Após crise diplomática, Lula convida Peña para destravar acordo sobre Itaipu

Acordo sobre o Anexo C está travado após escândalo de espionagem; Brasil ameaça rever tarifa em 2026 se impasse persistir

Marina Verenicz

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) convidou o presidente do Paraguai, Santiago Peña, para um café da manhã em Buenos Aires nesta quinta-feira (3), às 8h, com objetivo de retomar o diálogo sobre o Anexo C do Tratado de Itaipu, que define as bases financeiras da tarifa de energia da usina binacional.

O encontro ocorrerá na Embaixada do Brasil na capital argentina, onde Lula está hospedado para participar da 66ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul.

O gesto de Lula é uma tentativa de reaproximação após o congelamento das negociações pelo governo paraguaio em abril, motivado pela denúncia de que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) espionou autoridades paraguaias envolvidas nas tratativas. A revelação, feita pelo UOL, gerou crise diplomática, e o Paraguai passou a cobrar explicações do governo brasileiro antes de retomar o diálogo.

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Espionagem de autoridades

Segundo a reportagem, a operação da Abin foi planejada no governo Bolsonaro, mas executada já sob a gestão Lula, e envolveu ataques a computadores de integrantes do governo Peña. Em nota, o Planalto negou envolvimento direto e afirmou que a operação foi encerrada em março de 2023 pelo então diretor interino da agência. A justificativa, no entanto, é contestada por documentos apresentados na investigação em curso no Paraguai.

Desde abril, o chanceler paraguaio Rubén Ramírez Lezcano suspendeu formalmente as tratativas, cobrando mais transparência do lado brasileiro.

Disputa tarifária

O Anexo C do Tratado de Itaipu, firmado em 1973, expirou em 2023. Após sucessivas prorrogações, Brasil e Paraguai firmaram um acordo provisório em maio para manter a tarifa em US$ 19,28/kW até 2026. O Paraguai pressionava por um aumento para US$ 22,70, depois reduzido para US$ 20,75, enquanto o Brasil buscava manter ou reduzir os valores.

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, já sinalizou que pode rever a tarifa de 2026 caso o acordo definitivo não seja firmado, o que abriria margem para nova rodada de negociação — e possivelmente uma tarifa mais baixa, cenário que não interessa ao Paraguai.

O acordo em vigor beneficia o Brasil, que, apesar de aceitar a tarifa de US$ 19,28, implementou um mecanismo de compensação para preservar a modicidade tarifária ao consumidor nacional. Já o Paraguai vê no novo Anexo C uma chance de aumentar sua receita com a venda de energia excedente, e acusa o Brasil de falta de transparência nas negociações.

A crise também representa um teste para a política externa de Lula no Mercosul. O impasse ocorre às vésperas da reunião com os demais presidentes do bloco — Uruguai, Argentina e Bolívia — e coloca em xeque a capacidade do governo brasileiro de preservar suas parcerias estratégicas na região.