Analistas veem impeachment de Bolsonaro improvável, mas reformas prejudicadas

Cenário pós-coronavírus poderá impor desafios inesperados para a continuidade de uma agenda de ajustes, mesmo com quadro fiscal desfavorável

Marcos Mortari

(Foto: Marcos Corrêa/PR)

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SÃO PAULO – O conjunto de crises envolvendo o governo Jair Bolsonaro − que vão do agravamento da pandemia do novo coronavírus às acusações feitas pelo ex-ministro Sérgio Moro de interferência sobre a Polícia Federal – trouxe para o noticiário diário a possibilidade de abertura de processo de impeachment contra o presidente.

Embora analistas políticos hoje vejam o risco de abreviação do mandato presidencial como um cenário menos provável, há uma crença de que o novo quadro poderá impor desafios inesperados para a continuidade de uma agenda de reformas econômicas, mesmo diante da expectativa de um quadro fiscal mais desfavorável após a crise.

Na lista de preocupações do presidente estão investigações contra familiares e aliados políticos, como os casos do inquérito das fake news, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) e tem como um dos alvos o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ); e da suposta prática de “rachadinha” pelo hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

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Também incomodam o Palácio do Planalto as investigações abertas sobre manifestações antidemocráticas que contaram com a participação do próprio presidente. Além das apurações de que Bolsonaro teria tentado interferir politicamente na Polícia Federal, pressionando para escolher o superintendente do Rio de Janeiro e o diretor-geral da corporação.

No campo político, o crescimento de casos e mortes provocados pela Covid-19 no país contrasta com a minimização da doença e as críticas enfáticas feitas pelo presidente às políticas de isolamento social adotadas por governadores e prefeitos – o que já lhe rendeu duras críticas do eleitorado e uma perda de apoio popular.

Diante dos maiores riscos que se apresentam ao seu mandato, Bolsonaro fez um movimento arriscado de aproximação do chamado “centrão” − bloco de partidos grupo de partidos que concentra parcela expressiva dos assentos na Câmara. Em troca de apoio parlamentar, o governo passou a negociar a distribuição de cargos da administração pública.

O movimento permitiria ao presidente a construção de um patamar de apoio capaz de rejeitar pedidos de impeachment no Congresso Nacional ou a abertura de processos por crime comum no Supremo Tribunal Federal. Em ambos os casos, basta Bolsonaro garantir 172 votos em um universo de 513 deputados federais.

“A dramática onda de acontecimentos que levou à renúncia do ministro da Justiça, Sérgio Moro, colocou definitivamente o impeachment no cenário político”, observa Christopher Garman, diretor para Américas da consultoria de risco político Eurasia Group.

O especialista, contudo, atribui probabilidade de 25% para um impeachment presidencial. Ele sustenta que, a despeito da recente piora da avaliação do governo junto à sociedade, Bolsonaro conta como o apoio de fatia relevante do eleitorado.

Nesta semana, a pesquisa XP/Ipespe mostrou que o presidente é avaliado positivamente por 27% dos brasileiros. Já as avaliações negativas somam 49%. Os números são os piores da série com Bolsonaro, mas ainda muito superiores aos níveis atingidos por Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff quando caíram.

Embora seja difícil estimar um patamar de risco de impeachment observando patamares de aprovação presidencial, Garman acredita que Bolsonaro hoje conte com uma “gordura” de cerca de 15 pontos percentuais, que não seriam perdidos facilmente.

“Acreditamos plenamente que a pandemia, uma sucessão de notícias no campo investigativo e uma crise econômica no segundo semestre deverão levar esses números a uma queda. Mas dada a resiliência de sua base, nossa aposta é que caia para a faixa de 20% em vez de menos de 15%”, avalia.

Caso a queda seja mais acentuada e as taxas de aprovação atinjam para o patamar de risco, Garman aponta a pandemia do novo coronavírus como principal fator. Para o especialista, a doença tornou-se a principal variável política para o futuro do governo.

“Se a pandemia no Brasil continuar se deteriorando de forma mais significativa nos próximos meses, e os sistemas de saúde pública em grandes estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, entrarem em colapso, o presidente poderá ser responsabilizado”, diz. Ele acredita que, se Bolsonaro sofrer um impeachment, é mais provável que ocorra no segundo semestre.

Garman também observa uma conjuntura complexa no parlamento para a abertura de um processo de impeachment. Para ele, três fatores jogam a favor do presidente: 1) a falta de interesse dos congressistas em iniciar um processo durante os piores meses da pandemia; 2) a preocupação com as repercussões do que seria o segundo impeachment consecutivo de um presidente eleito; 3) a preocupação com um governo comandado pelo vice Hamilton Mourão.

“O governo Bolsonaro está em desarranjo. Ainda não é certo que caminha para o fim precoce, mas, se sobreviver, será, muito provavelmente, diferente do que tem sido desde seu início”, escreveu o analista político Ricardo Ribeiro, da MCM Consultores, uma semana atrás. Naquele momento, o especialista acreditava em risco de abreviação de mandato de até 50%.

Hoje, a probabilidade subjetiva atribuída por ele voltou a estar entre 30% e 40%. O recuo decorre dos ainda elevados níveis de popularidade para um processo desta natureza e da decisão da cúpula militar do Planalto de reforçar o apoio ao mandatário.

Na prática, a percepção é de que não existem condições políticas no momento para um impeachment – processo longo e que demanda esforços de articulação de atores políticos relevantes. Mas os riscos seguem monitorados.

“O patamar ainda elevado da chance de impeachment decorre dos riscos relevantes à frente de Bolsonaro. Um deles é justamente a disposição do STF de apertar o cerco contra ele”, pondera.

“Combinado à propensão de Bolsonaro de reagir atabalhoadamente quando é pressionado, à escalada da epidemia, cuja gravidade continua a ser desdenhada pelo presidente, e à reação corporativa da PF, a fervura do ambiente político pode voltar a aumentar”, complementa.

Reformas comprometidas

Assim como Ribeiro vislumbra mudanças relevantes no governo a partir das crises recentes, Garman acredita que o quadro mais provável é de um presidente enfraquecido – o que tende a dificultar a retomada de uma agenda de reformas econômicas.

“Tudo isso sugere que o cenário mais provável para o Brasil no próximo ano é de um presidente enfraquecido, mas não deposto. Do ponto de vista da formulação de políticas e das reformas, este é provavelmente o pior equilíbrio”, conclui.

No parlamento, tem crescido a percepção de que a saída da crise dependerá de uma participação decisiva de investimentos públicos. Uma espécie de Plano Marshall para o pós-guerra gerado pela Covid-19 – pensamento que já se tornou majoritário entre a população.

Segundo pesquisa XP/Ipespe, 62% dos brasileiros defendem que a melhor maneira para recuperar a economia depois da pandemia seria a partir de uma mudança na política econômica, ampliando investimentos públicos. Outros 29% apoiam a manutenção das diretrizes atuais, enxugando gastos públicos e ampliando a participação privada.

“O Congresso vai acabar refletindo um pouco dessa disposição da população. O direcionamento que escutamos dos parlamentares é que será preciso um Estado mais presente para a retomada”, pontua o analista político Paulo Gama, da XP Investimentos.

Para ele, esse pensamento está disseminado entre os parlamentares e será difícil para o governo alterar o sentido da agenda mesmo após a superação do momento mais agudo da crise sanitária.

“O clima não vai ser muito [favorável] para isso. Seria preciso uma convicção muito forte da parte política governo e de uma relação um pouco mais estruturada [com o parlamento]. Agora que se inaugurou o modelo, no governo Bolsonaro, de abrir espaço em troca de apoio, vai ser difícil que esses mesmos partidos topem fazer de novo o papel de Congresso reformista, que empurra as reformas apesar do presidente”, conclui.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.