Ainda sem relator definido, Câmara quer votar PL das “offshores” na próxima semana

Governo tenta superar obstrução de parte da oposição e incômodo de integrantes do "centrão" para avançar com agenda de interesse da equipe econômica

Marcos Mortari

O plenário da Câmara dos Deputados (Fotos: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados)

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A Câmara dos Deputados deve votar, na terça-feira (3), em plenário, o projeto de lei que muda regras de tributação de aplicações financeiras mantidas por brasileiros no exterior (PL 4173/2023) − especialmente por meio das chamadas “offshores”. A informação foi confirmada por parlamentares governistas após reunião de líderes realizada nesta quarta-feira (27).

O texto ainda não tem relator, que deve ser definido em reunião entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e o presidente da casa legislativa, Arthur Lira (PP-AL). Conforme o InfoMoney antecipou, o nome mais cotado é o do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), já conhecido por maior envolvimento em pautas econômicas.

“O que ficou certo, e pode ser acrescido de outras coisas, na semana que vem, é o PL das offshores”, disse o líder do PT, o deputado Zeca Dirceu (PR), em conversa com jornalistas.

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Segundo o parlamentar, a tendência é que ainda nesta semana também seja designado o relator do projeto de lei (PL 4258/2023) que acaba com a dedução dos juros sobre capital próprio (JCP) da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). A lista também inclui proposição que trata da subvenções de entes subnacionais da base de cálculo de tributos federais (MPV 1185/2023).

O projeto de lei, que tramita em regime de urgência no Congresso Nacional e é uma das prioridades da agenda da equipe econômica do governo, cria uma tabela unificada para a cobrança de imposto sobre rendimentos de aplicações financeiras de pessoas físicas no exterior e os lucros gerados por controladas (“offshores”), com alíquotas que vão de 0% (ganhos anuais até R$ 6 mil) a 22,5% (ganhos anuais que superarem R$ 50 mil).

No caso de investimentos diretos, o texto mantém o chamado regime de caixa (em que o imposto é recolhido apenas no momento do resgate, amortização, alienação, vencimento ou liquidação das aplicações), mas a declaração passa a ser anual.

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As “offshores” são o ponto central da proposta, tanto do ponto de vista regulatório quanto como fonte de arrecadação. Para contribuintes que usam essas estruturas, o texto prevê substituição do regime de caixa para o chamado regime de competência (em que os lucros passam a ser tributados anualmente, mesmo se mantidos pela controlada no exterior).

O texto também regulamenta os “trusts”, que são uma ferramenta contratual sofisticada muito usada no exterior para a organização do patrimônio e da sucessão por famílias de alta renda. Pelo dispositivo, eles passam a ser considerados entidades transparentes, com necessidade de declaração pelos titulares.

A matéria ainda traz a opção para o contribuinte atualizar o valor dos seus bens e direitos no exterior para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2023 (na medida provisória original, a atualização ia apenas até dezembro de 2022), tributando a diferença por uma alíquota favorecida de 10%. Neste caso, o imposto deverá ser pago até 31 de maio de 2024.

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Aqueles que decidirem não aderir permanecerão nas regras antigas, mas sujeitos à nova tabela de alíquotas do IRPF, caso o projeto de lei seja aprovado pelo Congresso Nacional.

Um vice-líder aliado ao governo e com conhecimento no assunto confirmou ao InfoMoney que a tendência é que o projeto de lei das “offshores” incorpore a tributação dos fundos exclusivos (ou fundos fechados, também conhecido como “onshore”), prevista na Medida Provisória 1184/2023.

Leia também: Tributação das “offshores”: o que o governo mudou no novo projeto sobre o assunto?

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Pela pauta definida pelos líderes partidários, também deve ser votado em plenário na próxima semana o marco das garantias e o projeto de lei que trata da securitização.

Obstrução da oposição

O encaminhamento ocorre em uma semana marcada pela pauta esvaziada do plenário da casa legislativa, em razão de obstrução promovida pelas bancadas ruralista, evangélica e católica e principalmente por um desentendimento entre integrantes do “centrão” e o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Parlamentares afirmam que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), estaria incomodado com o mandatário por não honrar suposto acordo para a indicação de cargos para o comando e vice-presidências da Caixa Econômica Federal, além da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).

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Conforme Lira disse em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o acordo celebrado com a minirreforma ministerial do governo envolvia, além da nomeação de André Fufuca (PP-MA) e Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) respectivamente para as pastas do Esporte e dos Portos e Aeroportos, a concessão dos cargos no segundo escalão para o “centrão”.

Mas nesta semana, porém, Lula declarou não estar disposto a “mexer com nada”. “Não adianta ficar torcendo para a água que você quer que passe embaixo da ponte chegue logo, elas vão chegar no momento certo. Na hora em que eu tiver que mexer em alguma coisa, eu vou mexer”, afirmou.

Ao incômodo de Lira somou-se a insatisfação das bancadas ruralista, evangélica e católica com julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF), que, na avaliação de seus integrantes, teria invadido competências do próprio parlamento ao analisar pautas relacionadas à descriminalização do porte de drogas, o marco temporal das terras indígenas o aborto.

Após indicar que a semana poderia passar em branco, líderes partidários da Câmara dos Deputados chegaram a um entendimento para votar proposições na noite desta quarta-feira (27).

Com exceção do PL, sigla do ex-presidente Jair Bolsonaro, que seguirá em obstrução, as outras bancadas concordaram em votar uma medida provisória que abre crédito extraordinário de R$ 200 milhões para o Ministério da Agricultura e Pecuária Também entrou na pauta projeto de lei que prorroga o prazo para a obrigatoriedade de exibição comercial de obras cinematográficas brasileiras até 2031. E o outro prorroga o prazo de obrigatoriedade de exibição comercial de obras cinematográficas brasileiras até 2031.

Apesar do entendimento, há expectativa de que a obstrução promovida por bancadas da oposição e a má vontade de alguns integrantes do “centrão” com pautas com menor nível de consenso se estenda pela próxima semana, afetando a discussão de temas de interesse do governo na casa legislativa.

“As coisas se reorganizaram novamente. Pelo que percebi, vai continuar havendo obstrução, mas nós vamos superá-la. Acho que as coisas voltaram a acontecer”, salientou Zeca Dirceu.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.