José Ferreira da Silva – o Frei Chico – é irmão mais velho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e tem a trajetória marcada por anos de atuação no sindicalismo.
Na política operária, sua liderança era a de um articulador discreto entre os movimentos de trabalhadores. Nos anos 60, quando era metalúrgico no ABC Paulista, proporcionou o primeiro contato de Lula com o ambiente sindical, marcando o início do caminho político que o irmão mais novo seguiria anos depois.
Hoje, Frei Chico é vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi). A entidade é um dos alvos da operação Sem Desconto da Polícia Federal, que investiga fraudes bilionárias do INSS contra aposentados e pensionistas.
Quem é Frei Chico?
Nascido em Caetés, Pernambuco, José Ferreira da Silva é uma das lideranças mais antigas do movimento sindical brasileiro. O apelido veio nos tempos de metalúrgico, por conta da calvície que lembrava os frades franciscanos.
Assim como milhões de famílias nordestinas, seus pais migraram para São Paulo nos anos 50 em busca de uma vida melhor. Foi a época do “milagre econômico” brasileiro – com a indústria em expansão, cresciam também as ofertas de emprego nas fábricas do ABC Paulista.
Frei Chico conseguiu emprego como soldador na Indústria Villares, em São Bernardo do Campo, e começou a se aproximar dos movimentos operários. Em meados dos anos 60, início da ditadura militar, ingressou no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Em meio à tensão da época, os movimentos trabalhistas cresciam e começavam a ficar mais organizados.
O início de Lula no sindicalismo
Frei Chico começou a trabalhar no setor metalúrgico alguns anos antes de Lula. Enquanto o caçula, aos 17 anos, era aprendiz de torneiro mecânico, o mais velho já se aproximava da militância e das lideranças sindicais.
Aos poucos, ele começou a levar Lula em rodas de discussão, reuniões de fábrica e todo tipo de evento relacionado à classe operária da região. Com o tempo, o caçula não só se interessou pelo contexto, como deixou de ser somente um observador e passou a participar ativamente das reuniões, sob o reconhecimento e aprovação dos colegas.
No final dos anos 60, o sindicato buscava novas lideranças, e Frei Chico foi convidado a concorrer a uma vaga para a diretoria. No entanto, recusou a oferta alegando que uma regra interna do sindicato impedia que uma fábrica tivesse mais de um representante na direção.
Embora tenha sido esse o motivo oficial da recusa, fontes da época alertaram para o risco que sua militância política representava. O nome de Frei Chico era publicamente associado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), justamente num período de repressão militar a qualquer ato considerado subversivo. Ou seja, tê-lo à frente do sindicato seria uma exposição não só para ele e outros membros do partido, mas para toda a classe representada também.
Foi nesse contexto que ele decidiu indicar o irmão para assumir o seu lugar na chapa. Ao vencer o pleito, Lula deu início à liderança sindical que o levaria à Presidência da República anos depois.
Prisão e resistência política na ditadura
Sindicalista militante, Frei Chico já estava há tempos no radar da ditadura, que começou a endurecer nos anos 70.
Em 1975, enquanto Lula estava no Japão participando de um congresso de trabalhadores da Toyota, ele foi preso por agentes do DOI-Codi, que o buscaram em casa.
Na prisão, que durou cerca de um mês, foi submetido a duros interrogatórios e sessões de tortura. Foi somente ao visitá-lo na cadeia do Hipódromo, em São Paulo, que Lula se convenceu de que havia esse tipo de violência na ditadura. Tempos depois e já Presidente, disse que ter visto o irmão debilitado e com marcas de tortura foi decisivo para que intensificasse sua atuação sindical.
“Se foi ruim para o corpo deles (…), foi um salto de qualidade na minha vida política (…) Aí eu passei a não ter mais medo”, disse Lula à jornalista Denise Paraná, autora da biografia Lula, o Filho do Brasil.
Divergências políticas entre Frei Chico e Lula
Lula e Frei Chico sempre estiveram juntos na defesa da política operária, mas tinham diferenças ideológicas e de estratégias.
Enquanto Frei Chico permanecia fiel à militância comunista, a preocupação de Lula era dar mais abrangência ao movimento sindical. Para isso, ele priorizou a negociação, trazendo ideologias diferentes para o diálogo, de forma mais pragmática do que o irmão.
Na eleição presidencial de 1989, as divergências políticas entre ambos ficaram mais evidentes. No primeiro turno, Frei Chico votou em Roberto Freire, candidato do PCB, e só foi apoiar Lula no segundo turno, depois de eliminados todos os candidatos mais à esquerda.
Com a saúde debilitada depois de três infartos, foi reduzindo sua atuação política aos poucos, mas se manteve próximo aos sindicatos. Desde 2008, faz parte da diretoria do Sindnapi, atuando como vice-presidente desde 2023.
Acusações na Lava-Jato
Em setembro de 2019, Frei Chico e Lula foram acusados de corrupção passiva no âmbito da Lava-Jato, com base em delações da Odebrecht.
Segundo o Ministério Público Federal, o ex-sindicalista teria recebido propinas mensais da empreiteira entre 2003 e 2015, que totalizaram cerca de R$ 1,13 milhão.
No mesmo mês, a Justiça Federal, em São Paulo, alegou que não havia fundamentação técnica suficiente para a denúncia e a rejeitou. Um ano depois, o TRF-3 manteve a rejeição por unanimidade.
Sindnapi e o escândalo do INSS
Em abril de 2025, a Polícia Federal deflagrou a “Operação sem Desconto”, para investigar um esquema de descontos indevidos dos benefícios de aposentados e pensionistas de todo o Brasil.
A fraude teria ocorrido entre 2019 e 2024 com a participação de entidades que, supostamente, facilitavam os golpes por terem acesso a informações dos beneficiários. Entre as entidades suspeitas de envolvimento, está o Sindnapi, que teve um expressivo aumento de filiações justamente durante os cinco anos que ocorreram os descontos não autorizados.
Como Frei Chico pertence à diretoria do sindicato desde 2008, seu nome aparece no contexto do escândalo. Até o momento, o Sindnapi nega qualquer irregularidade, e Frei Chico não é alvo direto de investigação e não foi convocado para depor na CPI do INSS.