As 5 investigações que rondam Bolsonaro e mudaram as ações do governo

Lista de preocupações do governo tem fatos antigos, como o caso de Flávio Bolsonaro, e novos, como as acusações de Sérgio Moro sobre interferência na PF

Marcos Mortari

(Isac Nóbrega/PR)

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SÃO PAULO – A crise provocada pelo avanço do novo coronavírus e uma sucessão de turbulências políticas colocaram o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) diante de uma nova realidade em seu governo e fizeram com que o mandatário tivesse que mudar algumas posições em busca de fôlego político.

Em apenas duas semanas, dois de seus ministros mais populares deixaram o governo. No Judiciário, notícias sobre o avanço de investigações envolvendo seu entorno ganharam destaque. E o impeachment passou a ter mais menções no debate público e pedidos de abertura de processo na Câmara dos Deputados.

Para lidar com novos riscos, Bolsonaro precisou fazer o que criticava e buscou uma aproximação com lideranças do chamado “centrão” – grupo de partidos que concentra parcela expressiva dos assentos na Câmara. Em troca de apoio parlamentar, o governo passou a negociar a distribuição de cargos da administração pública.

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O rol de preocupações do governo tem fatos antigos – como apurações envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o próprio uso de candidaturas-laranja nas eleições de 2018 – e novos, como as recentes acusações do ex-ministro Sérgio Moro de interferência do presidente sobre a Polícia Federal.

De uma forma ou de outra, eles são o pano de fundo de algumas das últimas ações do presidente e indicam um ambiente político mais desafiador ao governo. Eis um resumo de cada um:

1. Acusações de Sérgio Moro

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O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, aceitou, na última segunda-feira (27), pedido apresentado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, para abrir um inquérito para apurar acusações feitas pelo ex-ministro Sérgio Moro contra o presidente Jair Bolsonaro.

No discurso em que comunica a saída do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Moro afirma que houve uma “insistência do presidente” em substituir o diretor-geral da Polícia Federal sem a apresentação de razões claras. Segundo ele, “o presidente (…) queria ter uma pessoa do contato pessoal dele que ele pudesse ligar, colher informações, colher relatórios de inteligência”, o que corresponderia a uma ingerência indevida.

Além disso, Moro diz que “não é totalmente verdadeiro” o alegado desejo de Maurício Valeixo de deixar o cargo de diretor-geral da Polícia Federal e que ficou sabendo da exoneração pelo Diário Oficial da União. O agora ex-ministro também disse que não assinou o decreto, apesar de seu nome aparecer no texto.

“A dimensão dos episódios narrados, especialmente os trechos destacados, revela a declaração de Ministro de Estado de atos que revelariam a prática de ilícitos, imputando a sua prática ao Presidente da República o que, de outra sorte, poderia caracterizar igualmente o crime de denunciação caluniosa”, escreveu o chefe da PGR no pedido.

“Dos fatos noticiados, vislumbra-se, em tese, a tipifcação de delitos como os de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça corrupção passiva privilegiada ou mesmo denunciação caluniosa, além de crimes contra a honra”, continuou.

No pedido, Aras indicou como diligência inicial a oitiva com Moro, “a fm de que apresente manifestação detalhada sobre os termos do pronunciamento, com a exibição de documentação idônea que eventualmente possua acerca dos eventos em questão”. O decano deu um prazo de 60 dias para a PF concluir as diligências. Passada esta etapa, o PGR decide se apresenta uma denúncia ou se arquiva o processo.

2. Atos pró-golpe

O Ministério Público Federal também investiga fatos supostamente “delituosos” relacionados às manifestações de 19 de abril, que pediam intervenção militar, a volta do AI-5 e a flexibilização das medidas de isolamento social adotadas por estados e municípios em meio à pandemia do novo coronavírus.

O presidente Jair Bolsonaro discursou para os participantes do ato em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília, mas não foi citado nominalmente no pedido apresentado por Augusto Aras, o que gerou críticas entre procuradores. No pedido, o PGR cita deputados federais que teriam participado da organização dos movimentos.

O inquérito foi autorizado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, que destacou a necessidade da verificação da existência de organizações e esquemas de financiamento de manifestações contra a democracia e a divulgação em massa de mensagens que atentem contra o regime republicano.

O magistrado classificou o episódio como “gravíssimo” e destacou que a Constituição Federal “não permite o financiamento e a propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático, nem tampouco a realização de manifestações visando o rompimento do Estado de Direito”.

As investigações devem dialogar com o chamado “inquérito das fake news”, que tem como relator o próprio ministro Alexandre de Moraes. Um dos caminhos possíveis é o avanço sobre empresários bolsonaristas, o que gera preocupação entre aliados do presidente.

3. Fake News

Há um ano, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, determinou a abertura de um inquérito para apurar a propagação de notícias falsas que atingiam a honra e a segurança de membros da corte e seus familiares. A relatoria do caso, que corre sob sigilo, ficou com o ministro Alexandre de Moraes.

Paralelamente, alguns meses depois, o Congresso Nacional instalou a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) das Fake News, que passou a investigar com maior ênfase a relação de figuras bolsonaristas com a disseminação de informações falsas sobre adversários políticos do presidente e sua família.

As apurações indicaram a existência de uma espécie de “gabinete do ódio”, supostamente mantido pelo Palácio do Planalto, para difamar adversários. Dois filhos do presidente – o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) – estariam envolvidos nas atividades.

Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, a Polícia Federal identificou Carlos Bolsonaro como um dos articuladores de um esquema criminoso de disseminação de fake news.

Diz o texto que, na corporação, há uma avaliação de que o presidente quis exonerar Maurício Valeixo porque sabia do avanço das investigações e queria ter acesso a informações sobre o caso e inclusive trocar delegados responsáveis pela condução dos trabalhos.

Logo após o anúncio da saída de Moro, na última sexta-feira (24), o ministro Alexandre de Moraes determinou que a PF mantenha os delegados do caso. A mesma determinação se aplica para o inquérito sobre as manifestações favoráveis a uma intervenção militar e à volta do AI-5.

Nos bastidores, há uma expectativa de que os casos se cruzem e que empresários que financiam o esquema de disseminação de notícias falsas também estejam envolvidos nos atos realizados há duas semanas.

Quatro dias após a exoneração de Valeixo, o governo confirmou o nome de Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e nome próximo da família Bolsonaro, para o comando da Polícia Federal.

A escolha gerou críticas e uma série de contestações junto ao Supremo Tribunal Federal. Nesta quarta-feira (29), o ministro Alexandre de Moraes acatou pedido feito pelo PDT e suspendeu liminarmente a nomeação, com base em um possível desvio de finalidade do presidente. Horas após a decisão, Bolsonaro cancelou a nomeação.

4. Interferência no Exército

Depois da acusação de interferência na Polícia Federal, o presidente Jair Bolsonaro voltou a ser alvo de investigações, desta vez em atos que são de exclusividade do Exército Brasileiro, como destacou na última segunda-feira (27), o jornal O Estado de S. Paulo.

O Ministério Público Federal abriu dois procedimentos para avaliar os motivos da conduta do presidente em determinar a derrubada das portarias do Comando Logístico do Exército, 46, 60 e 61, publicadas entre março e abril, que facilitavam o rastreamento, a identificação e marcação das armas de fogo fabricadas no país, exportadas ou importadas e a regulamentação da marcação de embalagens e cartuchos de munição.

No mesmo dia em que as normas foram revogadas, em 17 de abril, Bolsonaro fez um anúncio direcionado a atiradores e colecionadores em sua conta no Twitter, dizendo que as portarias não se adequam às diretrizes definidas por ele em decretos sobre o tema: “ATIRADORES e COLECIONADORES: – Determinei a revogação das Portarias COLOG Nº 46, 60 e 61, de março de 2020, que tratam do rastreamento, identificação e marcação de armas, munições e demais produtos controlados por não se adequarem às minhas diretrizes definidas em decretos”.

De acordo com a reportagem, a apuração inicial se deu após pedido da procuradora regional da República Raquel Branquinho, que alega que Bolsonaro pode ter agido “para beneficiar uma parcela de eleitores”. Se houver entendimento de que houve ilegalidade, o caso pode levar a uma ação de improbidade na Justiça Federal ou à abertura de um inquérito no Supremo Tribunal Federal.

5. Cerco a Flávio Bolsonaro

As investigações mais antigas tratam da suspeita de prática da chamada “rachadinha” no gabinete senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, no período em que atuou como deputado estadual na Alerj. O termo trata de coação de funcionários para devolução de parte dos salários ao parlamentar.

O inquérito foi aberto após o antigo Conselho de Atividades Financeiras (Coaf) ter detectado que o policial militar aposentado Fabrício Queiroz, ex-assessor do parlamentar, movimentou R$ 1,2 milhão em um ano, com saques fracionados e depósitos elevados feitos em dinheiro. Os investigadores apontaram movimentações suspeitas em contas de funcionários de 29 deputados estaduais.

Em entrevista ao SBT, Queiroz disse que parte das movimentações seria referente à venda de carros usados. Mais tarde, em depoimento por escrito ao Ministério Público, admitiu que recebia parte dos salários dos colegas de gabinete. Os recursos, segundo ele, eram usados na contratação de assessores informais do legislador – que não teria conhecimento do esquema.

Outro relatório do Coaf mostrou movimentações atípicas na conta de Flávio Bolsonaro. Segundo o documento, entre junho e julho de 2017, foram feitos 48 depósitos em espécie na conta do então deputado estadual em uma agência bancária dentro da Alerj. Os recursos somavam R$ 96 mil.

Uma reportagem publicada pelo jornal Folha de S.Paulo também revelou que, desde seu ingresso na política, em 2002, até 2018, o patrimônio declarado pelo filho do presidente à Justiça Eleitoral saltou de um veículo avaliado em R$ 25,5 mil para quase R$ 1,75 milhão em bens.

Conta o texto que, no período, Flávio Bolsonaro realizou operações de compra e venda envolvendo 20 imóveis. Com uma delas, o parlamentar conseguiu obter um lucro de 237% – percentual muito superior ao da valorização de outros imóveis da mesma região no período.

O Ministério Público do Rio de Janeiro também diz que o senador usou sua loja de chocolates em um shopping na Barra da Tijuca, zona oeste da cidade, para lavar dinheiro. Segundo os investigadores, o estabelecimento e as transações imobiliárias permitiram uma lavagem de R$ 2,3 milhões. Eles acreditam que os recursos, transacionados em grande quantidade de dinheiro vivo, têm origem no esquema da “rachadinha”.

Também há investigações contra o senador por uma suposta contratação de funcionários fantasmas – ou seja, que recebem salário por cargo em comissão sem trabalhar de fato para o gabinete do parlamentar. Os investigadores alegam que tais funcionários teriam recebido mais de R$ 4,8 milhões em salários na Alerj, dos quais R$ 4 milhões (84%) foram sacados em espécie.

Flávio Bolsonaro nega a prática dos crimes investigados e diz que está sendo vítima de uma “perseguição absurda”, que tem por objetivo atingir o presidente Jair Bolsonaro.

Ambiente político

Já foram apresentados 31 pedidos de abertura de processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados. O crescimento do número de requerimentos desta natureza reforçam um momento mais delicado para o governo e uma percepção de risco mais elevado para o mandatário em comparação com meses atrás, reforçada pelos próprios movimentos defensivos assumidos recentemente.

“Os comentários de Moro parecem validar a suspeita de que as recentes ações do presidente são motivadas pelo desejo de controlar uma investigação muito sensível contra ele ou seu círculo próximo, conduzida pela Polícia Federal. O presidente parece estar se preparando para uma batalha política provocada por um escândalo iminente”, observam os analistas da consultoria de risco político Eurasia Group.

Para eles, a autopreservação também pode explicar a nova tentativa de aproximação do presidente com lideranças do “centrão” e a oferta de cargos  relevantes de segundo e terceiro escalões da administração federal – um movimento político custoso, sobretudo por se contrapor ao discurso adotado na campanha eleitoral de 2018. “Ele só levaria este movimento a sério se estivesse preocupado preocupado com sua sobrevivência política”, dizem.

O discurso do ex-juiz, visto como principal símbolo do combate à corrupção no governo, coloca o impeachment no debate, mas os analistas acreditam que uma saída de Bolsonaro dependeria principalmente do endosso de expressiva parcela da população, o que poderia depender da gravidade do que pode ser revelado pelas investigações em curso. “O Congresso não agirá sem uma significativa perda de apoio [pelo presidente]“, pontuam.

Pesquisas recentes não indicam tal desidratação. Segundo levantamento Datafolha, realizado na última segunda-feira (27), 33% dos brasileiros avaliam o governo Bolsonaro como ótimo ou bom, contra 38% que classificam a gestão como ruim ou péssima. Os números são similares aos apontados antes da crise. A pesquisa foi feita por telefone e ouviu 1.503 pessoas.

A consultoria Arko Advice atibui chance baixa, de 30%, para um impeachment de Bolsonaro. Para os analistas da casa, até o momento não há crime de responsabilidade que possa ser atribuído ao presidente. Eles chamam atenção para o fato de as acusações feitas por Moro ainda demandarem investigações, o que na prática pode “segurar” o andamento de um processo na Câmara dos Deputados – efeito que pode ser reforçado em caso de abertura de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre o caso.

Outro aspecto destacado pelos analistas é uma simpatia de três bancadas informais conservadoras à agenda do presidente – as frentes parlamentares ruralista, da “bala” e evangélica –, que contam com cerca de 230 deputados e 21 senadores. A aproximação do “centrão” também pode dar fôlego ao mandatário neste momento de instabilidade.

“Para que a Câmara aprove um pedido de impeachment, são necessários 342 votos. Com 172, Bolsonaro evita a abertura do processo. Na Câmara, o centrão tem 173. No Senado, para a aceitação da denúncia, que resulta no afastamento do presidente por 180 dias, é necessária apenas a maioria simples (metade mais um dos presentes). O centrão pode não ter força para barrar o processo, pois teria apenas 22 votos”, afirmam. Lideranças deste bloco informal já fizeram acenos ao presidente em sinais de diminuir a temperatura da crise.

Muitos analistas também chamam atenção para o fato de a pandemia do novo coronavírus jogar contra qualquer processo desta natureza, tendo em vista a própria instabilidade criada pela doença e uma vez que o impedimento de realização de manifestações populares contra o governo dificultar uma leitura mais clara do tamanho do movimento. A organização dos trabalhos nas duas casas via sessões remotas também tornaria o processo ainda mais complexo.

Já Richard Back, chefe de análise política da XP Investimentos, também salienta que a ausência de um projeto alternativo – que ficou muito claro na queda da ex-presidente Dilma Rousseff – é mais um indicador de que um debate sobre impeachment está frio em Brasília. “Está muito frio para um impeachment. Está fraco, não tem gente, não tem PIB reunido, não há sucessão com programa óbvio, só nome e CPF não resolve”, observa.

Apesar dos pedidos de impeachment que se acumulam, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem adotado postura cautelosa sobre a abertura de um processo contra Bolsonaro, assim como diversas figuras do chamado “centrão”. “Acho que todos esses processos precisam ser pensados com muito cuidado”, disse Maia, responsável por pautar ou não os pedidos.

Em seu último ano como presidente da Câmara dos Deputados (a menos que altere a Constituição para disputar novamente o posto), Maia tem evitado tratar do assunto enquanto não houver sinalização mais clara do STF sobre as investigações em curso contra Bolsonaro. A ideia é ganhar tempo em um momento de instabilidade agravado pela crise do novo coronavírus.

O ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, no entanto, determinou, na última quinta-feira (23), que Rodrigo Maia preste informações, em dez dias, sobre um dos pedidos de impeachment contra o presidente, feito no fim de março por um grupo de advogados.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.