Arcabouço fiscal: “exceções” com Fundeb e FCDF têm impacto reduzido, mas enfraquecem regra, diz XP

Abertura de espaço com as mudanças não deve comprometer contas, mas pode indicar dificuldade para o governo no cumprimento das metas

Marcos Mortari

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O relator do projeto de lei complementar que trata do novo marco fiscal (PLP 93/2023), senador Omar Aziz (PSD-AM), indicou que deverá apresentar mudanças em relação ao texto aprovado pela Câmara dos Deputados três semanas atrás.

Até a manhã desta quinta-feira (15), 60 emendas haviam sido protocoladas por senadores integrantes da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) da casa legislativa. Nos bastidores, há uma percepção de pressão mais elevada em torno de quatro mudanças principais no texto. São elas:

1) Retirada da complementação da União para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) da regra de limite de despesas estabelecida pelo novo marco fiscal;

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2) Retirada do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) do mesmo “teto” de despesas − mantendo a regra atual de evolução orçamentária desta rubrica em nível equivalente à variação da receita corrente líquida da União de um ano para outro;

3) Possibilidade de retomada da possibilidade de crescimento maior de despesas a priori em 2024, a partir da mudança da base para uma estimativa de crescimento de receita naquele ano;

4) Mudança na metodologia de cálculo usada para a correção inflacionária incidente sobre o limite de despesas previsto na regra.

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Caso qualquer uma dessas alterações seja aprovada pelos senadores, o texto precisará retornar à Câmara dos Deputados para uma nova análise. E a casa iniciadora tem a palavra final sobre projetos de lei complementar de autoria do Poder Executivo.

Do ponto de vista político, o movimento pode gerar preocupações caso não seja acordado entre as duas casas legislativas − sobretudo considerando o ambiente hostil relacionado ao impasse envolvendo o rito de tramitação de medidas provisórias.

Em entrevista a jornalistas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), disse buscar um “entendimento” entre os parlamentares para que haja aprimoramento ao texto, mas sem “grandes alterações”.

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Já a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB), afirmou que as decisões sobre a formatação final do texto cabe aos congressistas, mas que a equipe econômica do governo estava buscando oferecer dados técnicos para amparar a discussão.

Do ponto de vista econômico, a possibilidade de mudanças no texto suscitou novas avaliações de impacto sobre as contas públicas e a efetividade da regra fiscal quanto ao desafio de trazer equilíbrio fiscal para o país.

Na avaliação dos analistas da equipe de macroeconomia da XP, a possível retirada do FCDF e do Fundeb do limite de despesas reduz o potencial da nova regra fiscal. Nos dois casos, a leitura é que os impactos financeiros são reduzidos, mas podem motivar outras exceções à norma.

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“Com base em nossas estimativas de crescimento da RCL e de limite de despesas, calculamos uma diferença acumulada de R$ 9,5 bilhões até 2032 para o Distrito Federal”, pontuam.

“Apesar de a retirada deste item do limite de despesas (e consequente retomada da forma anterior de cálculo do seu reajuste) terem impacto fiscal limitado, o recuo sinaliza que outras despesas também podem ficar de fora, a depender da pressão política”, prosseguem.

O impacto é similar ao calculado a partir da possível pressão gerada pelo Fundeb sobre o limite das despesas com o crescimento das receitas que compõem o fundo superando o “teto”: R$ 9,3 bilhões em 2032. O que naturalmente pressionaria um ajuste sobre outras despesas sujeitas à regra.

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“Em outros termos, não há redução na complementação do Fundeb, mas o crescimento da complementação acima do limite por conta do crescimento das receitas que compõem o Fundeb levaria a uma limitação nas demais despesas da ordem de valores apresentada acima. Portanto, a retirada do Fundeb do limite abre mais espaço para outras despesas, levando a uma piora no resultado primário”, escrevem os especialistas.

O Fundeb é composto por percentuais das receitas como do Fundo de Participação dos Estados (FPE), Fundo de Participação dos Municípios (FPM), do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações (IPIexp). Atualmente, a União aporta um adicional correspondente a 17% do fundo, valor que deve crescer 2 pontos percentuais por ano até atingir 23% em 2026.

Quanto às possíveis mudanças na metodologia de cálculo para a formação do limite de despesas de 2024, os economistas da XP destacam um movimento para “reduzir as dificuldades relacionadas à elaboração do orçamento para o próximo ano”.

“Avaliamos que o limite de despesas para 2024 deve ficar em R$ 2.132 bilhões de acordo com a regra aprovada na Câmara, com possibilidade de abertura de créditos adicionais da ordem de R$ 66 bilhões no ano que vem, dos quais R$ 46 bilhões relacionados às diferenças de inflação acumulada até junho e até dezembro deste ano”, estimam.

Tal avaliação se deve ao fato de as projeções para a inflação de 12 meses acumulada em dezembro seja superior à esperada para o intervalo de julho de 2022 a junho de 2023.

A título de exemplo, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulou uma alta de 3,94% em 12 meses até maio de 2023. Mas a mediana das estimativas de analistas do mercado consultados pelo relatório Focus, do Banco Central, sugere que o indicador deve fechar em alta de 5,42% de janeiro a dezembro deste ano.

“Embora a mudança não altere nosso cenário, já que consideramos que ao limite do próximo ano serão efetivamente acrescidos os R$ 66 bilhões apontados acima, a mudança pode ser negativa se incluir a priori algum crescimento do limite, desonerando o governo da responsabilidade sobre a elevação das despesas e, principalmente, sobre a discussão de priorização dos gastos dentro do orçamento”, sustentam.

“E levanta uma preocupação adicional: se o governo tem dificuldade para definir um orçamento com um valor R$ 40 bilhões a menos, conseguirá fazer o contingenciamento obrigatório de mais de R$ 50 bilhões se a meta de resultado primário estiver ameaçada?”, indagam.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.