Barroso diz que piso da enfermagem violou “três ou quatro” normas da Constituição e cita Fundeb como modelo

Ao InfoMoney, ministro diz que ouviu diversos atores envolvidos na discussão e levou em conta riscos que versão final do texto poderia trazer à sociedade

Marcos Mortari

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou, em conversa exclusiva com o InfoMoney, que a decisão de suspender por 60 dias a aplicação do piso salarial da enfermagem foi tomada a partir de consultas a pessoas e grupos envolvidos na discussão e que levou em conta o fato  de que a matéria poderia violar a Carta Magna e trazer riscos à sociedade. O novo piso foi aprovado pelo Congresso Nacional e havia entrado em vigor em 5 de agosto.

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“Foi uma decisão de [suspensão por] 60 dias para os setores envolvidos discutirem como viabilizar, caso se consiga viabilizar, a implantação de um piso na área de enfermagem. É claro que é uma categoria que prestou um serviço inestimável para o Brasil e que merece todo o reconhecimento. Eu me associo a ele – e acho que todo o tribunal –, mas há problemas constitucionais ali existentes”, explicou.

“Eu não tomei uma decisão da minha cabeça. Ouvi muita gente. Muita gente participou e ofereceu dados concretos e informações”, disse.

A conversa, conduzida pelas jornalistas Vera Brandimarte, presidente do Conselho Editorial, e Raquel Balarin, Diretora de Redação, foi gravada no início da noite de segunda-feira (5), na sede do InfoMoney, em São Paulo. Assista à íntegra pelo vídeo acima, ou clique aqui.

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O piso salarial da enfermagem entrou em vigor em 5 de agosto, a partir da promulgação da Ementa Constitucional 124/2022 pelo Congresso Nacional e da sanção da Lei 14.434/2022. A norma estabelece que enfermeiros recebam ao menos R$ 4.750,00 por mês. O valor serve de referência para os salários de técnicos de enfermagem, com direito a no mínimo 70% desse montante (R$ 3.325,00), e auxiliares de enfermagem e parteiras, com pelo menos 50% (R$ 2.375,00).

No último domingo (4), Barroso suspendeu a aplicação das regras e determinou, em medida cautelar, que grupos públicos e privados prestassem informações sobre impactos financeiros previstos. O magistrado também pediu informações sobre os riscos para a empregabilidade na área e a possibilidade de eventual redução na qualidade dos serviços prestados à população.

A decisão monocrática, sujeita à avaliação dos demais ministros do Supremo, respondeu a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde). Está prevista para esta terça-feira (6) uma reunião entre Barroso e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado e do Congresso Nacional, para discutir o assunto.

Durante a conversa com o InfoMoney, Barroso estimou “três ou quatro” normas constitucionais supostamente violadas pela redação final do piso salarial da enfermagem em relação a Estados e municípios. O magistrado lembrou que a Constituição estabelece que qualquer nova despesa pública seja acompanhada por indicações de fontes de custeio – o que não aconteceu.

Ele ainda citou como agravante o fato de os novos gastos terem sido introduzidos ao longo do exercício orçamentário, impondo um desafio adicional a governadores, prefeitos e gestores públicos e privados na área da saúde.

“Existem regras constitucionais sobre o orçamento, sobre finanças públicas. Você cria despesas para o exercício seguinte de acordo com as receitas que vai obter. Portanto, não pode dizer subitamente para os Estados: ‘agora vocês têm que pagar mais R$ 5 bilhões’. E vão tirar de onde? No meio do exercício, criou-se uma despesa de bilhões, sem indicar a fonte de custeio, sem previsão orçamentária”, pontuou.

O ministro também se mostrou sensível aos apelos de gestores públicos e privados da saúde, que alegam que os reajustes poderiam provocar demissões em massa no setor, já que não houve incremento de receitas compatível à incorporação das despesas previstas na nova legislação.

“Pareceu um argumento bastante plausível, e a Constituição também tem uma norma dizendo que o papel do Estado é a busca do pleno emprego. Se eu vejo uma política, que, com dados concretos, diz que dezenas de milhares de pessoas vão ser demitidas, preciso levar em consideração”, justificou.

Em sua decisão, Barroso pede que o Ministério do Trabalho e Previdência e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) se manifestem sobre este ponto.

Outro aspecto considerado pelo magistrado para a concessão de medida cautelar foi o risco de piora nos serviços de saúde decorrentes da norma como foi aprovada pelo Congresso Nacional. “O SUS funcionou extraordinariamente bem durante a pandemia. Portanto, [se] você de repente tomar uma providência que pode gerar fechamento de hospitais e uma redução drástica no quadro de pessoal, isso evidentemente pode impactar o serviço de saúde.”

Durante a conversa, Barroso reforçou entender como “legítima” a opção de fixar um piso salarial para o setor de enfermagem, mas disse que a não indicação de fonte de custeio faz com que a proposta seja “um sino sem badalo”.

“Eu levei em conta esse tipo de preocupação com a saúde pública em geral. Como toda a coletividade, sou muito grato a todos os enfermeiros e técnicos de enfermagem do Brasil pelo papel que desempenham, e, portanto, sou preocupado em viabilizar, e não em dizer algo no papel que não possa ser concretizado na prática”, afirmou.

Barroso cita a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) como possível exemplo a ser seguido no caso atual, por se tratar de mecanismo que garantiu o custeio de diversas iniciativas no campo da educação ao longo dos anos.

“Minha decisão levou em conta esse conjunto de variáveis não para impedir a implantação do piso, mas para pensar se há um mecanismo de custeio, como houve em relação aos professores, para assegurar essa opção legislativa”, concluiu.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.