesso simultâneo para ver se o sistema caía. Não caiu. Mas eu tranquilizo a população de que, mesmo se o sistema cair, não tem como comprometer o resultado eleitoral”, declarou.

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Fake News

Um dos principais desafios definidos por Barroso durante sua gestão à frente do TSE foi o combate às Fake News, fenômeno que já havia deixado cicatrizes em diversos processos políticos relevantes em democracias consolidadas mundo afora, como no Reino Unido com o episódio do Brexit e nos Estados Unidos durante eleição de 2016, que culminou na vitória do republicano Donald Trump.

“O mundo foi surpreendido pelas fake news em alguns processos históricos”, disse. “Mas acho que nós aprendemos muito em 2018”. O magistrado lembrou da criação de uma comissão de enfrentamento à desinformação, pela ministra Rosa Weber, em 2019, e de seus esforços compreender melhor o fenômeno e firmar parcerias com redes sociais e agências de checagem.

“As plataformas também tiveram uma mudança de atitude. Em 2018, elas eram muito reticentes, o discurso era de que ‘sou apenas a avenida por onde passa a informação’, e, portanto, tudo passava. Depois, veio a percepção de que tem que haver algum tipo de regulação, se não aquilo vira um espaço para terrorismo, para ataques à democracia, para pedofilia… Tem que haver algum tipo de controle”, avaliou.

Barroso define o que se chama de “comportamentos coordenados inautênticos” como os principais vilões da desinformação na nova era digital. “O pior não é a mentira em si, que já é ruim o suficiente. É a amplificação da mentira. Criam-se estruturas de robôs, de perfis falsos, de perfis repetidos e de trolls, que são mercenários que você contrata para amplificar artificialmente uma notícia, e, com isso, afogam a notícia verdadeira que não querem que apareça”, disse.

“Se uma pessoa com seus 20 seguidores disser que querosene cura Covid, é ruim, atinge 20 pessoas. Mas se essa notícia for amplificada para milhares de pessoas, você tem um problema de saúde pública”, afirmou.

Violência política

Durante a conversa com o InfoMoney, Barroso reconheceu o problema da violência política e destacou que o Brasil reproduz, em parte, um fenômeno global, mas que é agravado pelo contexto de elevados indicadores de violência em geral no país.

“Houve uma onda de radicalização à direita, como talvez em outra época tenha havido uma radicalização à esquerda. E esse discurso vem com intolerância, com agressividade, vem de uma forma muito belicosa”, afirmou. “Há um fenômeno mundial do surgimento de uma visão mais intolerante, misógina, homofóbica, muitas vezes racista, frequentemente antiambientalista”.

“O Brasil é o país onde temos um problema de violência antes de adjetivar como política. O Brasil é o país que tem as maiores taxas de homicídio, de mortes violentas, no mundo. Isso nós precisamos enfrentar. (…) O Brasil tem um problema de violência de gênero. Quando a violência do país e a violência de gênero se somam à intolerância política e à radicalização política, aí você passa a ter um fenômeno novo que é a violência política. Às vezes é uma violência física, que se manifesta em agressão e homicídio, às vezes é uma violência psicológica, que frequentemente recai sobre mulheres e muito comumente sobre mulheres negras”, disse.

“A violência adjetivada de política decorre da radicalização, mas se soma ao contexto de um país que já era violento. Então, nós precisamos combater a violência política simultaneamente à violência geral que temos no Brasil. É um problema, certamente, que precisa ser equacionado”, concluiu.

Mulheres na política

Na avaliação de Barroso, parte da solução do problema da violência política também passa pela inclusão de mulheres em posições de liderança e em cargos eletivos, o que contribuiria para a superação de uma cultura profundamente machista.

“Eu perdi muito tempo da minha gestão discutindo esse negócio de voto impresso e lidando com a pandemia, quando eu queria ter conseguido pelo menos 30% de mulheres nos órgãos dirigentes partidários e levar a discussão de que tem que ter uma reserva de vagas no parlamento para mulheres. O mundo já começa a praticar a paridade e nós temos apenas 15% de mulheres no Congresso”, lamentou.

“Acho que a ampliação da participação feminina também vai diminuir esse tipo de violência política por trazer outra visão e outro tipo de atitude e de comportamento. Minha defesa de mais mulheres na política é não só uma questão de justiça de gênero, mas também uma questão de interesse do país, de mudar determinados padrões de conduta”, finalizou.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.