Alagoas “queima largada” do novo marco do saneamento e desenha injeção de R$ 2,6 bilhões com concessão

Com 83% de sua população sem acesso a coleta de esgoto, estado aposta em novo modelo para tirar o atraso e torce pela aprovação de PL no Congresso

Marcos Mortari

O ex-ministro dos Transportes, Portos e Aviação Civil, Maurício Quintella Lessa, durante audiência pública da Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)

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SÃO PAULO – As dificuldades para um novo marco do saneamento básico prosperar no Congresso Nacional levaram alguns governadores e prefeitos a arquitetar caminhos alternativos para atacar com maior urgência o déficit em serviços de água e esgoto observado em todo o país.

Um projeto sobre o assunto pode ser votado pelo plenário da Câmara dos Deputados nesta semana, mas ainda há um incerto processo legislativo pela frente e resistências de lideranças parlamentares pelo caminho. O tema já foi discutido em outras duas medidas provisórias editadas durante o governo Michel Temer (MDB), que caducaram em meio à falta de consenso entre os congressistas.

O receio de que o filme se repita, combinado à necessidade de soluções mais enfáticas para o problema, levou à antecipação de programas em algumas unidades da federação. É o caso de Alagoas, onde o governo elaborou um novo projeto de distribuição de água e coleta e tratamento de esgoto focado na região metropolitana de Maceió. O estado é um dos que mais sofrem com o déficit no provimento de serviços de saneamento para a população.

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O modelo em desenvolvimento busca mesclar investimentos públicos e privados, a partir de parâmetros recomendados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). No comando do projeto está o secretário estadual de Infraestrutura Maurício Quintella Lessa, que atuou como ministro dos Transportes na gestão Michel Temer. Ele concedeu entrevista ao InfoMoney para explicar melhor o plano e como ele pode ser replicado por outros governadores pelo país.

“Historicamente, sempre existiu a ideia de que obra enterrada não dava votos. Mas essa realidade mudou. Nos últimos anos, pela própria melhoria da educação da população, da renda, de acesso à informação, hoje a comunidade e o eleitor têm cobrado bastante do agente político o avanço do saneamento”, observa.

De acordo com estudo feito pela ONU (Organização das Nações Unidas), para cada dólar investido em saneamento, há uma economia de US$ 5 em saúde. “Só que o Brasil nunca conseguiu ter um orçamento à disposição para se planejar, para fazer o investimento preventivo”, pontua o secretário.

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Em um ambiente de fragilidade fiscal e investimentos públicos nos menores níveis, o governo federal tem optado por soluções que contemplem maior participação da iniciativa privada. Caminho que tende a ser seguido pelos estados e municípios, responsáveis pelos serviços de saneamento.

Quase 35 milhões de brasileiros não têm o acesso a água tratada, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento de 2017. O número corresponde à população inteira do Canadá, conforme dados do Instituto Trata Brasil. O levantamento também mostra que 48% da população não possui acesso a serviço de coleta de esgoto.

Somente 21 municípios nas 100 maiores cidades do país tratam mais de 80% dos esgotos. As regiões com menores percentuais de pessoas atendidas por coleta de esgoto são Norte (10,24%) e Nordeste (26,87%). Os melhores indicadores, por outro lado são do Sudeste (79%) e Centro-Oeste (54%).

Um estudo feito pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) mostra que o Brasil acumulou em 2018 três anos consecutivos de redução nos investimentos do setor de água e esgoto. Segundo dados do SNIS, o Brasil investe em média R$ 10,9 bilhões por ano, quase metade dos R$ 21,6 bilhões calculados como montante necessário para que o país cumpra a meta do Plano Nacional de Saneamento Básico, de universalização de abastecimento de água e coleta de esgoto até 2033. Pela tendência observada nos últimos anos, a confederação estima que o objetivo apenas seja alcançado depois de 2065.

A alternativa construída pela atual gestão alagoana, do governador Renan Calheiros Filho (MDB), consiste fundamentalmente em estabelecer um contrato único com instituição privada para o provimento dos serviços de água e esgoto de 12 municípios da região metropolitana e de Maceió, o que será feito na forma de leilão de concessão. Pelo cronograma, um edital será lançado em 27 de dezembro e o leilão depois de 100 dias na sede da B3, em São Paulo.

“Como já tínhamos aderido ao projeto do PPI, que qualificou o saneamento como uma das possibilidades de projeto a ser estruturado pelo BNDES e contar com apoio do governo federal para financiamento, resolvemos tocar um modelo jurídico-institucional diferente. Utilizamos um mandamento constitucional pouquíssimo utilizado no Brasil: a formação, através de uma lei complementar da região metropolitana. E por que esse modelo é interessante? Porque, primeiro, ele transfere a competência do saneamento, que é municipal, por ser um serviço público de interesse comum, para a entidade metropolitana, de forma compulsória”, explica o secretário.

O projeto é um piloto para um programa mais amplo, a ser implementado em todo o estado, com base nos estudos do BNDES. O banco público estruturou um plano de concessão de todo o saneamento do estado em três blocos independentes: 1) região metropolitana; 2) sertão e litoral sul; 3) Zona da Mata, Vale do Paraíba e região norte do estado.

Em Alagoas, 83% da população não têm acesso a coleta de esgoto e só 20% do que é coletado é tratado, de acordo com relatório do SNIS de 2019. Cerca de 30% dos alagoanos ainda não têm acesso a água potável, segundo dados do governo estadual.

Um levantamento da CNI mostra que Alagoas investe em saneamento apenas 1/3 da média do Brasil. Os dados mostram que, entre 2014 e 2016, os recursos médios utilizados em esgotamento sanitário por habitante foram de R$ 61,82, contra R$ 188,17 na média nacional. O mesmo estudo mostrou em 2018 que somente cerca de 19% da população do estado têm acesso à rede de coleta de esgoto.

A previsão do governo alagoano é que a concessão traga R$ 2,6 bilhões em investimentos na região metropolitana, sendo 77% apenas nos primeiros seis anos. A meta é universalizar o acesso a água nos 13 municípios da região em seis anos e o acesso de 90% da população a esgoto tratado apenas nos primeiros oito anos e a universalização em até 16 anos.

Mas, para que as demais etapas saiam do papel, é importante que o novo marco do Saneamento seja aprovado pelo Congresso Nacional, uma vez que o texto traz maior clareza ao conceito do agrupamento de municípios e permite a participação mais efetiva da ANA (Agência Nacional de Águas) no estabelecimento de normas de referência a serem cumpridas, como conteúdo mínimo para a prestação universalizada e a sustentabilidade dos serviços.

“Para fazer a concessão [para os três blocos], nós tínhamos algumas dificuldades. A primeira era que o marco legal não estava aprovado, ou seja, teríamos que politicamente enfrentar a resistência de todos os municípios para que aderissem. O projeto só ficaria de pé para o estado todo se eu tivesse uma adesão de 80% dos municípios — politicamente muito difícil, principalmente em um ano pré-eleitoral”, pontua o secretário.

No caso do primeiro bloco, o processo seria mais simples, já que estaria amparada em legislação e jurisprudência do próprio STF (Supremo Tribunal Federal) sobre regiões metropolitanas. “Uma vez aprovado o plano regional, o estado já está autorizado, pela entidade metropolitana, a fazer a concessão dos serviços de saneamento. Esse modelo institucional é inédito e vai abrir a porta não só para transformação do saneamento na região metropolitana de Maceió, no estado de Alagoas, mas vai ser um modelo seguido no Brasil inteiro”, aposta.

O PL em discussão no Congresso Nacional impõe restrições a novos contratos de programa (contratados sem licitação), estabelece metas do plano nacional de saneamento (até 2033, universalizar acesso à água e garantir 90% de tratamento do esgoto) e implementa o conceito de aglomerações de municípios para as concessões. Tais condições facilitarão o trabalho de convencimento dos governadores para os prefeitos aderirem a programas como o de Alagoas.

“É natural que haja debates. O Brasil vive um momento de muita radicalização ideológica. Há também um receio muito grande de governadores de perder o poder político que representa uma companhia estadual de saneamento. Mas parece que isso foi esfriando com o tempo, os governadores foram tomando conhecimento do que realmente o projeto se tratava, da capacidade que esse marco regulatório terá para transformar a vida da população em relação à cobertura de água e de esgoto”, avalia.

“Acho que o clima hoje está muito mais favorável, o projeto está mais maduro para ser aprovado. O que há hoje que me parece que ainda está em discussão são os prazos para adequação de projeto. Acho que isso pode ser negociado, não acho que há prejuízo em se adequar o projeto em 12 ou 24 meses. O importante é que tenhamos um marco, seja para regularizar em um ano, seja para se regularizar em dois, mas que o Brasil, a partir daí, tenha um norte para poder avançar na questão”, complementa.

Mas o projeto ainda enfrenta resistências no parlamento, o que justifica os sucessivos atrasos na tramitação do texto. Um dos maiores focos de discórdia ao texto está principalmente nas bancadas das regiões Norte e Nordeste. Caso não tenha havido um convencimento, o problema pode se repetir com maior intensidade no Senado Federal. Na primeira fase de tramitação do texto na casa legislativa, o relatório do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) sofreu profunda desidratação em plenário.

“As companhias do Nordeste são absolutamente dependentes dos contratos de programa. E havia um medo muito grande, não só por parte dos governadores, mas também da classe política, de que essas companhias perdessem poder, ao mesmo tempo em que havia pouca compreensão em relação ao projeto. As companhias públicas vão poder concorrer com as privadas também, vão poder se organizar em aglomerações. Acho que há um amadurecimento do projeto e das bancadas do Nordeste em relação a isso. Há resistências mais pontuais. No próprio grupo de governadores do Nordeste, que lá atrás fizeram uma oposição muito forte, parece que já tem uma visão bem diferente”, afirma o secretário.

Uma das críticas frequentes ao novo marco em questão é o risco de áreas economicamente menos interessantes ficarem desassistidas pelos programas a serem criados. Defensor do modelo, Quintella diz que a organização das concessões por blocos de municípios (as aglomerações) pode ser uma solução eficaz para o problema.

O secretário sustenta que os três blocos do modelo alagoano “são absolutamente viáveis” e devem atrair interesse de investidores. “Talvez o bloco do sertão precise um pouco mais de investimento público ainda para se tornar um bloco apto a ser objeto de processo de concessão”, reconhece.

Apesar dos desafios da missão, Quintella cita como trunfo da atual gestão a política destinada à coleta de lixo. “Alagoas foi o estado que teve muito sucesso em relação à coleta de lixo. Foi o primeiro estado a acabar com os lixões. Isso se deu através de consórcios organizados pelos próprios municípios com apoio do estado. Nós já temos um pouco de know-how na condução da formação desses consórcios. Tivemos sucesso em relação aos resíduos sólidos e não tenho dúvida de que teremos também em relação ao saneamento”.

Expectativas com o novo marco

Após sucessivos atrasos, lideranças da Câmara dos Deputados tentam chegar a um acordo para votar nesta semana o PL 3.261/19, que institui o marco do saneamento básico. O texto, que traz uma série de mudanças para o setor, tem sido acompanhado de perto por prefeitos e governadores e pode ser votado nesta semana em plenário.

Um dos principais pontos do projeto consiste na fixação de um prazo para a implementação de licitação obrigatória para a prestação de serviços de saneamento, em que empresas privadas e estatais poderão competir, retirando a possibilidade de prefeitos e governadores decidirem por conta própria os termos para o provimento dos serviços. As estatais poderão renovar o termo, desde que cumpridas exigências de licitação, mas novos contratos de programa (realizados sem licitação) serão proibidos após a publicação da lei.

O tema tem sido discutido há alguns anos no Congresso Nacional, mas até o momento não encontrou o apoio necessário para prosperar. Antes do início da tramitação do projeto atual, os parlamentares já chegaram a discutir sobre duas medidas provisórias editadas no governo Michel Temer (MDB) — ambas caducaram.

A ideia dos deputados era que o PL 3.261/19 fosse votado na semana passada, mas a obstrução de partidos contrários e a falta de um acordo entre os parlamentares levaram o presidente da casa legislativa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a adiar a deliberação. Alguns governadores ainda discutem com o relator Geninho Zuliani (DEM-SP) alterações no substitutivo. O plano agora é que os deputados voltem a se debruçar sobre o assunto nesta segunda-feira (9).

Na última quarta-feira (4), data em que informou a retirada de pauta, Maia informou que foi feito um acordo com os governadores para garantir a aprovação mais rápida da proposta. O texto teve a urgência aprovada em novembro, mas os parlamentares ainda tentam discutir modificações no relatório, como a ampliação do período de transição para que os novos requisitos sejam cumpridos.

Os desdobramentos desta discussão são acompanhados de perto por governadores e prefeitos. No entanto, mesmo que tenha tramitação concluída na Câmara, o texto ainda precisaria voltar para o Senado Federal antes de entrar em vigor. Isso porque houve modificações sobre a versão originalmente aprovada pelos senadores. Desta forma, dificilmente o PL entrará em vigor ainda neste ano.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.