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Uma declaração do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), acendeu um alerta sobre o futuro do controle de constitucionalidade. Em um momento de atrito entre o Legislativo e o Executivo, o senador sugeriu restringir quem pode acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar leis aprovadas no Congresso.
A medida poderia limitar o acesso de partidos pequenos à Corte sobre possíveis inconstitucionalidades em meio às disputas sobre o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). No final de junho, o decreto presidencial que elevava as alíquotas foi barrado por um decreto legislativo do Congresso, gerando reações em cadeia.
Tanto o PSOL quanto o PL acionaram o Supremo Tribunal Federal em sentidos opostos: o primeiro ingressou com a ADI 7839 para invalidar o decreto legislativo que derrubou o aumento do IOF, enquanto o segundo, na ADI 7827, contestou o próprio decreto presidencial que elevava as alíquotas. Já a Advocacia-Geral da União (AGU), representando o presidente Lula, ajuizou a ADC 96 para sustentar a validade do decreto do Executivo e restabelecer o aumento do imposto.
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“Há uma questão que nós temos que discutir, com urgência, em relação aos legitimados que podem acessar o Supremo Tribunal Federal para questionar qualquer lei votada no Congresso. Esse é um problema seríssimo que nós temos no Brasil. Todo mundo pode acessar o Supremo e depois ficam as críticas aqui em relação às decisões do Poder Judiciário.”
Por que existe o controle de constitucionalidade?
O controle de constitucionalidade é o mecanismo jurídico que garante que todas as normas e atos estejam em conformidade com a Constituição. “Ele é necessário porque ela ocupa o lugar mais alto na hierarquia das normas jurídicas”, diz o advogado constitucionalista Álvaro Jorge, professor da FGV Direito Rio.
A existência de instrumentos que permitam a verificação da compatibilidade entre normas infraconstitucionais e o texto constitucional é o que confere efetividade à ideia de “supremacia constitucional”. “Todos os atos do Estado, inclusive os de particulares, precisam estar em conformidade com ela”, diz Jorge.
Ele frisa que, embora o STF tenha a última palavra, todos os Poderes exercem algum tipo de controle de constitucionalidade. Por exemplo, o Executivo pode vetar leis por razões constitucionais e o Legislativo faz análises prévias nas Comissões de Constituição e Justiça. Mas é o STF, conforme o artigo 101 da Constituição, que é o “guardião” da Carta.
ADI, ADC, ADPF e ADO
O sistema jurídico brasileiro prevê diferentes tipos de ações para o controle concentrado de constitucionalidade: a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO). Veja as suas diferenças no quadro abaixo:

Esses dispositivos visam manter a coerência do ordenamento jurídico e prevenir abusos legislativos. “É um mecanismo objetivo de tutela da Constituição, voltado a retirar do ordenamento normas incompatíveis ou, em caso de omissão, compelir o legislador a agir”, ressalta José Miguel Garcia Medina, sócio do Medina Guimarães Advogados e professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
“Os legitimados representam os Poderes de Estado ou corporações essenciais à democracia e garantem que grupos sociais com menos voz institucional também possam recorrer ao Judiciário.”
Medina frisa que essa escolha do constituinte de 1988 garantiu pluralidade e canal de acesso a minorias. O artigo 103 da Constituição define um rol de legitimados para ajuizar essas ações no STF:
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- presidente da República;
- mesas da Câmara e do Senado;
- mesas de Assembleias Legislativas;
- governadores;
- Procurador-Geral da República;
- Conselho Federal da OAB;
- partidos com representação no Congresso;
- entidades sindicais e de classe de âmbito nacional.
Proposta pode afetar minorias
A proposta de Alcolumbre visa restringir o atual acesso de legitimados, podendo barrar partidos que não atingiram a cláusula de desempenho — nesse caso, PSOL e Novo estão entre os alvos.
“Reduzir o rol previsto no artigo 103 poderia enfraquecer a tutela da Constituição e comprometer o princípio do pluralismo político”, alerta Medina. Segundo ele, partidos menores têm historicamente sido atuantes na defesa de temas como meio ambiente e direitos humanos.
No entanto, para que essa restrição tenha validade, seria necessário alterar a Constituição. O artigo 103 é claro: uma mudança desse tipo exigiria emenda constitucional. Jorge lembra que, antes de 1988, apenas o procurador-geral da República tinha a prerrogativa de acionar o Supremo.
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“A ampliação feita pela Constituinte buscou exatamente democratizar o controle de constitucionalidade, e restringir isso agora seria um retrocesso. Em momentos de tensão política, como o atual, é natural que mais ações cheguem ao STF.”
Dados do painel “Corte Aberta”, do STF, mostram que o controle de constitucionalidade tem sido amplamente utilizado. De 2020 a julho de 2025, o Supremo decidiu 5.916 ADIs, 134 ADCs, 1.869 ADPFs e 97 ADOs. Mesmo assim, ao olhar para o histórico dos últimos cinco anos, a quantidade de ADIs e ADFPs tiveram relativa queda anual (confira no quadro abaixo), enquanto os demais dispositivos se mantiveram praticamente estáveis.

Impacto sobre o equilíbrio entre os Poderes
Mesmo dando a palavra final, o Supremo não atua de forma autônoma nesses casos. Para isso, ele precisa ser provocado a agir. “A Corte não escolhe os casos que quer julgar. Ele apenas decide quando é provocado”, lembra Álvaro Jorge. Para ele, o excesso de judicialização política é fruto mais de um comportamento do Congresso do que do Judiciário.
Já Medina destaca que restringir o acesso ao STF pode desequilibrar a relação entre os Poderes. “Sem um controle plural, cresce o risco de arbitrariedades e de violação a direitos fundamentais”, diz.
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Na avaliação do professor da UEM, restringir os mecanismos de controle de constitucionalidade pode criar brechas para que o Legislativo aprove leis abusivas ou deixe de agir em situações relevantes, sem que exista um caminho institucional eficaz para contestação.

